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CAPÍTULO 3. ESCOLA, PROTEÇÃO INTEGRAL E GARANTIA DE DIREITOS: TEMAS EMERGENTES

3.3. Adolescente em situação de risco e o ato infracional

Adolescente em conflito com a lei é um dos temas mais polêmicos que permanece como desafio para todas as instituições públicas que lidam com esta questão, desde as jurídicas e sociais, até as de educação e saúde, para a sociedade em geral, para as famílias e para os próprios adolescentes. Trata-se de um ponto nevrálgico que ainda carece de rupturas efetivas com velhos padrões de atendimento, publicizados ineficazes, perpetuadores deste mesmo ciclo e carente de propostas inovadoras que possam sinalizar caminhos mais promissores, que se despontam com algumas alternativas, sendo que a mais atual diz respeito à regulamentação legal do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (Lei 12.594/2012).

Especialistas são unanimes em afirmar que o delito é um dos acontecimentos na vida do adolescente. Nesse sentido, Volpi (2005) considera que embora seja difícil para o senso comum conciliar a ideia de segurança e cidadania, a prática do ato infracional não deve ser incorporada como inerente à identidade do adolescente, mas vista como uma circunstância de vida que pode ser modificada.

Teixeira (2006) ressalta que a proposta é de considerá-lo um adolescente antes de tudo, cuja biografia pessoal se organiza a partir de vários outros acontecimentos, que não apenas o delito, que é um dos acontecimentos na sua vida: “O desafio é não omitir ou mitificar a prática do ato infracional e, ao mesmo tempo, não olhar o adolescente exclusivamente pela ótica do delito que o estigmatiza e torna impossível compreendê-lo” (p.248).

Costa (2006) lembra que não estamos diante de infratores que por acaso são adolescentes, mas de adolescentes que, por circunstâncias, se envolveram com o ato infracional. Assim, tudo o que ‘serve’ para trabalhar com os adolescentes, também serve para o adolescente que comete ato infracional.

Tanto Teixeira (2006) quanto Costa (2006) avaliam vários fatores que acabam por dificultar mais avanços nesta área, tais como: clima de insegurança e medo social; taxas crescentes de criminalidade; clamores por medidas mais severas para adolescentes; a histórica desresponsabilização do Estado nesta área; baixa ou ausência de capacitação dos operadores de medidas; a permanência da velha institucionalidade (FEBEM) sob novas

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roupagens e deficiências da Defensoria Pública no sistema da justiça juvenil em conseguir garantir a defesa para todos adolescentes. Neste ponto, Gonzalez (2006) sintetiza a situação, ao assinalar que:

Os aspectos deficitários foram muitas vezes e continuam sendo abordados com uma espécie de “política de remendo”, remendo dos abandonos mais latentes ou manifestos, das superproteções, da polivalência da violência cotidiana. [....] A partir da sociedade que os “abandona”, expondo-os à exclusão, produzem-se socializações deficitárias e, em consequência disso, estruturas familiares que, não podendo sustentá-los, também os “abandonam”. Em tais circunstâncias, esses jovens e adolescentes, exatamente como os adultos, tendem a buscar outros modelos de referência e identificação (individuais, grupais e institucionais) que os ajudem a reafirmar-se. (GONZALEZ, p. 543)

Tal condição é facilmente perceptível, porque no senso comum, por falta de conhecimento e, inclusive nos meios especializados, há manifestações de que adolescentes não são devidamente responsabilizados por seus atos, atribuindo uma ausência de “punição” legal. Ressaltamos, desta forma, que os adolescentes com prática de ato infracional não estão submetidos a penas, mas a medidas socioeducativas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, e são responsabilizados por seus atos.

É preciso entender, nesse âmbito, o caráter social e educativo emanado das medidas socioeducativas, a começar pelo que o ECA estabelece como ato infracional, ou seja, é a conduta descrita como crime ou contravenção penal (artigo 103), onde os menores de dezoito anos são inimputáveis, mas penalmente responsáveis e, por isso, sujeitos às medidas socioeducativas (Quadro 11) que devem ser aplicadas pela autoridade judiciária, levando em consideração, a capacidade do adolescente em cumpri-las, bem como as circunstâncias e a gravidade da situação. Já em relação à criança, o ato infracional está afeto às medidas de proteção (descritas no capítulo anterior) e devem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar.

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Quadro 11 - Medidas socioeducativas a que estão sujeitos os adolescentes que praticam ato infracional

Medidas socioeducativas

Características principais Operacionalização

Advertência Consiste em admoestação verbal, que

será reduzida a termo e assinada.

- Aplicada em meio aberto;

- Chamamento de responsabilidade, em audiência, pelo ato realizado, visando a modificação da conduta do adolescente identificando o ato, sempre com a presença dos pais ou responsáveis;

- Recomendada para atos considerados de natureza leve, mas passa a contar como registro de antecedentes.

Obrigação de reparar o dano

Para o ato infracional com reflexos patrimoniais, pode ser determinado que o adolescente restitua, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

- Aplicada em meio aberto;

- Deve haver uma compensação à vitima, de acordo com as condições do adolescente. Caso não haja condição financeira de reparação do dano a medida pode ser substituída por outra mais adequada, de modo que o adolescente tenha consciência de sua responsabilidade pelo dano praticado. Prestação de serviços à

comunidade

Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

As tarefas são atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.

- Aplicada em meio aberto;

- O caráter pedagógico e a concretude da medida, favorece para que o adolescente resignifique suas ações de forma que possa estar em contato com a comunidade e com os órgãos e entidades públicas, prestando serviços gratuitamente;

- O acompanhamento é feito pelos orientadores de medidas, profissionais vinculados do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), lotados nos CREAS (Centros de Referencia Especializado de Assistência Social).

157 Liberdade assistida É fixada pelo prazo mínimo de seis meses,

podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador da medida, o Ministério Público e o defensor.

- Aplicada em Meio Aberto;

- É medida mais grave em meio aberto;

- Impõe responsabilidades ao adolescente, que passa a estar com sua liberdade restrita à assistência, vigiada;

- O acompanhamento é feito pelos orientadores de medidas, profissionais vinculados do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), lotados nos CREAS (Centros de Referencia Especializado de Assistência Social).

Inserção em regime de semiliberdade

Pode ser determinada desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

São obrigatórias a escolarização e a

profissionalização, devendo, sempre que possível,

ser utilizados os recursos existentes na

comunidade.

- Privação de liberdade em estabelecimento específico;

- A liberdade está privada, mas com possibilidade de realizar tarefas externas, tais como frequência à escola, cursos de capacitação ou de profissionalização, trabalho na condição de aprendiz durante o dia, sendo necessário dormir no estabelecimento educativo;

- Pode ser estabelecida como medida inicial, ou utilizada como forma de progressão da medida de internação, ou seja, da internação passa para a semiliberdade.

Internação em

estabelecimento educacional

É medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses e o período máximo de internação não excederá a três anos. Durante o período de

internação, inclusive provisória, serão

obrigatórias atividades pedagógicas.

- Aplicada em Meio Fechado com privação de liberdade em estabelecimento específico;

- Aplicada em casos considerados graves, devendo ser observado seu caráter de excepcionalidade;

- O adolescente privado de liberdade, tem alguns direitos que devem ser respeitados, tais como - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; - ser tratado com respeito e dignidade; - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; - receber visitas, ao menos, semanalmente; corresponder-se com seus familiares e amigos; - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; - receber escolarização e profissionalização; - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer.

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Por este sistema de medidas, fica evidenciado o caráter educativo das mesmas, bem como a potencialidade em contribuir para a resignificação do ato ilícito pelo adolescente. No entanto, a dimensão educativa evidenciada no conteúdo das medidas não implica que o sistema, a gestão e a operacionalização das mesmas, se façam de forma adequada e satisfatória, a exemplo da medida de internação.

O Conselho Nacional da Justiça (CNJ), através do Programa Justiça ao Jovem, lançado em 2010, buscou construir uma radiografia nacional sobre a execução da medida socioeducativa de internação, cujo escopo foi o de elaborar diagnósticos sobre o cumprimento de medidas similares [...] “a fim de garantir aos adolescentes sob custódia do Estado os direitos abrigados no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo” (CNJ, 2012). Uma equipe interprofissional foi composta para coletar os dados: juízes, servidores de cartórios, assistentes sociais, psicólogos e pedagogos judiciários percorreram as unidades de internação no período de 19/07/2010 a 28/10/2011. Foram visitados os 26 Estados e mais o Distrito Federal, perfazendo um total de 320 estabelecimentos de internação no país, com uma população de 17.502 adolescentes em cumprimento desta medida. Destes, 1.898 adolescentes foram entrevistados e foram colhidos dados de 14.613 processos judiciais em trâmite com execução de medida de privação de liberdade. Os resultados foram divulgados no Documento Panorama Nacional: a execução das medidas socioeducativas de internação, publicado pelo CNJ no ano de 2012, com análises gerais da situação no âmbito nacional e por regiões do país.

O quadro 12 foi elaborado contendo alguns dados retirados do referido documento e que consideramos essenciais para o propósito de favorecer uma rápida visualização da situação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de restrição de liberdade, que muitos pensam ser uma realidade distante, mas que gravita frequentemente no cotidiano de muitas vidas:

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Quadro 12 . Compilação de alguns dados sobre o panorama nacional da execução de medida socioeducativa de internação (2011)

Perfil do Adolescente

Idade

16,7 anos é a idade média

47,5% cometeu o primeiro ato infracional entre 15 e 17 anos, 42,6% cometeu o primeiro ato infracional entre 12 a 14 anos 9% cometeu o primeiro ato infracional entre 7 e 11 anos Situação de convivência familiar

43% foram criados apenas pela mãe 38% por ambos – pai e mãe

17% por avós (12% avós maternos e 5% paternos) 4% apenas pelo pai

14% dos adolescentes possuem filhos Escolaridade

8% não são alfabetizados

20% se encontram na Região Norte 44% se encontram na Região Nordeste

14 anos é a média da faixa etária em que deixaram de estudar 57% não frequentavam a escola antes de ingressar na unidade de internação

Envolvimento com substâncias químicas 75% faziam uso de drogas ilícitas destas:

89% maconha, 43% cocaína, 21% crack Tipo de Delito Praticado Principais incidências 36% - roubo 24% - tráfico de drogas 13% - homicídio