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SOB O REINO MATERNAL DE MIMAU: A PRINCESA SEM MÃE E SUA BABÁ

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 139-141)

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A ADOÇÃO NA VIDA E OBRA DE

SOB O REINO MATERNAL DE MIMAU: A PRINCESA SEM MÃE E SUA BABÁ

O reconhecimento do amor maternal de Mimau foi expresso no próprio leito de morte desta última e registrado num livro marcadamente cheio de emoção, cuja leitura desperta mesmo no leitor mais desatento, fortes comoções (Bonaparte, 1951). Diante do leito de morte da velha, fraca e esquelética Mimau é que vamos constatar declarações que a atribuem a ela o papel de mãe adotiva da princesa Marie. Essa hipótese de que babás podem substituir a função parental está em total concordância com a explanação feita por Freud (1914/1980):

deveríamos talvez acrescentar aos pais algumas outras pessoas como babás [...]. Essas figuras substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham do que chamamos as imagos do pai, da mãe [...]. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional. (p. 287)

Freud (1914/1980) continua sua explanação afirmando que para o menino de todas as imagens

relações sexuais ao lado do berço com Pascal (Bertin, 1989/1982).

10. No original: “Les spectres s´évannouissent à la lumière du jour. Mais il faut d´abord avoir le courage de les évoquer

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(imagos) de sua infância nenhuma é mais importante que a do pai. Por outro lado, podemos pensar que para a menina essa imago mais importante é a mãe. Mimau cristaliza na primeira infância da princesa Marie a imago materna. Então, é preciso dar relevo ao cenário da sedução generalizada (Laplanche, 1992a), da dissimetria entre o mundo do adulto e o mundo da criança, em que, nesta última, são implantadas mensagens comprometidas com a sexualidade inconsciente desse adulto (Laplanche, 2008). Sabemos que um imenso afeto aproximou a pequena princesa Marie de sua babá, então, “Mimau será a confidente, a consoladora, a fonte de alegria e conhecimento, o refúgio durante a infância. [...] seus corações permanecerão unidos” (Bertin, 1989, p. 62). A princesa transferiu para Mimau o respeito e as expectativas que tão costumeiramente ligam uma criança à sua mãe: “elas vivem ambas numa grande intimidade que nem se sonha em discutir. Seus quartos se comunicam. À noite, Mimau fica perto de Mimi. Ela canta, conta-lhe histórias. [...] Pela manhã [...] quando a criança abre os olhos, ela já está lá, pronta para abraçá-la” (Bertin, 1989, p. 62). Será também Mimau que lhe lava o rosto e o corpo com água morna, veste-a e lhe serve as refeições. Em um trecho, Marie Bonaparte descreve:

ela me contava histórias cada vez que eu a pedia. Mimau me tomava em sua cama à noite; seus braços eram meu único refúgio quando eu tinha medo, quando eu tinha frio, quando eu estava doente. Mimau me acariciava; as mãos e os lábios de Mimau eram os únicos que se posavam sobre mim com ternura. (Bonaparte, 1951, p. 30, tradução nossa)11

Sobre essa ternura de Mimau com a princesa Marie podemos pensar com Laplanche (1985) que “do ponto de vista pulsional, o que é colocado em primeiro plano não é a relação erótica, mas, a relação de ternura” (p. 104). No entanto, implica esclarecer que “a posição passiva da criança em relação ao adulto não é somente passividade na relação real com a atividade do adulto, mas, passividade com relação à fantasia do adulto que faz intrusão nela” (Laplanche, 1985, p. 105). E a criança, com os recursos simbólicos que possui (oferecidos pelo socius, seu meio social mais próximo como tios, tias, avós, primos, vizinhos, dentre outros), tenta traduzir essas mensagens a ela endereçada. Entretanto, algo sempre escapa e permanece como restos não metabolizados no seu psiquismo (Laplanche, 2015). Nessa relação entre o adulto e a criança, funciona o apoio (étayage), que faz a passagem do plano autoconservativo para o plano pulsional. Pois, “toda relação intersubjetiva primitiva, mãe-criança é portadora dessas significações do mundo adulto que é veiculada pelos gestos” (Laplanche, 1985, p. 50-51), situação em que ocorre a implantação da sexualidade (inconsciente) adulta na criança. Em outro trecho, a princesa Marie atesta: “ela foi outrora um ser de braços mornos, olhos ternos, que me ninava, me adormecia, me encantava,

11. No original: “Elle me contait des histoires chaque fois que je le demandais. Mimau me prenait dans son lit, la nuit; ses

bras étaient mon seul refuge quand j’avais peur, quand j’avais froid, quand j’avais mal. Mimau me caressait; les mains et les lèvres de Mimau étaient les seules qui se fussent posées sur moi avec tendresse.”

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quando eu era pequena. Ela foi aquela que veio quando minha mãe tinha ido” (Bonaparte, 1951, p. 34, tradução nossa)12. Ou seja, o carinho de Mimau estabeleceu a “constituição e confirmação da forma total, do limite, do invólucro fechado que constitui o revestimento cutâneo” (Laplanche, 1985, p. 73). A princesa Marie é muito clara ao afirmar: “Mimau, que foi toda a ternura de minha infância” (Bonaparte, 1951, p. 32, tradução nossa)13. E ela, ao ver Mimau lentamente morrer, sente que “a vida reclama de mim outra coisa que uma mão estendida à Mimau.” (Bonaparte, 1951, p. 32, tradução nossa)14.

Voltando ao tema do elo entre amor e morte dentre os mecanismos do pré-consciente que podem contribuir para uma clínica da adoção de inspiração bonaparteano, podemos afirmar que em meio ao cheiro de morte e desaparecimento de Mimau surge o reconhecimento do amor de uma filha que naquele momento perde sua mãe (adotiva). Em outro trecho, a autora declara: “pequeno esqueleto em pele e osso todo deformado de lado, sobre o travesseiro, a cabeça tombada muito baixa, até que eu toco a pobre mulher, Mimau portanto ainda me ama.” (Bonaparte, 1951, p. 35, tradução nossa)15. Ou seja, onde há a morte da mãe, há também o amor: “ela me ama, e é tudo.” Bonaparte, 1951, p.31, tradução nossa)16.

As palavras da princesa Marie no leito de morte de Mimau são palavras de inesquecível impacto pela sua enorme generosidade e humildade, eis que declara: “eu me envergonho de portar jóias diante de uma pessoa pobre, de comer diante de quem tem fome, de viver diante de quem morre” (Bonaparte, 1951, p. 36, tradução nossa)17. Rastros de sua distinção podem ser encontrados ao longo de vários de seus textos, sua nobreza se deve sobretudo ao fato de que para ela “é para os pobres que é preciso deixar as coroas, para os pobres de coração e de sentimento [...] Sou rainha do mundo, pelo meu olhar e meu pensamento, que por todas as coroas, externas a mim, que possa vir a portar. (Bonaparte apud Bertin, 1989, p. 210). Feita essas digressões, passemos para a seção seguinte, na qual daremos maior sustentação para nossa hipótese de que podemos tirar do pensamento bonaparteano pressupostos para uma clínica psicanalítica da adoção.

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 139-141)

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