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Capítulo 2: Sistema de gestão no Brasil

3 Princípios e Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos

3.5 Instrumentos da Política de Gerenciamento dos Recursos Hídricos

3.5.4 Cobrança pelo uso de recursos hídricos

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu entre os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente a racionalização do uso da água, entre outros recursos naturais; definindo como um dos objetivos dessa política impor, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (art. 4º, VII). Também a Lei 6.662, de 25/06/79, previu a remuneração pela utilização de águas públicas, para fins de irrigação e atividades decorrentes (art.21).

Seguindo essa mesma diretriz, a própria Constituição Federal previu a compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica (art. 20 § 1º).107

Mais recentemente, a Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro de 1997 definiu como um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, o reconhecimento da água como recurso natural limitado, um bem de domínio público dotado de valor econômico (art. 1º, I e II). Para concretizar seus objetivos, que incluem promover a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a Política Nacional de Recursos Hídricos conta com instrumentos específicos, entre os quais se insere a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Observa Paulo de Bessa Antunes, que

“a cobrança pelo uso da água está inserida dentro de um princípio geral do Direito Ambiental que impõe àquele que, potencialmente, auferirá os lucros com a utilização dos recursos ambientais, o pagamento dos custos. A cobrança, portanto, está plenamente inserida no contexto das mais modernas técnicas do Direito Ambiental e é socialmente justa”, assinalando ainda que “a cobrança pela

107 Tanto a compensação financeira como a cobranças pelo uso da água, inserem-se no rol das medidas preventivas compensatórias previstas na legislação ambiental, constituindo instrumentos de concretização da Justiça Ambiental, porquanto visa impor um ônus àquele que, por meio de uma ação licita, provocam uma alteração “in pejus” da qualidade ambiental.

utilização dos recursos hídricos não é um fim em si mesmo mas, ao contrário, um instrumento utilizado para o alcance de finalidades precisas.”108

Nesse mesmo sentido, Karin Kemper observa que

“os usuários são estimulados a usar a água de forma eficiente quando ela tem um preço. Se ela for gratuita, eles usarão mais do que necessitam, reduzindo a disponibilidade de água para todos, e aumentando a escassez e a competição pelo recurso. Se o ‘preço for correto’, os usuários terão incentivos para usar menos água e para introduzir tecnologias que ajudem a economizá-la, liberando mais água para os outros usuários.” 109

Aumentar a eficiência na utilização dos recursos hídricos é um dos principais objetivos desse instrumento econômico, empregado na gestão da água. Estabelece, a propósito, a Lei nº 9.433/97:

Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:

I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II - incentivar a racionalização do uso da água;

III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Estabelece, ainda, o citado diploma legal, que serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, elencados no art. 12:

I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

108 ANTUNES, P. de B. Curso de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 351. 109 KEMPER, K. E. Op. cit., p. 44.

III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

Por força desse dispositivo, a cobrança pelo uso da água, deve contemplar a captação, a acumulação, a diluição ou qualquer outro uso que implique alteração qualitativa ou quantitativa da água, excluindo-se apenas o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; as derivações, acumulações, captações e lançamentos considerados insignificantes. Tratando-se de captação, extração ou derivação, a cobrança basear-se-á no volume retirado e no regime de variação, que considera as peculiaridades do corpo hídrico, podendo ser majorada, por exemplo, nos períodos de seca, ou na hipótese de vulnerabilidade do aqüifero; tratando-se da cobrança por diluição, através do lançamento de esgoto e resíduos, o preço será fixado tendo em conta o volume lançado, suas características físico-químicas, biológicas, incluindo a toxidade, e também o regime de variação do corpo d’água diluidor.

Como assinalado, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos tem o expresso objetivo de racionalizar a utilização da água, considerada como recurso limitado. Tanto as cobranças pelo uso, como pela diluição, atendem à mesma finalidade. Assim, a cobrança pela captação pode ser sazonal, de forma a induzir o consumo, quando a disponibilidade de água seja menor; já a cobrança pela diluição de efluentes deve induzir o poluidor a tratá-los, visando a diminuição de seus custos. Em ambos os casos, a cobrança pelo uso da água é um instrumento econômico vocacionado a propiciar uma racionalização no uso da água e financiar simultaneamente sua gestão e a execução de estudos, projetos e obras previstos nos Planos de Recursos Hídricos.

A Lei nº 9.433/97 limita em 7,5% o emprego de recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água, na implantação e custeio administrativo dos

órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A previsão é salutar e contorna uma resistência dos poluidores-usuários- pagadores, que querem ver os recursos oriundos dessa cobrança investidos em obras de melhoria hídrica, e não em custeio de pessoal; mesmo porque também a Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990 já destina parte de seus recursos ao funcionamento do Sistema Nacional de recursos Hídricos110 e também os orçamentos da União e dos Estados podem e devem contemplar os referidos órgãos com dotações indispensáveis ao seu regular funcionamento.

Outra exigência, estabelecida pela Lei nº 9.433/97, diz respeito à aplicação dos recursos auferidos com a cobrança, que deverão ser aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram arrecadados. Essa aplicação está vinculada às diretrizes estabelecidas no Planos de Recursos Hídricos e, embora possa ser destinada a custear obras fora da bacia em que foram arrecada, essa excepcionalidade está limitada pela expressa previsão constante do plano provado. Assim, a existência do Plano de Bacia pode ser considerada um dos requisitos para a efetivação da cobrança pelo uso da água, já que esta visa, também, obter recursos para o financiamento de programas e intervenções nele previstos.

Assim, se mantida a opção pela utilização de instrumentos econômicos na gestão dos recursos hídricos, e entre eles a cobrança pelo uso da água, esta deve ser implementada com ampla discussão prévia dos interessados e, ainda assim, gradativamente, de forma descentralizada, contornando-se as resistências entre os usuários, o que pressupõe um trabalho de conscientização que permita a assimilação da água como um recurso limitado, cujo consumo deva ser moderado e por isso mesmo, sujeito à precificação.

A questão é complexa e envolve alguns aspectos que merecem ser melhor elucidados. Um dos questionamentos, que deve ser investigado, diz respeito aos aspectos institucionais e econômicos que envolvem a cobrança pelo uso da

110 O art. 1º, § 4º da Lei nº 8.001, de 13/03/90, com as alterações da Lei nº 9.984, de 17/07/2000, estabelece que: “A cota destinada ao Ministério do Meio Ambiente será empregada na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e na gestão da rede hidrometeorológica nacional".

água. Em que medida a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, na forma como está sendo implementada, contribui para racionalizar o uso da água? Um aprofundamento dessa discussão será oportunizado no Capítulo 4, tendo como tema central, os aspectos econômicos da gestão dos recursos hídricos

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