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Governos de Cavaco Silva Privatizações e orientação da Administração Pública para o cidadão.

DESENVOLVIMENTO DA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA.

3.3. Progresso da orientação para o mercado.

3.3.3. Governos de Cavaco Silva Privatizações e orientação da Administração Pública para o cidadão.

Aos governos de Cavaco Silva, que assumiram como palavra de ordem “Menos Estado, Melhor Estado”, devem-se contributos significativos na modificação da lógica de actuação das entidades públicas. Cabe-nos aqui ter em atenção tanto as conclusões de Rocha que considera ter este período correspondido à introdução do New Public Management em Portugal e ter sido esta frustrada pela falta de envolvimento dos funcionários (Rocha, 2001 b: 105-115) como o paralelo efectuado por Silvestre com a experiência britânica dos Governos Tatcher / Major entre 1979 e 1997, a qual teria tido três variantes / fases, a da Eficiência, com primeiro uma Financial Management Iniciative e depois uma Privatização tipo hard (venda de partes sociais, por necessidades financeiras que o programa anterior não havia permitido resolver) entre 1979 e 1988, a Descentralização, com os Next Steps e Privatização tipo soft (para o autor, a contratualização é um exemplo deste tipo de “privatização”) entre 1998 e a da Qualidade, a partir de 1991 (Silvestre, 2010: 159-166 e 185-230). A experiência dos EUA (National Perfomance Review / Reinvenção da

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126 Administração Pública) sob a Administração Clinton / Gore e a experiência portuguesa dos Governos Cavaco Silva teriam sido influenciadas pela experiência britânica. Araújo corrobora esta relação, e estuda dois casos da Administração Pública portuguesa que lhe sugerem ter a reforma portuguesa falhado (Araújo, 2002).

Privatizações e regulação.

As variantes identificadas na experiência britânica coexistem e, em certa medida desenvolvem-se paralelamente, no período dos Governos de Cavaco Silva. O Estado é “menos Estado” por força das privatizações, mas é “melhor Estado” por estas terem sido acompanhadas de regulação, promotora da concorrência e, logo, beneficiando o consumidor, falha que foi por exemplo assacada às privatizações britânicas, que terão transformado monopólios públicos em monopólios privados (Lucena, 1990:17-40; Santos, 1990:147-159; Bishop and Kay, 1990: 189-204; Majone, 1996: 25-31) . No que ao sector público empresarial diz respeito, o sucesso das privatizações portuguesas no sector financeiro e industrial24 foi acompanhado por um movimento de transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, propiciando a futura privatização mas garantindo desde logo uma maior flexibilidade de gestão. Simultaneamente, procurou-se reactivar a figura da concessão para regular as missões das empresas que exerciam funções em áreas em que se verificava a existência de monopólios técnicos ou naturais. Em certos casos, criaram-se órgãos reguladores, com cisão das grandes empresas públicas sectoriais e facilitação do acesso a novos operadores

Gonçalves aponta os casos do serviço público de televisão25, do serviço público de radiodifusão26, do serviço público de telecomunicações27 (contudo, o Instituto de Comunicações de Portugal, órgão regulador, foi criado seis anos antes28), do serviço de transporte de energia eléctrica no Sistema Eléctrico Nacional29, bem como, em alguns casos visando novas actividades e empresas a constituir, o serviço público de distribuição regional de gás natural30, o serviço público de distribuição natural de gás natural em Lisboa31, o

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Que incluiu a alienação de estabelecimentos detidos por ex-organismos de coordenação económica, como os matadouros então na titularidade do IROMA.

25 Lei 58/90, de 7-9. 26 L 2/87, de 18-1. 27 DL 40/95, de 15-2. 28 DL 283/89, de 23-8. 29 DL 185/79, de 27-5. 30 DL 33/91, de 16-1.

127 serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento através da rede de alta pressão32, o regime geral da exploração dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, tratamento e rejeição de efluentes33, o regime jurídico da concessão de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos34 e o regime jurídico da concessão de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público (Gonçalves: 1999: 40-43).

A cisão de grandes empresas com facilitação do acesso a novos operadores, ocorreu no sector eléctrico, em que, 36 anos depois da constituição (em 1969) da Companhia Portuguesa de Electricidade, seguida em 1976 pela da EDP, alargada a todas as produtoras e distribuidoras se optou35 por separar a produção (favorecendo a ligação à rede de novos produtores, antes do mais com a transferência da titularidade da central do Pego, ainda construída pela EDP), do transporte (recriando a antiga Companhia Nacional de Electricidade sob a denominação de REN - Rede Eléctrica Nacional) e a distribuição que voltou a ser considerada concessão dos municípios, prevendo-se que os produtores pudessem concorrer entre si e contratar directamente com os consumidores. Foi criada a ERSE – Entidade Reguladora do Sector Eléctrico, actualmente, por alargamento à regulação dos serviços relacionados com o gás natural, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. As distribuidoras regionais do grupo EDP voltariam a integrar uma mesma empresa de distribuição.

Ficou prevista no sector dos transportes, autorizada pela Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, a subconcessão de explorações ferroviárias pela CP36, embora, como anota Gonçalves, a CP não se regulasse nessa altura por contrato de concessão (Gonçalves, 1999: 42-43). Nos ciclos políticos posteriores esta metodologia não foi posta em causa, assistindo-se à autonomização da gestão das infraestruturas na REFER37 e permitindo-se o acesso de novos operadores (no caso do transporte de passageiros a FERTAGUS38) e prevendo-se a futura constituição de empresas autónomas a partir das unidades de negócios da CP, tendo o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (INTF) 31 DL 333/91, de 6-9. 32 DL 274-C/93, de 4-8. 33 DL 379/93, de 5-11. 34 DL 294/94, de 16-11. 35 DL 18/95, de 27-7. 36 L 10/90, de 17-3. 37 DL 104/97, de 29-4. 38 DL 274/98, de 5 -9.

128 sido criado em 1997, já noutro ciclo governativo, evidenciando a continuidade da política adoptada.

Desburocratização

Na esfera da Administração Pública é sobretudo o “Melhor Estado” que parece estar em causa. É lançado um grande esforço mediático e de simplificação legislativa e regulamentar no sentido da desburocratização de procedimentos da Administração Pública, da melhoria do atendimento por parte dos serviços públicos, e da rapidez de resposta, tanto a favor dos particulares (institui-se na altura o “livro de reclamações”) como das empresas, sendo criada para institucionalizar o diálogo com estas a Comissão Empresas- Administração, e é publicado em 1991 o Código do Procedimento Administrativo, que de alguma forma se traduz num empowerment dos administrados. A preocupação com o utente corresponde, em sentido lato, a uma preocupação partilhada com as empresas, podendo ser considerada uma indicação de aproximação a uma abordagem empresarial, no entanto podemos considerá-la comum ao New Public Management, em que é visto como consumidor, e ao New Public Service, em que é visto como cidadão. Nos ciclos políticos posteriores não será abandonada a orientação para o utente e o discurso desburocratizador. A partir de 1992, numa altura em que no Reino Unido John Major, que sucede a Margaret Thatcher, lança a Citizens’ Charter, numa correcção de rumo que visou reabilitar a imagem dos serviços públicos e dos funcionários mas também num momento de crise económica à escala europeia, em parte derivada da abertura a produtores asiáticos e que afecta sobretudo os sectores tradicionais, e em que, no plano orçamental se “confirma um aumento de pressão sobre as prestações públicas“ não sendo possível injectar “sem limite, mais meios” (Comissão para a Qualidade e Racionalização da Administração Pública, 1994) há como que uma radicalização do processo, que passa pelo apelo à introdução da filosofia da qualidade, já no estádio do Total Quality Management (TQM), conforme referem Rocha (2006: 45-73) e Silvestre (2010: 193-247), com publicação de Cartas de Qualidade pelos diferentes serviços.

Radicalização no sentido da economia de mercado. A perspectiva da qualidade.

Embora destaquemos estas condicionantes económicas não podemos ignorar que a reformulação das políticas parte de uma opção ideológica expressa, já reflectida no Programa do terceiro Governo Constitucional, formado em 1991 (“…a modernização administrativa desenvolver-se-á tendo como quadro de referência a economia de mercado.

129 Haverá lugar ao reenquadramento das missões da Administração Pública à luz dos processos de descentralização, regionalização, desconcentração e privatização por forma a viabilizar a aproximação dos serviços aos cidadãos e a prestação de um melhor produto com menos custo para a sociedade.”) e nas Grandes Opções do Plano para 1992 que prevêem o “lançamento, a partir de 1992, das bases de um novo modelo de Administração, tendo como quadro de referência a economia de mercado, conciliando exigências de um serviço de melhor qualidade e de uma função pública criativa e motivada com preocupações de custo-benefício, não onerando indevidamente a sociedade e o contribuinte com o peso de uma administração ineficiente”. Vem a ser criada por deliberação do Conselho de Ministros39 e por despachos do Primeiro Ministro publicados em 26 de Novembro de 1992 e 15 de Janeiro de 1993, uma Comissão para a Qualidade e Racionalização da Administração Pública.

A referência ao movimento pela Qualidade é bem nítida nas publicações do Secretariado para a Modernização Administrativa (SMA), sobretudo na Administração Pública e Qualidade, publicado em 1992, de que vale a pena transcrever:

Na introdução na Administração Pública dos princípios, relativos à qualidade vigentes no sector produtivo privado há que ser prudente e não enveredar por soluções extremistas: nem proceder à transferência cega desses princípios e métodos de gestão, nem acentuar demasiado a dicotomia público / privado, que é nefasta, quanto mais não seja porque acaba por proporcionar uma imagem demasiado negativa dos serviços públicos: nem estes, como frequentemente se diz, correspondem sempre a um inferno desburocratizado, nem aqueles (as empresas) são um paraíso em que a desburocratização é completa. Se é verdade que há necessidade de adaptar a cultura administrativa a alguns princípios de filosofia da actividade privada, não é menos verdade que as duas realidades são diferentes. É por isso que, sem renegar os seus princípios e os seus valores tradicionais, a Administração deve aproximar o seu modelo de organização e os seus métodos de gestão dos do sector privado, adoptando uma nova postura de serviço público que lhe confira uma nova legitimidade administrativa.

O texto adapta os vários “zeros” característicos da Qualidade Total para “zero erros, zero atrasos, zero papéis, zero paragens [ou zero avarias, embora anote que as paragens geralmente têm origem em contenciosos], zero incompreensões [a Administração deve informar bem os utentes],” aponta para a construção de indicadores de qualidade e para a introdução de metodologias do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, normalização, metrologia, certificação, acreditação. Já em Gestão da Qualidade. Conceitos. Sistema de

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Deliberação nº 14-DB/92, de 21-4. Não sendo usual divulgar deliberações que não assumam a forma de Resoluções do Conselho de Ministros, a divulgação desta revestiu-se de evidente significado político.

130 Gestão. Instrumentos, publicado no mesmo ano pelo SMA, há abundantes referências a clientes internos e clientes externos, à norma ISO sobre qualidade de serviços e usa-se linguagem “industrial”: produto, fabrico (Madeira, 1992). Poderia o problema ter sido a falta de disponibilidade à data de literatura que se debruçasse especificamente sobre a qualidade da Administração Pública mas o facto é que na publicação, também de 1992, do mesmo SMA, Listas de Verificação de Não-Qualidade, a questão nº 78 é inequívoca: “Está difundido junto de todos os Profissionais o conceito de produto?” (Madeira e Pinto, 1992).

Há portanto uma iniludível vontade de referência ao mundo empresarial, mitigada pela necessidade de consideração de valores específicos da Administração Pública, sendo que se fala quer em “serviços públicos”, quer em “serviço público” o que reflecte, aceitamos que por antecipação, um equilíbrio entre uma visão próxima do New Public Management e a do que viria a ser referenciado como New Public Service. Estranhar-se-á a remissão expressa para as empresas privadas, quando a qualidade era e continua a ser uma referência importante também para as empresas públicas, mas em época de reprivatizações não seria talvez oportuno fazer a referência noutros termos.

No mandato da Comissão para a Qualidade e Racionalização da Administração Pública são identificáveis perspectivas do New Public Management nas alíneas b), c) e e):

a) Apresentar, de acordo com os princípios constitucionais sobre Administração Pública um quadro de referência que vise delimitar o sector público administrativo; b) Identificar actividades susceptíveis de privatização, numa Administração Pública garante de serviço público e de igualdade de acesso e de oportunidades; c) Enumerar prioridades, formas e mecanismos susceptíveis de concretizar processos de privatização de domínios de actividades da Administração Pública; d) Propor princípios, critérios e metodologias tendentes ao combate à redundância de estruturas cujo objectivo se tenha esgotado; e) Potenciar a flexibilidade gestionária da Administração Pública, pelo aperfeiçoamento das formas já existentes ou pela criação de estruturas qualitativas.

O Relatório da Comissão - Renovar a Administração - que aborda também, entre outros, aspectos relativos à organização dos serviços públicos que serão tratados no capítulo seguinte, afirma ser necessário “definir as missões essenciais do Estado, “contar com o sector social”, “encontrar formas de privatização, assegurar algum mercado e alguma concorrência”, “envolver os utentes na avaliação e controle” e define uma grelha de classificação de actividades: “actividades operativas / instrumentais”, “com poderes de autoridade / sem poderes de autoridade“, “em monopólio / com produção concorrencial na Administração Pública / com produção concorrencial no sector privado”, que aplica aos sectores da justiça, educação e segurança social, sendo que no sector da educação considera todas as actividades, operativas ou instrumentais, como concorrenciais. Faz referência a diversa literatura produzida no âmbito da OCDE, designadamente sobre os

131 mecanismos tipo-mercado (MTM) via que afirma estar pouco consciencializada em Portugal e que apresenta como uma terceira via entre a “administração tradicional” e a “privatização completa”, e adopta, também a partir da mesma literatura, um conceito de desintervenção, mais amplo que o de privatização.

Ensaia-se mesmo uma enumeração dos métodos de desintervenção:

a) extinguir organizações, retirando o Estado da actividade; b) simplificar e desburocratizar; c) contratar serviços com o sector privado; d) criar ou aumentar a concorrência no interior da Administração; e) fixar preço para serviços; f) vender edifícios e equipamento; f) transferir regulação e certificação para privados; f) informar, incentivar e viabilizar iniciativas privadas concorrenciais g) incentivar a iniciativa privada mediante benefícios fiscais; h) dar títulos

(vouchers) para pagamento total ou parcial de serviços; i) ensaiar experiências em sectores

delimitados [Em rigor este item não se situa no mesmo plano dos outros, dizendo respeito antes a uma metodologia de implantação]; j) interessar grupos na estratégia de desintervenção; k) financiar os serviços de interesse geral de acordo com a escolha dos consumidores; l) permitir a actividade de operadores privados em domínios de anterior monopólio; m) interessar capitais e financiamentos privados para empreendimentos públicos; n) oferecer aos trabalhadores a posse e exploração de partes da organização; o) idem com receita para o Estado; p) vender empresas total ou parcialmente.

Na concretização, valoriza como métodos de desintervenção / mecanismos de tipo mercado já existentes no país (apesar de estes não serem utilizados como tal de forma muito consciente) os exemplos da inspecção de veículos, cujo exercício por privados já estava regulado, e da contratação de serviços especializados, prevista na reforma da função pública de 1989, a revisão de contas, a certificação por laboratórios privados, a inspecção de elevadores, na área da saúde os hospitais privados, as convenções, o estímulo aos seguros de saúde, na área da educação as universidades privadas e os “contratos de associação”, “contratos simples” e “contratos de patrocínio”, sendo que para encontrar exemplos de vouchers tem de recorrer ao subsídio de refeição da função pública. Em matéria de sugestões concretas de privatização, no sentido em que a definimos, aponta-se apenas para “confiar tarefas a empresas em áreas de que se referem, como exemplo: certificação em geral, promoção do comércio externo, investigação científica e alguma fiscalização”, “privatizar gestão dos edifícios nos tribunais”, “privatizar notários”, “envolver associações e confiar-lhes tarefas registrais”, “iniciar ensaios de privatização no domínio dos cuidados primários”, contratar instituições privadas ou mistas em redes locais abrangendo várias unidades educativas para “gestão de cantinas, conservação de instalações, manutenção de equipamentos e desenvolvimento de centros de recursos”.

A Comissão encomendou um estudo de opinião, não publicado (os anexos ao Relatório poderiam na altura ser consultados no SMA) de onde decorria que nos últimos

132 cinco anos, os serviços públicos tinham melhorado, que a Saúde e a Educação eram consideradas prioritárias, e que com a privatização seria de se esperar “maior rapidez, maior competência, maior atenção, maior simplificação, melhor gestão e qualidade” mas não “abaixamento de custo” nem “mais confiança nos serviços prestados”. Procedeu à audição de 22 personalidades, entre as quais dirigentes do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores da Função Pública e Frente Sindical da Administração Pública.

Falta de seguimento

Por que razão o seu Relatório não teve impacto e as suas propostas não tiveram seguimento, quando ainda as Grandes Opções do Plano para 1993 indicavam esperar-se muito dos trabalhos da Comissão?

Sem dúvida pelas razões de que dão conta as reservas formuladas pelo próprio Relatório que, assinala “a ausência de estudos sobre matérias da reforma da Administração, que não têm suscitado suficiente interesse no âmbito das Universidades e da Investigação” e a “profusão de documentação em matéria de privatização e desintervenção no plano internacional, caracterizado pelo reconhecimento, em certos casos explícito, de que não há mecanismos de avaliação que permitam reconhecer a bondade das soluções e pela visão dicotómica, ou preponderante, a favor ou contra estratégias de privatização”. Aliás, na nota de abertura assinada pela Secretária de Estado da Modernização Administrativa e Presidente da Comissão insiste-se no “carácter reformista, gradualista e experimental das recomendações feitas pela Comissão, em particular no que respeita à realização plena do indivíduo, seja como funcionário, seja como cidadão, destinatário dos serviços públicos”.

E também, na nossa opinião, por uma gestão pouco exigente do calendário: depois do impulso inicial, em 1991, levando às Grandes Opções do Plano para 1992, a Deliberação do Conselho de Ministros de Abril deste ano, não é imediatamente concretizada, e o Relatório apenas é divulgado em Maio de 1994, a um ano do fim do ciclo político.

Poderá ter ainda concorrido para o resultado a falta de uma referência forte no plano das experiências estrangeiras. Por um lado, a Comissão dá conta de um encontro “com um perito da OCDE (F. Lacasse) responsável pelo grupo de pesquisa do Comité da Gestão Pública, constituído há cerca de quatro anos para estudo e sistematização da utilização de mecanismos de tipo mercado (MTM) em países membros da OCDE”, o qual, segundo o Relatório, “considera que as virtualidades dos Mecanismos de Tipo Mercado (MTM) são pouco conhecidas, e até agora pouco validadas, quer através de métodos empíricos, quer através do método de cálculo” e “que existe risco de utilização em larga escala dos MTM

133 pelas mudanças organizacionais que podem gerar”. Por outro, e é o único evento citado em paralelo com o encontro com F. Lacasse, participou em “um seminário patrocinado pela Fundação-Luso Americana para o Desenvolvimento com o Professor Denhardt a fim de conhecer a recente experiência e evolução da Administração norte-americana nos domínios da Qualidade”, sendo que Denhardt, como já dissemos, viria a ser um dos expoentes do New Public Service.

Afinal de contas, como temos vindo a referir, a Citizens Chart de Major pode ser vista como uma correcção à filosofia de Tatcher. O Governo e o SMA conduziram consequentemente desde 1986 um esforço de melhoria de relacionamento com o cidadão e passaram a enquadrá-lo a partir de 1992 com uma referência explícita à Qualidade. É certo que a generalidade da Administração Pública não terá alterado radicalmente a sua forma de funcionamento, como se percebe no caso de uma das Direcções-Gerais estudadas por Araújo, que ignorou ostensivamente as propostas do SMA (Araújo, 2002:161-163).

Houve, sem dúvida, uma evolução no sentido da desintervenção, ou, se quisermos, privatização em sentido amplo, em domínios como a inspecção periódica de veículos, cuja realização por privados, já prevista desde 1985 para pessoas colectivas de utilidade pública, e alargada em 1989, foi liberalizada em 199240, em vez de se criar uma rede pública que chegou a estar prevista na primeira década de 1980, e da realização de exames de condução por instituições sem fins lucrativos (que vieram a ser o Automóvel Clube de Portugal e a Associação Portuguesa de Escolas de Condução)41, iniciativas na área da Administração Interna, cujo Ministro Dias Loureiro era conotado como “liberal”, bem como nas áreas da Saúde e da Educação, particularmente na Educação Superior. Ocorre também o recurso a uma parceria público-privada com a LUSOPONTE para construir a Segunda Travessia do Tejo em Lisboa, englobando-se na concessão a exploração da Primeira Travessia, isto é, da Ponte 25 de Abril.