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Reincidência X Tipo de Delito

3.4. Alienação Parental: algumas reflexões

Optamos por trazer algumas considerações sobre esta temática em razão de ser um fenômeno relativamente novo e que já vem se projetando com certa intensidade, caracterizando- se como tema atual e controverso, ainda em consolidação em termos de pesquisas e estudos no Brasil. Inicialmente foi impulsionado e começou a ter maior visibilidade por meio de associações de pais e mães que se sentiam lesados em seu desejo de exercer as funções paternas/maternas pelas atitudes do ex-cônjuge, após a separação. A mídia passou a divulgar casos e foram criados grupos de estudos e cursos relacionados ao assunto.

Em 1985, o psiquiatra Richard Gardner denominou Síndrome de Alienação Parental (SAP), àquelas situações onde um dos genitores trabalha a subjetividade do filho, com o objetivo de destruir os vínculos afetivos com o outro genitor, tendo como consequência para a criança, o desenvolvimento de sentimentos de aversão, hostilidade, medo e ansiedade em relação ao outro genitor. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra a imagem de um dos pais feita pela própria criança, sem justificação. Assim, para que a SAP seja caracterizada é necessária a “contribuição” da criança ao genitor alienante. De uma forma geral, a alienação parental é definida como uma desconstrução da figura do genitor não guardião à criança, desmoralizando-o com o intuito de levar o filho (a) a vê-lo como um algoz e alijá-lo de seu convívio. Nem sempre a SAP se instala, mas isso não significa que o fenômeno da alienação não esteja ocorrendo.

É um fenômeno que ocorre em casos de separações de pais onde a criança ou o adolescente é diretamente atingido, pois é por meio deles que se processa a alienação parental50. A situação pode chegar a níveis de desajustes emocionais intensos, que rebatem diretamente no comportamento, no desequilíbrio psicológico e nos relacionamentos da criança e do adolescente com o meio e com as pessoas e pode, inclusive, ser indicador de baixo desempenho escolar e até mesmo provocar comportamentos violentos e agressivos no contexto da aprendizagem.

50Partes destas considerações foram reproduzidas do artigo “Alienação Parental: alguns aspectos psicossociais”, publicado no jornal da OAB subsecção de Mogi Guaçu em dezembro de 2011, elaborado em coautoria com a psicóloga forense Maria Aparecida Vasconcelos Pompeo e também do artigo “Alienação Parental: reflexões”, construção coletiva do grupo de estudos de assistentes sociais e psicólogas da região de Campinas, que esta autora faz parte, publicado no Caderno dos Grupos de Estudos do Tribunal de Justiça de São Paulo n. 8, em 2011, p. 248- 262.

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Alguns comportamentos típicos do genitor(a) alienador se fazem quando dificultam o exercício da paternidade e maternidade, da autoridade parental, criando entraves ao contato com o genitor(a) alienado. Para tanto, normalmente promovem intensas campanhas de desqualificação, omitem deliberadamente informações relevantes sobre os filhos como dados escolares, de saúde, apresentam falsas denúncias – sempre com intenção de dificultar a convivência com a criança.

Outras manifestações de alienação incluem cortar fotografias em que os filhos estão em companhia do pai ou da mãe, mudar de domicílio sem justificativas, solicitar várias transferências de escolas, fazer chantagens emocionais, impedir a aproximação de parentes da outra linhagem, dificultar contatos telefônicos, forjar agressões e registrar inúmeros boletins de ocorrência. Além dos pais, podem ser observadas outras figuras alienadoras, tais como avós e tios na posição de alienadores secundários.

Por ser um fenômeno que, mais frequentemente, ocorre no contexto de disputas de guarda judicial pela “posse” do filho e de ações ajuizadas como regulamentação de visitas, em agosto de 2010 foi instituída a Lei 12.31851, que além de dispor sobre a alienação parental, também estabelece penalidades quando caracterizados atos típicos de condutas que dificultam a convivência da criança ou do adolescente com o genitor não guardião.

Geralmente pais que alienam estão convencidos de que sua posição é para a defesa e proteção da criança. Assim sendo, é difícil compreender que sua visão dos fatos é unilateral e não

51Art. 6º. da Lei 12.318 que dispõe sobre alienação parental. “Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II- ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III – estipular multa ao alienador;

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI – determinar a fixação cautelar do domicilio da criança ou adolescente VII – declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único: Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança e o adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.”

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necessariamente, verdadeira. Muitas vezes são apoiados por amigos, familiares e profissionais, induzidos a reforçar a campanha do guardião que se coloca como vítima do outro genitor, reforçando o comportamento da criança alienante.

Na origem da alienação parental, há uma separação mal elaborada ou uma dinâmica familiar complexa que já existia, muitas vezes, quando o casal ainda estava junto. A separação é, em uma maioria das vezes, um momento de dor e de sentimentos contraditórios. Quando não há condições emocionais para esta elaboração, os parceiros não conseguem isentar os filhos do conflito, gerando dificuldades para separar a conjugalidade da parentalidade.

Proteger a criança e o adolescente de um conflito que não lhes diz respeito e que terá consequências tão negativas em sua formação é a questão de fundo. Apesar do limite imposto pela lei, importante nesta questão, muito possivelmente os resultados seriam mais promissores, caso a intervenção fosse precoce, pois a criança não dispõe de recursos cognitivos para relativizar questões lógicas, em especial aquelas que lhe envolvem emocionalmente, por ser partícipe deste processo. Levada a excluir um dos pais, compromete seu desenvolvimento em direção à autonomia, além de fortalecer uma dependência afetiva em relação ao guardião-alienador. Quando o alienador se coloca como vítima, fornece um modelo de pessoa imatura, incapaz de assumir sua parcela de responsabilidade por suas ações. Além disso, não ditos e mensagens subentendidas em que a criança fica envolvida, cria uma dinâmica mais dolorosa e confusa, do que a separação em si.

Por tais motivos, a conduta que privilegie o esclarecimento sobre direitos de não participar do conflito dos pais e de seu direito de conviver com ambos os genitores, pois descende de duas linhagens familiares, é a mais indicada. Embora os pais não pretendam mais ter um projeto comum, a família ainda continua e este vínculo não precisa ser dissolvido. O filho tem direito de dar continuidade a esta vinculação, mesmo que de forma diferente do que estava habituado.

Apesar de alguns autores colocarem o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental como de fácil identificação, na prática não é percebido desta forma, uma vez que as queixas podem decorrer de outras situações características (ou não) deste quadro. Assim, é preciso cuidado especial ao nomear a SAP ou a Alienação Parental, pois muitas vezes podem ser

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confundidas com outros tipos de violências, a exemplo da violência psicológica. Desta forma, cautela e especialização profissional são sempre necessárias para buscar a preservação da criança.

A literatura tem indicado que a criança pode manifestar sintomas de ansiedade, medo, insegurança, isolamento, tristeza, depressão, culpa, dificuldades escolares, irritabilidade, enurese, inclinação à dependência química e etílica, comportamento hostil, falta de organização e em casos mais graves, comportamentos suicidas. Para entender um pouco melhor a questão da alienação parental, é preciso situar a questão da disputa de guarda de filhos. A guarda é um ato jurídico que fixa relações ao estabelecer direitos e deveres. É um dos instrumentos que retratam as microtramas das histórias tecidas no contexto familiar, que demandam uma intervenção judicial para a regulação de um conflito ou então, para a regulamentação legal de uma situação civil onde a criança e o adolescente figuram como sujeitos de atenção prioritária. Quando não há acordo, a guarda deverá ser atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. A guarda poderá ser unilateral ou compartilhada. Unilateral quando atribuída a um dos genitores, compartilhada quando ambos compartilham as tarefas inerentes ao poder familiar em relação aos filhos, mesmo não vivendo juntos. Nesse sentido, é importante frisar que para a definição de uma guarda, seja ela unilateral ou compartilhada, não necessariamente precisa ter havido convivência conjugal entre os pais da criança.

A guarda compartilhada é uma das possibilidades que pode evitar a posse desenfreada e doentia do filho. Da mesma forma que a alienação parental, a guarda compartilhada é recente. Foi promulgada pela Lei Nº 11.698 de 13/06/2008 para respaldar as decisões judiciais nas Varas de Família. De modo breve, é possível dizer que na guarda compartilhada fixam-se ou normatizam- se os mesmos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, inerentes ao poder parental. Destaca-se que, neste tipo de guarda, nem sempre há clareza do seu significado pelas partes envolvidas.

Os pais precisam estabelecer acordos referentes ao local de habitação da criança ou do adolescente, à educação (formação pessoal e vida escolar) e à participação econômica. Três aspectos que costumam gerar polêmicas. Quando a Lei foi promulgada, muito comum era o entendimento de que o filho precisaria passar uma semana ou quinze dias na casa de cada um. Na realidade, o que precisa ser definido em comum acordo é o local de referência da criança. A

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questão da educação formal também não está isenta de conflitos, principalmente em relação ao acompanhamento da vida escolar do filho. Por estes dois fatores, insere-se um terceiro fator, o da pensão alimentícia, que pode ser o desencadeador de dificuldades para acordos, ou seja, pode ser fator de desequilíbrio na composição de uma guarda compartilhada. Em tese, para uma guarda compartilhada, subentende-se que os genitores chegaram a um nível adequado de consenso em relação à divisão das responsabilidades econômicas, bem como em relação às outras responsabilidades interentes ao poder parental. Assim, a aplicação da guarda compartilhada, preservando a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, depende da realidade sócio-familiar de cada caso e do estado emocional dos envolvidos.

Quando instalada a alienação parental pelo genitor guardião, a guarda unilateral poderá ser revertida ou então a guarda compartilhada poderá ser determinada como alternativa que poderá favorecer a desconstrução deste processo. Por estas questões mais gerais, já é possível ter noção da complexidade do tema, assim como é possível perceber as questões subjacentes que afetam principalmente a criança e que podem aflorar no contexto escolar. Além disto, algumas situações práticas podem ser observadas, na medida em que a escola acaba sendo envolvida sem se dar conta. Festas comemorativas, formaturas, reuniões de pais, visitas de um dos pais no horário escolar na tentativa de manter contato com a criança, brigas de pais na saída ou entrada do horário escolar, pedidos de transferências de unidades de ensino, são exemplos. Enfim, há uma gama de situações que, embora não seja de fato um problema, digamos, diretamente do âmbito da escola, é da criança que está inserida na escola. Por isso, é necessário o conhecimento do fenômeno para ajudá-la na consolidação do seu aprendizado escolar e também no seu relacionamento interpessoal no contexto do aprendizado, pois o tema da alienação parental nos remete à delicadeza das relações humanas e ao cuidado com o ser em formação.

Extensos debates sobre este tema estão se moldando, demonstrando o inicio de um momento importante, que sinaliza uma possibilidade de mudança social a ser construída, porém, por se tratar de um tema relativamente difícil, sobretudo, de diagnosticar, é preciso cautela para que não haja banalização da alienação parental, de maneira que a ela seja atribuída qualquer situação de conflito mais intenso entre pais, que atinjam os filhos.

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