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ADOÇÃO E A POSTERIORI: O PASSADO DO VIAJANTE MUDA DE ACORDO COM O ITINERÁRIO A partir da noção de “a posteriori” podemos refletir sobre o que está em jogo na adoção tardia,

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 131-134)

PSICANALÍTICAS SOBRE TRAUMA E BUSCA DAS ORIGENS

ADOÇÃO E A POSTERIORI: O PASSADO DO VIAJANTE MUDA DE ACORDO COM O ITINERÁRIO A partir da noção de “a posteriori” podemos refletir sobre o que está em jogo na adoção tardia,

no sentido de uma ressignificação ulterior ao que ocorreu na infância. Mas também, no sentido contrário, de como o que aconteceu na infância retorna no presente com uma exigência de tradução. A palavra nachtraglichkeit, não tem um equivalente em língua portuguesa que preserve os sentidos que traz na língua alemã, e retoma a ideia com a qual iniciamos esse texto, de que “após a vivência do evento o sujeito irá carregá-lo e maturá-lo no curso da vida.” (Hanns, 1996, p. 81) Posteriormente, o evento passado é rearranjado, pois quando a pessoa amadurece pode avaliar o que ocorreu de forma diferente. O que Luiz Alberto Hanns (1996, p. 83) enfatiza, e que consideramos uma parte preciosa do sentido da palavra, é o enfoque da “permanência de uma conexão entre o agora e o momento de então, mantendo ambos interligados”. Dessa maneira, tanto é possível “carregar para o passado uma nova visão” (o que leva a um retorno e a um acréscimo de algo que faltava), quanto “trazer (carregar) do passado para o presente o evento mais antigo e acrescentar- lhe algo, atualizando-o” (Hanns, 1996, p. 83)

Jacques André (2015), ao definir o conceito de après-coup (“no depois”, “a posteriori”) considera que o “acontecimento deixará um traço, que contudo permanecerá durante muito tempo sem sentido e inativo, como excluído no interior de Psiquê.” (André, 2015, p. 19). De nossa parte, encontramos nas considerações do autor sobre esse traço sem sentido e inativo referência preciosa para nossa análise do livro de Rickardsson, uma vez que o processo de busca das origens nas crianças adotivas tem seu início no momento em que são reativados tais traços, excluídos no interior. Poderíamos dizer que a exigência dessa reativação poderia ser ocasionada por novas situações traumáticas, num segundo tempo do trauma, mas também pelo que denominamos “trabalho de adoção”. Ou seja, aquilo que está em jogo quando uma nova relação de filiação e parentalidade se estabelece. Trabalho que permite que essa relação seja boa o suficiente para restaurar na criança seu lugar de sujeito, fornecendo um ambiente propício para que possa reconhecer e elaborar os efeitos da exposição precoce a situações traumáticas.

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No caso de Christina e de tantas adoções tardias, podemos supor que, com a inserção em um novo mundo e o contraste absoluto entre a nova vida e a condição à qual estava submetida, é o trabalho da adoção que tanto reabre a situação traumática quanto permite que, finalmente, possa haver uma elaboração do que ocorreu no passado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando comparamos a situação de reabertura própria da análise com a situação de abertura do trabalho adotivo, temos em mente que o que se intenciona na adoção não é exatamente a mesma expectativa explícita no processo analítico, ou seja, a reabertura, o desligamento, o sacolejo das traduções e ou seu desmantelamento. Tomamos a cena analítica de empréstimo, pois quando se teoriza sobre isso fica mais explícita a inspiração, nos termos laplancheanos, ou seja, o ponto em que o sujeito permanece aberto ao enigma do outro. (Laplanche, 2016) Dessa maneira, encontramos uma forma de entender como pode funcionar a adoção tardia, mesmo mantendo implícito nesse nome a ideia de um “tarde demais”.

Quando lemos e relemos o relato autobiográfico da Christina Rickardsson, podemos perceber a dinâmica que está em jogo nos processos adotivos, em crianças que têm ou tiveram suas vulnerabilidades extremamente desprotegidas. Jô Gondar (2015), numa articulação entre Ferenczi e Butler, propõe “considerar que o grande problema da política contemporânea não reside no fato de que alguns têm mais riquezas ou mais poder do que outros, mas no fato de que algumas vidas têm sua vulnerabilidade protegida, enquanto que outras, não “(p. 223).

Embora fruto de falhas diversas por parte das estruturas que deveriam garantir cuidado, a adoção internacional estabelece-se como uma conquista dessa posição, mesmo que tarde demais, de proteção da vulnerabilidade da criança ou adolescente tão expostos em seus países de origem. O trabalho com adoção tardia é necessário e fundamental, assim como a pesquisa em torno desse tema. Esperamos ter contribuído para a compreensão de sua complexidade e da riqueza dessas experiências. O pretendente brasileiro à adoção tem se diversificado, sensibilizando-se para a adoção de crianças maiores, de crianças negras e de grupos de irmãos.

Esperamos que nossos próximos governos possam fortalecer ainda mais os direitos em torno da infância e políticas públicas, de modo a romper com a ciranda que faz com que famílias abandonadas acabem inevitavelmente abandonando seus filhos. Relatos como o de Christina são urgentes, pois sua história nos faz perceber o quanto é importante continuarmos lutando para garantir os direitos conquistados e por um cenário um pouco mais favorável para a criança brasileira.

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REFERÊNCIAS

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Eidt, H. B. (2016). Avaliações de perda do poder familiar: práticas no contexto brasileiro e utilização

do Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental (SARP). Dissertação (Mestrado), Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Recuperado de https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/166079/001005427. pdf?sequence=1

Freud, S. (2010). O inquietante. In Obras Completas. (Paulo César de Souza, Trad., Vol. 14). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1919).

Gondar, J. (2015). Ferenczi como pensador político. In E. S. Reis, Com Ferenzi: clínica, subjetivação,

política. Rio de Janeiro: 7 letras.

Hanns, Luiz Alberto. (1996). Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora.

Laplanche, Jean. (2016). Sublimação e/ou inspiração. Percurso 56/57, 35-52.

Macedo, F. (2013). Filiação sem fronteiras: o Brasil na rota da adoção internacional de crianças, 1965-1988. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 5(9), 37-53.

Nabinger, S. (2010). Adoção: o encontro de duas histórias. Santo Angelo: FURI.

Rickardsson, Christina. (2017). Nunca deixe de acreditar. (Fernanda Satmaz Akesson, Trad.). Ribeirão Preto: Novo Conceito Editora.

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RESUMO

No documento http://conpdl.com.br/anaisconpdl7 (páginas 131-134)

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