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Conselho Tutelar: diálogos necessários para protagonizar e defender os direitos humanos da criança e do adolescente

COMPETENCIAS DEFINIDAS PARA UNIÃO/ESTADOS/MUNICÍPIOS

2.1. A defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente: garantia de acesso à justiça e à proteção jurídico-social

2.1.1. Conselho Tutelar: diálogos necessários para protagonizar e defender os direitos humanos da criança e do adolescente

O Conselho Tutelar, órgão integrante deste eixo da defesa dos direitos, tem papel estrutural relevante quando se trata de zelar pela defesa e pela garantia de direitos, embora com suas especificidades e com mais de duas décadas de implantação, persistam algumas polêmicas que vão, desde as formas de sua organização e composição, até a capacidade de desempenho de suas funções.

A Constituição de 1988 estabeleceu a democracia participativa e, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, foram criados os dois Conselhos diretamente vinculados à área da criança e do adolescente: o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar, ambos com a finalidade de zelar pelos direitos deste segmento, como canais e instrumentos de participação na gestão das políticas públicas, no controle social e na transparência da utilização dos recursos, porém com natureza e especificidades diferentes.

Avritzer (2006) analisa que o sistema político gerado pela Constituição de 1988 é híbrido por incorporar, na sua organização, formas de participação no processo decisório federal e no plano local, combinadas com formas de representação. Os conselhos de políticas e os orçamentos participativos são exemplos. O autor define conselhos como instituições híbridas com participação de atores do poder executivo e atores da sociedade civil, relacionados com a temática de cada conselho, sendo o formato institucional definido por legislações específicas, apesar de adotarem a paridade como princípio, esta apresenta uma variação entre as áreas temáticas, isto é, entre os conselhos.

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Assim, antes de adentrarmos especificamente no Conselho Tutelar, é importante compreendermos a sua vinculação com o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, que é o órgão deliberativo e controlador de todas as ações relativas à criança e ao adolescente nas três esferas de governo e que tem papel estrutural de significativa importância.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) é considerado uma das primeiras conquistas após a aprovação do Estatuto (SALES, 2010). Foi criado em 12 de outubro de 1991 e atualmente está vinculado a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Suas principais competências estão voltadas para a formulação de diretrizes gerais da Política Nacional de Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente e para avaliar as políticas estaduais, municipais e do Distrito Federal, “logo, é responsável pelo monitoramento nacional das expressões da questão social da infância e adolescência e pela regulamentação de medidas – por meio de resoluções – afetas a esse segmento, bem como aos conselhos de direitos e tutelares de todo o país” (SALES, 2010, p. 224).

Além disto, o mesmo segue as deliberações das Conferencias Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente e é o órgão responsável pela aprovação e pelo controle das políticas, demandando, assim, a necessária interação com todos os atores do Sistema de Garantia e também com os demais conselhos setoriais de políticas públicas, tais como o conselho de assistência social, da educação e da saúde. A articulação do conselho de direitos com o conselho da educação, por exemplo, em todos os níveis da federação, deve ser contemplada como diretriz, em razão da fixação da política de atendimento na área educacional para garantir o direito à educação, além de outras questões.

Ao avaliar o desenvolvimento do CONANDA desde a sua implantação, Sales (2010) faz uma análise crítica dos avanços e também das situações que atravancam um melhor desempenho deste Conselho. Conquanto avanços nestes anos de existência do CONANDA, à semelhança de vários outros conselhos de políticas públicas sociais, considera o autor, que o Conselho da Criança e do Adolescente enfrenta obstáculos não só na relação entre as representações governamentais com as não governamentais, mas no papel político como protagonista da construção de uma agenda social dos direitos da

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criança e do adolescente. A falta de capacitação, o despreparo técnico e a despolitização de muitos conselheiros, são apontados, pelo autor, como dificuldades que contribuem para a baixa performance dos conselhos nos âmbitos federal (CONANDA), estadual (CONDECA) e municipal (CMDCA).

Já o Conselho Tutelar, tem uma natureza diferenciada dos conselhos de políticas públicas em relação à forma de gestão, na estruturação, na composição, nas funções, nas atribuições e no funcionamento. O Conselho Tutelar é órgão composto por representantes da comunidade, eleitos por um período de quatro anos, que hierarquicamente não estão subordinados diretamente a nenhum poder. Respondem aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e estão administrativamente vinculados às prefeituras, às regiões administrativas e ao Distrito Federal. Autonomia e existência contínua são suas características mais específicas. A autonomia do Conselho Tutelar não o sujeita às interferências externas de controle político ou hierárquico. Sua existência não é passageira e exerce suas atribuições com independência, mas tem a fiscalização do Ministério Público, do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, da Justiça da Infância e também da comunidade que o elegeu.

De acordo com art. 131 do ECA. “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”. No mínimo, em cada município, deverá haver um Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de cinco membros, com a atribuições definidas no artigo 136 do ECA26.

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As atribuições do Conselho Tutelar são:

I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 (direitos ameaçados ou violados) e 105 (ato infracional por criança), aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII, (medidas protetivas); II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações. IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

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Mesmo após duas décadas de implantação de Conselhos Tutelares, ainda existem polêmicas em torno do seu funcionamento, que vão desde a forma de composição com diferentes posturas em relação à eleição e aos critérios para a candidatura ao cargo de conselheiro tutelar, até a inexistente infraestrutura para o seu funcionamento, bem como a ausência de alinhamento conceitual, provocando relativa “confusão” de seu papel na comunidade. Questões como a formação profissional dos conselheiros tutelares, a capacitação e assessoria técnica, a função e competência, a legitimidade da representação, a precariedade de infraestrutura, a postura dos conselheiros, os requisitos para aceitação da candidatura, as eleições, os valores de remuneração são situações que, normalmente, estão levantadas nos artigos e pesquisas que se voltam para os Conselhos Tutelares. Um dado interessante desta realidade de funcionamento dos Conselhos Tutelares e que traz um alerta para a necessidade de revisão é analisado por Mendes e Matos (2010) uma vez que, na atualidade, é bastante comum verificar o Conselho Tutelar sendo muito mais gerenciador e encaminhador aos recursos da rede, do que protagonista e defensor dos direitos – situação que os autores nomeiam de “centro de triagem dos atendimentos”:

Um problema fundante hoje na atuação dos Conselhos Tutelares refere-se a sua redução a centro de triagem dos atendimentos à infância e à adolescência [....] com a função de fiscalizar a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, atribuindo-lhe o papel de assessoria ao poder público municipal na elaboração da proposta orçamentária e a articulação com o Ministério Público e o CMDCA, os conselhos têm limitado a sua ação à distribuição de sua clientela pela rede de atendimento. Esse fato não seria tão problemático, se não vivêssemos no Brasil, historicamente, uma situação de agravamento da pobreza e de redução da oferta de serviços sociais [...] o que faz deles, muitas vezes, órgãos pouco resolutivos (MENDES E MATOS, 2010, p.255).

Com vistas a minimizar e procurar corrigir alguns desses pontos polêmicos, em julho de 2012 foi promulgada a Lei 12.696 trazendo alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente na parte relativa ao Conselho Tutelar, tais como: alteração do mandato do IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.

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Conselho Tutelar, de três para quatro anos; definição de que os conselheiros terão direitos previdenciários e trabalhistas assegurados, pois até então não possuíam nenhum direito neste sentido; estabelecimento de que a escolha dos conselheiros deve ocorrer em data unificada em todo o território nacional a cada quatro anos, no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial, bem como a unificação da posse dos conselheiros tutelares eleitos, que deverá ocorrer no dia 10 de janeiro do ano subsequente ao processo de escolha.

Os conselhos em exercício deverão passar por um período de adaptação para que esta transição ocorra de maneira a unificar o processo de eleição e posse de todos os Conselhos Tutelares do país. De acordo com o CONANDA (Resolução 152 de 09/08/2012), o primeiro processo de escolha unificado de conselheiros tutelares em todo território nacional e no Distrito Federal, dar-se-á no dia 04 de outubro de 2015, com posse no dia 10 de janeiro de 2016. Esta situação procura, de uma forma ou de outra, diminuir as lacunas existentes em relação às condições de composição, mas ainda não contempla as deficiências de funcionamento estrutural e as diferentes linhas de atuação dos Conselhos Tutelares.

O Conselho Tutelar é protagonista e zelador dos direitos. É também parceiro da rede de proteção social, na medida em que se insere, na sua dinâmica, o gerenciamento de questões sociais afetas à criança e ao adolescente, por atuar diretamente em situações de risco e na violação dos direitos, com a missão de dar efetividade aos direitos fundamentais, os quais normalmente devem estar materializados (mas nem sempre estão) na efetivação das políticas públicas. Em outras palavras, o Conselho Tutelar tem uma intervenção direta que os conselhos de políticas públicas não possuem. Normalmente as demandas mais recorrentes aos Conselhos Tutelares se voltam para vagas em creches, maus tratos e violência intrafamiliar, uso abusivo de álcool e drogas, abandono, gravidez na adolescência, conflitos familiares e solicitação de vagas para atendimento psicológico tanto de crianças, quanto de adolescentes.

Vejamos como deve ser um fluxo de atuação do Conselho Tutelar em um caso de requisição de serviços, por exemplo, de vaga na rede pública municipal de educação infantil:

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Figura 4. Fluxo de atendimento do Conselho Tutelar: requisição de vaga em creche

Criança a espera de vaga na creche Vaga na creche

Pais ou responsável comunica o conselho tutelar a ausência de vaga

C. Tutelar requisita a