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Capítulo 2: Sistema de gestão no Brasil

2.3 A estrutura de gestão dos recursos hídricos no Brasil

2.3.3 Agências de Água

A reforma administrativa, implementada em nosso país, sobretudo após o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, no afã de modernizar a Administração Pública, introduziu alguns novos institutos no direito público brasileiro, como os contratos de gestão, as agências reguladoras, as organizações sociais e as agências executivas.

As agências executivas, criadas e reguladas pela Lei federal nº 9.649/98, incluem as autarquias e fundações públicas, responsáveis pela execução de

serviços públicos, que celebrem um contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, adquirindo, com esse status, alguns privilégios elencados no Decreto federal nº 2.488/98, entre os quais se insere uma maior autonomia de gestão, e a liberação de alguns controles.54 Quanto às agências reguladoras, estas serão examinadas, no item seguinte que trata da Agência Nacional de Águas.

No caso das Agências de Água, estas foram concebidas para exercerem a função de secretaria executiva dos Comitês de Bacia Hidrográfica. Devem ter sua criação autorizada pelos Conselhos de Recursos Hídricos e, no âmbito de sua área de atuação, de acordo com a Lei nº 9433/97 (art. 44), a elas compete:

“I - manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação;

II - manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;

III - efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

IV - analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos;

V - acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação;

VI - gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de atuação;

VII - celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências;

54 Segundo Celso Bandeira de Mello, o nomen juris “contrato de gestão”, quando se refere ao pacto celebrado entre o Estado e entidades da Administração indireta é incorreto, já que “não pode existir tal figura jurídica (contrato) se a violação de suas cláusulas for inconseqüente”. Para o autor, a despeito da expressa previsão constitucional (EC nº 19/98), somente a lei pode estabelecer quais os controles que podem ser suspensos com a efetivação desses contratos; inexistindo lei que regulamente a matéria, nenhum contrato poderá ampliar a autonomia gerencial, administrativa e financeira de qualquer entidade pública (In: Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1999, p.145-152).

VIII - elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica;

IX - promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos em sua área de atuação;

X - elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica;

XI - propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:

a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes;

b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;

c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos;

d) o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo”. À vista do elenco de atribuições acima arrolados, e na medida em que lhes compete exercer o controle sobre a disponibilidade dos recursos hídricos em sua área de atuação, efetuar a cobrança pelo uso de recursos hídricos e acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados, as Agências de Água desempenharão, além da função executiva, um papel financeiro, servindo como apoio às atividades dos Comitês de Bacia. Vale consignar que, no modelo francês, as agências de água foram criadas como agências financeiras.

A Lei nº 9433/97 estabelece como exigência para a criação de uma agência de água, a prévia existência do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica e a viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos em sua área de atuação (art. 43).

Quanto à natureza jurídica dessas agências, embora a Lei não faça qualquer referência à forma com que se estruturarão, dada a peculiaridade das funções a elas atribuídas, é recomendável que sejam criadas sob a forma autárquica; podendo eventualmente, serem consideradas agências executivas, com

as ressalvas feitas anteriormente. Proposta legislativa, em curso, pretende regulamentar as agências de água, que seriam constituídas sob a forma de fundações privadas,55 submetidas, porém, ao controle das Cortes de Contas (TCU ou cortes estaduais conforme o âmbito de sua atuação) e também do Ministério Público.

Diferentemente do que sustenta Arnaldo Setti56 para quem “a existência

do Sistema Nacional não permite que os Estados organizem a cobrança pelos diferentes usos dos recursos hídricos sem a implementação das agências de água”,

estes podem delegar livremente a órgãos existentes em sua administração competência para efetuar a cobrança pelo uso da água; do contrário, restaria comprometida a autonomia que lhes é constitucionalmente reconhecida. Ou seja, não há nenhum impedimento que as atribuições, confiadas às agências de águas, sejam exercidas por algum órgão estadual com atuação no sistema de recursos hídricos,57 ou mesmo uma organização social, contratada mediante processo licitatório.58 A própria Lei nº 9.433/97 em seu art. 51 permite que os consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas recebam delegação do Conselho Nacional ou dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, para o

55 Essa possibilidade está longe de ser pacífica entre os doutrinadores. Analisando a matéria, ainda sob a vigência da carta de 1967 com a Emenda Constitucional nº 1/69, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que “nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas, pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o § 2º do art. 99 da Constituição Federal” (R.E. nº 101.126-RJ, Relator Min. Moreira Alves. RTJ 113/314).

56 SETTI, A. Op. cit., p. 203.

57 Paulo Affonso Leme Machado entende que os Estados não podem criar Agências de Água diferentes do sistema preconizado pela Lei nº 9.433/97, já que “constitucionalmente o sistema é único no Brasil. In: Recursos Hídricos. Direito brasileiro e internacional. São Paulo: Malheiros, 2002, p.116.

58 Embora a Lei nº 9.637, de 15.095.98, dispense de licitação a formalização do contrato de gestão entre essas organizações e o Poder Público, é manifestamente inconstitucional essa liberalidade, afrontando o princípio da isonomia, da licitação e da moralidade administrativa, albergados no texto constitucional.

exercício de funções de competência das Agências de Água, enquanto esses organismos não estiverem constituídos. Ora, se os Estados podem atribuir a uma associação civil de direito privado competência para desempenhar funções de natureza pública, certamente que maior liberdade terão para delegar a instituições públicas que integram sua estrutura administrativa; assim, cada unidade da federação poderá estabelecer, de acordo com as peculiaridades locais, a figura jurídica que melhor provier, para a Agência de Água, ou de Bacia. O Estado de Mato Grosso, por exemplo, atribuiu à Fundação Estadual do Meio Ambiente a competência para funcionar como agência de água (Lei estadual nº 6945/97); já o Estado de São Paulo criou, através da Lei nº 10.020/98, a figura de Agências de Bacia como Fundação de Direito Privado.

Na esfera federal, a criação de uma Agência Nacional de Águas abre novas possibilidades para a implementação do gerenciamento dos recursos hídricos, colocando em dúvida os fundamentos da política de águas em nosso país, como se examinará a seguir.