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Capítulo 2: Sistema de gestão no Brasil

3 Princípios e Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos

3.5 Instrumentos da Política de Gerenciamento dos Recursos Hídricos

3.5.1 Planos de Recursos Hídricos

Definidos legalmente como planos diretores que visam fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos (art. 6º da Lei 9.433/97), os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País, constituindo a base para o planejamento da gestão das águas, a longo prazo. A Lei estabelece ainda, como conteúdo mínimo desses planos, os seguintes tópicos (art. 7º):

I - diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos;

II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;

III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;

IV - metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;

V - medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas;

VI - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; VII - diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;

VIII - propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.

Como assinala Devanir Garcia dos Santos, os planos de recursos hídricos, são planos diretores, na medida em que funcionam como instrumentos de planejamento, fundamentados científica e tecnologicamente, embora dependam de determinantes socioculturais e políticos. Ainda segundo o mesmo autor, para consolidar um documento, contendo orientações, diretrizes, ações voltadas para o fortalecimento das instituições gestoras e para a manutenção do equilíbrio entre a

disponibilidade hídrica e a manutenção das necessidades, devem ser desenvolvidas as seguintes atividades:

a) realizar o inventário dos recursos hídricos e cadastrar usos e usuários das águas; b) identificar o estado de degradação das fontes de recursos hídricos;

c) caracterizar a bacia hidrográfica, as sub-bacias e as regiões homogêneas, quanto aos aspectos geológicos, geomorfológicos, recursos minerais, pedológicos, aptidão agrícola, clima, uso do solo e cobertura vegetal, áreas de preservação legalmente definidas e aquelas de interesse para preservação/conservação ictiofauna, ecologia do ambiente aquático e da mata ciliar, estudos hidrológicos básicos, hidrogeológicos, sedimentológicos e socioeconômicos;

d) criar um banco de dados consistente e atualizado que permita simular diferentes cenários;

e) elaborar mecanismos integrados de controle das necessidades da água; f) prever impactos que decorram dos diversos manejos setoriaia da água;

g) apresentar propostas de atuação integrada entre os diversos órgãos da administração pública e privada para reduzir as externalidades negativas sobre o uso e manejo inadequados da água;

h) identificar ações e estratégias para o fortalecimento das instituições componentes do sistema;

i) apresentar proposições para a elaboração de programas de educação ambiental e dos sistemas hídricos e hidrológicos;

j) apresentar proposições sobre as estratégias direcionadas para conscientizar a comunidade sobre a importância e a necessidade de conservação e manejo integrado dos recursos hídricos;

k) proposição de um programa de treinamento e capacitação de técnicos de órgãos públicos e privados visando a gestão integrada dos recursos hídricos;

l) identificar as condições necessárias para a participação e o comprometimento das comunidades, dos representantes de classe, etc., nos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos;

m) proposta de criação de unidades de conservação, visando a proteção da fauna e flora regional.104

Com tal abrangência, fácil perceber que os referidos planos, se inter- relacionam com os demais instrumentos de gestão das águas, servindo igualmente de elo com a gestão do meio ambiente e a elaboração de políticas públicas nesse setor. A realização de um inventário, com identificação das áreas degradadas e caracterização das bacias hidrográficas atingidas, pressupõe o levantamento de dados, necessários ao funcionamento de um sistema de informação, que irá orientar a outorga e o planejamento da gestão. Da mesma forma essas informações, consolidadas em linguagem acessível, servem para fundamentar a gestão ambiental

e as atividades de conscientização da sociedade civil. Importante assinalar que os Planos de Recursos Hídricos devem ser

elaborados pela base do sistema, com ampla participação pública, pois do contrário, permanecerão como mera formalidade legal, sem alcançar o objetivo para o qual foram concebidos. Devem, também, ser atualizados sempre que ocorrerem modificações significativas na base de dados, nas políticas públicas correlacionadas ou, ainda, nas prioridades das bacias. Havendo lei estadual disciplinando os usos de algum corpo d’água, seja limitando algum tipo de utilização, seja disciplinando aspectos relacionados à proteção ambiental, a mesma deverá ser considerada na elaboração dos Planos de Bacia. Assim, por exemplo, deve haver adequação desses planos às leis de zoneamento, ou qualquer outra lei que estabeleça restrição de uso de algum corpo d’água.

A importância do planejamento para o gerenciamento e, por conseguinte, dos Planos de Recursos Hídricos é irretorquível, questiona-se contudo, o fato de possuírem apenas um caráter indicativo, na medida em que são desprovidos de executoriedade. Em nosso país, planos similares possuem, geralmente, pouco efeito prático. A diferença, na exeqüibilidade desses planos, pode estar justamente no maior ou menor envolvimento da sociedade civil em sua elaboração e discussão.

104 SANTOS, D. G. dos. A experiência brasileira na elaboração de planos diretores como instrumentos de gestão de recursos hídricos. In SILVA, D. D. da e PRUSKI, F. F. Op. cit. p. 440/441.

Um aspecto preliminar na elaboração dos planos de recursos hídricos, está justamente na definição de uma metodologia que contemple desde a concepção do plano, o envolvimento da comunidade e a implementação das ações definidas em contexto participativo. Christian Caubet e Beate Frank105 analisam o manejo ambiental tomando como referência o caso do Rio Benedito, localizado na sub-bacia do Rio Itajaí; destacando a importância do um eixo metodológico no planejamento ambiental integrado. Tomando como subsídio a metodologia de planificação desenvolvida por Pedro Hidalgo, identificam as principais etapas desse planejamento, aqui citadas para ilustrar alguns dos aspectos operacionais e desafios, presentes na elaboração de um plano de bacia.

Assinalam os autores que a construção de uma proposta harmônica pressupõe a articulação entre as vertentes institucional e comunitária; a primeira representada pelo quadro técnico interdisciplinar e a segunda pela comunidade, representada em comissões municipais e movimentos comunitários. Identificam as seguintes etapas do planejamento ambiental, para cada umas dessas vertentes:

105 CAUBET, C. G. e FRANK, B. Manejo Ambiental em Bacia Hidrográfica: o caso do Rio Benedito

(Projeto Itajaí I) . Das reflexões teóricas à necessidade prática. Florianópolis: Fundação Água Viva, 1993, pp.

Vertente institucional

I - Setorização e Priorização: construção da imagem do plano a nível da população, através de um trabalho de comunicação social;

II – Caracterização da bacia;

III - Marco de referência: estudos visando estabelecer as relações do plano com o sistema de planificação, o sistema jurídico e o sistema administrativo institucional do país, do Estado e dos Municípios, e Dianóstico integral: conclusões que evidenciam os problemas prioritários da unidade de planificação;

IV - Formulação do plano: pressupõe interação entre as propostas da vertente institucional com a vertente comunitária; V - Execução do Plano: pressupõe uma estratégia, uma justificativa, uma análise de viabilidade e o financiamento;

VI – Avaliação do Plano: avaliação econômica, social e de impactos ambientais.

VII – Sustentabilidade: a vertente institucional estabelece, em conjunto com a vertente comunitária, mecanismos para a autonomia e auto-gestão do plano pela comunidade.

Vertente comunitária

I – Início do processo de conscientização política. Identificação de lideranças locais. Maturação da idéia da necessidade do plano;

II – evidenciar os antecedentes históricos e culturais da comunidade, identificando seus valores e aspirações;

III – Diagnóstico participativo: identifica os problemas prioritários do ponto de vista da comunidade;

IV - Formulação do plano: pressupõe interação entre as propostas da vertente institucional com a vertente comunitária; V – Execução do Plano: participação da comunidade nas atividades previstas no Plano;

VI - Avaliação do Plano: avaliam-se os objetivos, se foram atingidos, as atividades prioritárias, se foram executadas e os resultados alcançados;

VII – Sustentabilidade: a vertente institucional estabelece, em conjunto com a vertente comunitária, mecanismos para a autonomia e auto-gestão do plano pela comunidade.

É evidente que a elaboração de um Plano de Bacia, seja na forma preconizada pela metodologia em exame, seja através da utilização de outras técnicas e procedimentos, implicará necessariamente na participação pública e as possibilidades de êxito serão, tanto maiores, quanto maior for o engajamento da comunidade no processo; da mesma forma, embora não haja nenhuma exigência legal, razoável supor que tais planos sejam debatidos em audiências públicas.