• Nenhum resultado encontrado

ADOÇÃO E PSICANÁLISE: ALGUMAS PROPOSIÇÕES

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 103-105)

ADOÇÃO E RACISMO: QUESTÕES PARA A

ADOÇÃO E PSICANÁLISE: ALGUMAS PROPOSIÇÕES

Ã

O

VII Congr

esso Nacional de Psicanálise, Dir

eito & Lir

eta

tur

a

103

negação da negritude; se permanecem os fenômenos da família idealizada e da adoção clássica (que pressupõe a satisfação das necessidades do adotante e não de quem é adotado) (Costa & Campos, 2003), a preferência por crianças brancas tende a se manter. Tal tendência/atualidade perpetua a atuação do racismo no cerne de uma instituição social – a família – fundamental para a constituição do psiquismo individual, na medida em que as crianças negras continuarão a receberem um endereçamento de mensagens de rejeição em relação ao seu corpo e a partir da contínua negação de uma família. As crianças brancas, por sua vez, também perceberão a realidade desse mecanismo, uma vez que são as escolhidas. Há uma dinâmica relacional, em que branquitude e negritude conjugam-se na produção de experiências que são rejeitadas e outras que são escolhidas, ou melhor, adotadas.

ADOÇÃO E PSICANÁLISE: ALGUMAS PROPOSIÇÕES

A malha teórica da psicanálise apresenta muitos recursos para pensarmos a adoção. Compreendendo que cada caso é singular, tentaremos entender as implicações de um processo adotivo na vida psíquica dos sujeitos envolvidos nessa situação. Questões como a ausência da consanguinidade, as fantasias conscientes e inconscientes e as expectativas dos pais em relação aos filhos e ao seu próprio desempenho enquanto pais, como serão estabelecidos os laços libidinais com a nova família e como será o luto da criança em relação às suas primeiras relações de afeto serão analisadas a seguir.

A criança que é adotada tem que lidar com a separação no começo de sua vida. A maioria delas já havia estabelecido laços libidinais em um primeiro momento de sua existência, mas agora são convocadas a abandoná-los para recriá-los com outras pessoas em um novo ambiente (Levinzon, 2016). Isso envolve um processo de luto que pode ser bem sucedido, ou então, não ser satisfatoriamente assimilado, gerando sofrimento em sua vida psíquica e dificuldades nas suas relações. Segundo Levinzon (2016), a criança adotada viveu um trauma de separação de sua mãe, que adquire maiores ou menores proporções a depender de como se deu tal evento, podendo acarretar cicatrizes de desamparo, abandono e feridas narcísicas profundas.

Por parte dos adotantes, pode haver diversas motivações que levam à escolha pela adoção. Dentre elas, uma muito comum, segundo Levinzon (2016), é a esterilidade dos pais, que se veem frente ao luto de não poderem gerar seus filhos. Tal situação pode ser um grande impasse em termos de sua imagem narcísica e da continuidade de si. Quando não elaboradas, essas questões podem se apoiar em justificativas, como a herança genética do filho adotivo, para os conflitos presentes na família. Esse não-luto, no processo de adoção, pode gerar problemas na qualidade dos vínculos e das identificações, como aponta Xerfan (2009). A autora diz que a criança é adotada quando pode ser reconhecida como sujeito e isso implica “o estabelecimento de um laço emocional que lhe forneça a possibilidade de encontrar uma identificação e o seu narcisismo” (p. 42). Enquanto ela não puder

A

S MÚL

TIPLA

S F

A

CES D

A

ADOÇ

Ã

O

VII Congr

esso Nacional de Psicanálise, Dir

eito & Lir

eta

tur

a

104

ser reconhecida dentro daquela família em sua singularidade, investida narcisicamente e amada, a identificação para com a mesma estará comprometida.

Pensando ainda nos processos de identificação e na questão da herança genética, Xerfan (2009) exemplifica situações da clínica onde isso fica evidente, levando, por exemplo,

uma criança negra a sair do banho toda coberta de talco para se assemelhar aos pais que são brancos ou a não tomar bebidas escuras (café, coca-cola, açaí) para não escurecer mais e, assim, ficar ainda mais diferente de seus pais. Ou a criança branca que se expõe ao sol sem proteção com a esperança de se tornar morena ou negra. E, numa situação extremada, a criança que desenvolve um quadro de vitiligo associado ao seu imenso desejo de “embranquecer” e, assim, poder se “parecer” mais com seus pais. (p. 95)

Outro fator que se faz presente na filiação é a imagem idealizada da criança, transposta na expectativa dos pais em relação a ela. Como Freud (1914/1980) aponta, na criança é depositado o anseio pela realização dos ideais narcísicos dos pais. O amor dos pais pelos filhos representa a revivescência do próprio narcisismo infantil dos pais e a promessa de imortalidade do ego, antes sentida em seu ideal de eu e agora depositada nos filhos através da possibilidade desses em serem uma continuação de si (Freud, 1914/1980). Aqui é retomada a problemática do luto em relação à transmissão genética, que mal elaborado, pode gerar consequências negativas no relacionamento com a criança. Se os pais não reconhecem a criança como parte de si, um obstáculo é criado à filiação e às identificações da criança, que dão contorno a seu tecido narcísico. Além disso, Levinzon (2006) registra que a falta de laço consanguíneo pode gerar um medo constante de abandono, como se a ausência de ligação genética não garantisse um vínculo sólido dos pais com a criança. Sobre as identificações, Roudinesco e Plon (1998) escrevem que o sujeito vai se constituindo enquanto tal à medida que constrói laços emocionais com outras pessoas, e é identificando-se com elas que seu contorno de si vai sendo construído. Na cena adotiva temos, por um lado, uma criança cujas primeiras identificações se deram no contato com sua mãe biológica (pai, demais adultos) e que, posteriormente, veio a se separar desta, colocando-a em uma situação de luto desse (s) primeiro (s) objeto (s) de amor. Por outro, há também pais adotantes com expectativas idealizadas da criança e de sua relação com ela. É nesse campo que haverá o trabalho, por parte da criança, de estabelecer novos vínculos que legitimem sua posição de sujeito, e, dos pais, em se mostrarem modelos passíveis de identificação, esvaziando suas fantasias em relação à criança para que ela possa apoderar-se de si sem estar submetida a uma obrigação de cumprimento dessa demanda vinda dos pais.

A

S MÚL

TIPLA

S F

A

CES D

A

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 103-105)

Documentos relacionados