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O Governo de Durão Barroso Reforma da Administração Pública.

DESENVOLVIMENTO DA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA.

2.2. Periodização das mudanças.

2.2.5. O Governo de Durão Barroso Reforma da Administração Pública.

O Governo de Durão Barroso forma-se em 2002, numa altura em que a opinião pública toma enfim consciência da existência de uma crise orçamental11 e se verifica um protagonismo muito vivo por parte, sobretudo, de economistas e de diversos opinion makers, em defesa de uma redução sustentada das despesas públicas. Assim, a agora denominada Reforma da Administração Pública aparece ligada à necessidade de saneamento financeiro por exigências da União Europeia, sendo aprovada em 2002, uma outra Lei de Bases da Segurança Social, e em 2004 uma Lei de Estabilidade Orçamental que reformula a Lei de Enquadramento Orçamental do ciclo anterior, mas preocupa-se também com a competitividade externa e com o peso relativo do Estado na economia, onde é concretizada uma emblemática privatização da actividade notarial.

No entanto, um programa eleitoral e um Programa de Governo (aliás em coligação PSD-CDS) não são facilmente convertíveis num programa de reformas e a cronologia das

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Respectivamente, Teodora Cardoso e Vital Moreira, Rui Carp e Orlando Caliço.

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66 operações demonstra-o: logo em 2002 avança a criação dos Hospitais – Empresa, sob a forma de Sociedades Anónimas (Hospitais SA), em finais de Julho de 2003 são aprovadas por Resolução de Conselho de Ministros as linhas gerais da “Reforma da Administração Pública” e a criação junto do Ministério das Finanças de uma estrutura de missão para acompanhamento da reforma, a partir do Outono desse ano a Assembleia da República vota um conjunto de grandes diplomas estruturantes que serão todos publicados no início de 2004, a saber, uma Lei da Administração Directa do Estado, uma Lei Quadro dos Institutos Públicos (a partir do anteprojecto de Vital Moreira), um novo Estatuto do Pessoal Dirigente, a criação do SIADAP, e, mais tarde, a Lei do Contrato Individual de Trabalho na Administração Pública. Registam-se algumas extinções e fusões de organismos públicos e empresas públicas, entre as quais o IPE. Apesar de ter continuado a criação de institutos públicos quase empresariais e de sociedades anónimas, a recentralização financeira determina a redução de autonomia de algumas destas entidades, prevendo-se uma avaliação sistemática dos institutos públicos para reenquadramento à luz da nova lei.

Em Abril de 2004, com base no trabalho da estrutura de missão, que se previa passasse a ser apoiada por núcleos de acompanhamento da Reforma em cada Ministério, é publicada uma nova Resolução de Conselho de Ministros, que “operacionaliza a reforma da Administração Pública” aprovando um documento que quase configura um manual de gestão da reforma e de certa maneira evoca a estratégia de desintervenção já discutida no Relatório de 1994 da Comissão para a Racionalização e a Qualidade na Administração Pública. A orientação preconizada apoia-se já nas possibilidades de concessão de serviços e de alienação de activos abertas pela legislação entretanto publicada, mas os exemplos dados são da área da Saúde, única com alguma dinâmica própria, como vimos anterior à proclamação da Reforma. O documento remete expressamente não só para a consigna do ciclo de Cavaco Silva (“Menos Estado, Melhor Estado”) mas também para o New Public Management, no entanto reflecte um mix de preocupações tradicionais, de abordagens típicas do New Public Management, e até de orientações que a OCDE considera já pós New Public Management, como é o caso do recurso a serviços partilhados (OCDE, 2010).

Numa abordagem menos gradualista já a primeira Convenção do Compromisso Portugal formulara em Fevereiro de 2004 outras propostas de medidas para a Administração Pública. Com a saída, meses depois, de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, a formação do efémero Governo de Santana Lopes e a convocação de eleições antecipadas caíram as orientações para “operacionalizar a Reforma da Administração Pública” e a estrutura de missão que a suportava. Ficou a ideia de que, apesar da significativa obra legislativa produzida, a coligação de direita não tinha sabido aproveitar o seu ciclo para fazer a Reforma.

67 2.2.6. Governos de José Sócrates. Modernização da Administração Pública.

Igualmente pressionado pelo défice orçamental o primeiro Governo de José Sócrates (2005- 2009) desencadeia12, para além de (mais) uma reforma do regime da Segurança Social, vertida em 2007 em (mais) uma Lei de Bases, uma estratégia com quatro vertentes: a reestruturação orgânica dos Ministérios segundo um modelo uniforme definido em 2006 pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE)13, a reestruturação das redes de estabelecimentos, com base em parâmetros técnicos ou com vista à criação de unidades de maior dimensão (os casos mais mediatizados e mais controversos foram o das maternidades e o das urgências na Saúde, e os da constituição de agrupamentos e de encerramentos de escolas na Educação não superior), a redução do preço dos recursos (revisão dos regimes geral e especial de protecção social na função pública e desmantelamento do sistema retributivo criado em 1989), e a aposta na simplificação administrativa (Simplex, funcionamento em rede), sempre popular desde a Modernização Administrativa do período dos Governos de Cavaco Silva (Gonçalves, 2007 b; Campos, 2008; Rodrigues, 2010).

A reestruturação simultânea de todos os Ministérios em 2006 de acordo com uma metodologia e um padrão organizativo comuns representa a concretização de um esforço inédito na organização da Administração Pública portuguesa, apenas anteriormente esboçado em 1984 com a definição de normas sobre a apresentação de projectos de leis orgânicas e de algum modo mais conseguido em 2004 com a Lei-Quadro dos Institutos Públicos e com a Lei da Administração Directa do Estado. Pelo menos inicialmente o PRACE assenta, tal como anteriores experiências de reestruturação, na concentração de organismos, na redução de níveis hierárquicos, com compressão do número de lugares de dirigentes, sendo previstas externalizações sob a forma de criação de entidades públicas empresariais (EPE), fundações, associações e cooperativas, mas não de privatizações (os hospitais SA foram retrogradados a hospitais EPE embora o modelo empresarial em si tenha sido objecto de generalização). A flexibilidade de gestão, sob pressão das dificuldades financeiras, não saiu em geral reforçada. A metodologia de trabalho seguida, articulando o Governo, a Comissão Técnica do PRACE, os Grupos de Trabalho dos Ministérios, os consultores, foi descrita por Carvalho que chama a atenção para a articulação entre políticos e técnicos: os primeiros têm atenção os argumentos apresentados pelos técnicos, ainda que

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Relatório da segunda Comissão Constâncio.

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Que apontava igualmente para uma desconcentração de serviços segundo as NUT II e para a transferência, a prazo, da gestão das redes de estabelecimentos para a administração desconcentrada e para as autarquias.

68 não adoptem integralmente as soluções propostas, o que contribui para a legitimação das soluções, os segundos tendem a concentrar-se em cenários que presumem poder ser aceites pelos políticos (Carvalho, 2008: 2555-256).

A articulação do PRACE com a reforma do regime de pessoal, para a qual foi criada, também em 2006, um instrumento como a Lei da Mobilidade, parecia configurar o avanço simultâneo de duas pinças da reestruturação, todavia a colocação de pessoal em mobilidade especial, salvo no caso do Ministério da Agricultura, foi reduzida, e o novo regime de vínculos, carreiras e remunerações aprovado em 2008, que criou a figura do contrato de trabalho em funções públicas (definido como vínculo de direito público), acabou por absorver não só a maioria do pessoal antes provido em regime de nomeação ou de contrato administrativo mas também todo o pessoal já enquadrado em regime de contrato individual de trabalho nos institutos público quase empresariais criados nas décadas anteriores, consagrando-se de jure e de facto uma maior uniformização e centralização.

À preparação das reformas, que incluíram também em 2007 a reformulação do SIADAP por forma a integrar de modo mais efectivo a gestão e a avaliação dos organismos, com a criação dos Quadros de Avaliação e Responsabilização (QUAR), e a avaliação de desempenho individual, parece ter aproveitado o intercâmbio de experiências quer no domínio da OCDE quer no domínio da União Europeia, e ter assentado quer na Direcção- Geral da Administração Pública (DGAP), depois Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), integrada no pela primeira vez designado Ministério das Finanças e da Administração Pública. A estrutura de missão, depois Agência, para a Modernização Administrativa, responsável pelo Simplex, depende do primeiro - ministro, tal como na fórmula adoptada sob Cavaco Silva, sendo de notar o papel progressivamente atribuído à GERAP, EPE, empresa de recursos partilhados, cuja administração gere também o Instituto de Informática do Ministério das Finanças.

De modo geral são mantidas as linhas de orientação do Governo de Durão Barroso . Refere Carvalho que “o XVII Governo, que pôde basear o seu mandato num resultado eleitoral conducente a uma maioria parlamentar, dispôs de uma janela de oportunidade para inflectir o caminho do NPM seguido desde meados dos anos 80. Optou por não fazê-lo, prosseguindo medidas preconizadas em governos anteriores” (Carvalho, 2008, 160-161). Em rigor o próprio programa eleitoral de 2005 já comprometia o Partido Socialista com aspectos como a generalização do contrato individual do trabalho.

Apesar de o segundo Governo de José Sócrates (2009-2011) ter dado expressamente por concluída a Modernização da Administração Pública a crise orçamental levou-o no final de 2010, através da Lei do Orçamento para 2011, a medidas inéditas de redução das despesas públicas, como o corte de vencimentos de funcionários públicos e de

69 pensões, a tentativa de regulação directa das remunerações das empresas públicas pela Lei do Orçamento (totalmente ao arrepio de toda a prática legislativa e administrativa desde os anos de 1960, que remetia esta regulação para o direito privado) e o anúncio de uma “segunda fase do PRACE”, com redução do número de organismos e de lugares dirigentes, aliás não concretizada por força da demissão do Governo e da realização de eleições legislativas14.

O denominado acordo com a troika (União Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional), ainda assinado por José Sócrates, foi seguido da formação, após eleições legislativas, do Governo de Pedro Passos Coelho, de base PSD/CDS. O novo Governo delineou um “Plano de Redução e Melhoria da Administração Central” (PREMAC) que, recusando a sua qualificação como segunda fase do PRACE, veio a contemplar novas fusões e extinções de organismos e a supressão de lugares dirigentes, bem como uma gestão mais activa da mobilidade especial. A incidência das medidas de redução de vencimentos e pensões foi ampliada. Nos finais de 2011 percebia-se que a redução do peso do sector público poderia no futuro vir a passar simultaneamente pela consolidação da redução de remunerações e pela redução do emprego público, embora a primeira fosse apresentada como forma de evitar a segunda. Estando muito popularizada a responsabilização das empresas públicas, institutos públicos e fundações pela crise financeiras foram anunciadas medidas de definição de novos enquadramentos que não serão aqui analisadas.

No conjunto, e tanto no plano orgânico como no plano funcional, a crise orçamental e as medidas tomadas para a debelar foram esvaziando progressivamente o espaço ocupado pela gestão empresarial nos ciclos anteriores.

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Em rigor só se deveria falar de segunda fase do PRACE se estivesse em causa a originariamente prevista transferência para a administração regionalmente desconcentrada e para a administração local da gestão das redes de estabelecimentos.

70 2.2.7. Saúde e Educação.

Nos sectores da Administração Pública cuja empresarialização nos merecerá uma atenção especial, a Saúde e a Educação, superior e não superior, o grau de evolução em termos de orientação para o mercado pode ser aferido por:

 a existência de mecanismos de financiamento em função dos utentes;

 a não delimitação do acesso com base em critérios geográficos;

 o grau de evolução de modelos institucionais e liberdade de organização interna;

 o recurso a especialistas de gestão em detrimento do exercício desta por membros da tecnoestrutura profissional das organizações;

 o grau de aproximação em relação ao modelo estatutário de relações laborais. Sendo este tipo de desenvolvimentos inexistente ou incipiente durante o Estado Novo, a evolução imediatamente posterior à Revolução de Abril caracterizou-se inicialmente pela assunção da gestão por órgãos formados a partir da eleição de profissionais, ou, sobretudo no caso do ensino superior, com a participação dos próprios alunos, tendo este modelo de gestão favorecido o exercício de uma larga autonomia de facto, por vezes reconhecida de jure. Posteriormente os modelos de gestão foram sendo alterados, e envolvidas estas organizações num ambiente de mercado ou de quase mercado, potenciado pelo financiamento à produção (Saúde) ou ao número de alunos (Educação superior), com reflexos no modelo institucional, seja o de sociedade anónima / entidade pública empresarial (Saúde), seja o de instituto público de regime especial ou de fundação (Educação superior), por vezes com constituição de agrupamentos de estabelecimentos (Saúde, Educação não superior) ou redução da autonomia destes (Educação superior). Desde muito cedo foi facilitado o recurso ao regime de contrato individual de trabalho (Saúde) ou a formas flexíveis de contratação (sobretudo na Educação superior). A autonomia de gestão não deixou de sofrer severas regressões em períodos de restrição financeira.