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Capítulo 2: Sistema de gestão no Brasil

2.3 A estrutura de gestão dos recursos hídricos no Brasil

2.3.1 Conselhos de Recursos Hídricos

A Lei nº 9.433/97 criou, na estrutura do sistema, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, prevendo também a criação dos Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, que se deverão estruturar tendo como parâmetro o órgão federal correlato;50 por isso mesmo, nesta análise, dar-se-á ênfase à estruturação do Conselho Nacional, que tem na lei federal algumas normas específicas para seu funcionamento.

De acordo com a norma citada, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos é órgão colegiado, consultivo e deliberativo, da Administração direta, com natureza técnica, constituído por representantes dos órgãos federais com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos, representantes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, além de representantes dos usuários dos recursos hídricos e das organizações civis de recursos hídricos.

No art. 35 do mesmo diploma legal, estão enumeradas as atribuições do citado órgão colegiado, que deve atuar como elo entre a administração dos recursos hídricos nas esferas federal e estadual, promovendo a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários, e funcionando como árbitro nos conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos (art. 35, I e II).

Entre as competências de cunho deliberativo confiadas ao referido Conselho, estão a de deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos

50 Cid Tomanik é categórico em reconhecer a inaplicabilidade da Lei nº 9.433/97, no que concerne à composição e competência dos conselhos estaduais de recursos hídricos e comitês estaduais: “No tocante à organização administrativa, à lei federal, por vedação constitucional, somente cabe dispor sobre a estrutura dos organismos da União. Os comitês estaduais seguem a composição e competências estatuídas nas leis dos Estados. Por tal razão, a competência e composição daqueles colegiados, referidas na lei federal, não se aplicam aos Estados, nem ao Distrito federal, a não ser que estes assim o decidam. São inaplicáveis, por inconstitucionais, as disposições da Lei nº 9.433, de 1997, referentes aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e, se a eles se dirigirem, aos comitês estaduais”. In: As águas e o sistema federativo brasileiro.

hídricos, com repercussões interestaduais, e também sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, e aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica, (Art. 34, III e IV e VII). Podem ser citadas como competências normativas desse Conselho, o estabelecimento de diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso (Art. 34, VI e X). Incumbe ainda ao Conselho atuar como órgão técnico de controle, acompanhando a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinando as providências necessárias ao cumprimento de suas metas (art. 34, IX).

A criação de Conselhos, como órgãos colegiados auxiliares na implementação de políticas públicas, encontra, no direito brasileiro, alguns precedentes. A legislação faz referência a diversos órgãos colegiados com atribuições consultivas e, em alguns casos, deliberativas, relacionados com a área ambiental. Cita-se, exemplificativamente, o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas (Lei nº 3924/61), o Conselho Nacional de Proteção à Fauna (Lei nº 5197/67), e o Conselho Nacional do Meio Ambiente- CONAMA (Lei nº 6928/81); além de inúmeras Comissões Técnicas, com atribuições similares, ressalvando-se que muitos desses órgãos têm existência meramente formal, até porque a vontade política na Administração Pública é decisiva, para impulsionar, ou não, o funcionamento desses órgãos colegiados. Mister acentuar que essa decisão, de partilhar o poder executivo com a sociedade civil, está relacionada diretamente à necessidade de se legitimar uma ação política, quando essa, embora imprescindível, é conflituosa e encontra resistência em setores organizados da sociedade. Assim ocorre com a defesa dos interesses difusos e, notadamente, com a política ambiental: a dimensão dos problemas enfrentados, nessa área, pelo país, aliada à ineficiência dos órgãos encarregados de implementar essa política, tornam imperativa a mobilização da sociedade civil, como co-responsável, que efetivamente o é, na defesa do meio ambiente, tornando os órgãos colegiados verdadeiros fóruns para debate político dos problemas ambientais, o que propicia, adicionalmente, a partilha de responsabilidades.

Também no caso do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, embora tenha sido regulamentado, mais de um ano após sua criação, pelo Decreto n.º 2.612/98, de 3 de junho de 1998, sucessivas alterações indicam que ainda não há consenso sequer quanto à composição do referido colegiado.51 O decreto atualmente em vigor (nº 4.613, de 11/03/2003) estabelece que o Conselho será composto por 27 representantes de diversos Ministérios, mais dois representante de Secretarias Especiais da Presidência da República. As outras 28 vagas serão distribuídas entre os representantes de conselhos estaduais de recursos hídricos (10 vagas), usuários (12 vagas) e organizações da sociedade civil (6 vagas).

Observa-se que há nítida predominância do Poder Público, no citado Conselho, que além dos funcionários oriundos dos Ministérios e Secretarias Especiais da Presidência da República, tem sua representação ampliada com a presença de servidores que, eventualmente, ocupam vagas destinadas ao Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e até mesmos aos comitês, consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas. Essa predominância deveria ter sido evitada; o equilíbrio entre as representações do Poder Público, dos usuários e da sociedade civil é salutar e confere maior legitimidade às deliberações do órgão colegiado; por outro lado, se o Conselho se transforma apenas em mais uma instância de atuação do Poder Público, onde a presença da sociedade civil é meramente figurativa, pouco espaço haverá para discussão dos grandes problemas que o gerenciamento dos recursos hídricos enfrenta em nosso país.52 Certo é que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos ainda não apresentou uma contribuição significativa na formulação dessa política pública; merece, contudo, destacar como avanço institucional a criação das seguintes Câmaras Técnicas: de águas subterrâneas; de análise de projeto; de assuntos legais e institucionais; de ciência e

51 O Decreto nº 2.612/98 foi alterado pelo Dec. nº 3.978/01, pelo Dec. nº 4.174/02 e ainda pelo Dec. nº 4.613/03, de 11/03/03.

52 Christian Guy Caubet é incisivo ao apontar o verdadeiro papel do CNRH: “...permitir controlar os debates nacionais relativos às questões de recursos hídricos, bem como promover as soluções já preparadas em diversas esferas das políticas ministeriais, com toda a falta de integração que isso pressupõe”. CAUBET, C. G. A situação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (maio de 2000). In: LEITE, José Rubens Morato.

tecnologia; de gestão dos recursos hídricos transfronteiriços; de integração de procedimentos, ações de outorga e ações reguladoras; do Plano Nacional de Recursos Hídricos. No quadro a seguir estão relacionadas as Resoluções já aprovadas pelo citado colegiado.

Quadro 4 – Resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Data Assunto

1 05/11/1998 Apresentação de sugestões para alteração do Regimento Interno 2 05/11/1998 Institui calendário para as reuniões ordinárias (1999)

3 10/06/1999 Institui Grupo de Trabalho 4 10/06/1999

Institui as Câmaras Técnicas Permanentes do Plano Nacional de Recursos Hídricos, e de Assuntos Legais e Institucionais

5 10/04/2000 Estabelece diretrizes para a formação e funcionamento dos Comitês de Bacias Hidrográficas 6 21/06/2000 Altera dispositivos da Resolução/CNRH/Nº 003

7 a 11 21/06/2000

Institui as Câmaras Técnicas Permanentes de: Integração de Procedimentos, Ações de Outorga e Ações Reguladoras; Análise de Projeto; Águas Subterrâneas; Gestão dos Recursos Hídricos Transfronteiriços; Ciência e Tecnologia

12 19/07/2000

Estabelece procedimentos para o enquadramento de corpos de água em classes segundo os usos preponderantes

13 25/09/2000

Estabelece diretrizes para a implementação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos-SNIRH

14 20/10/2000

Regulamenta o processo de indicação dos representantes dos Conselhos Estaduais, dos Usuários e das Organizações Civis de Recursos Hídricos

15 11/01/2001

Estabelece diretrizes para o gerenciamento integrado das águas, visando a conservação dos recursos hídricos subterrâneos

16 08/05/2001 Regulamenta a outorga de uso de recursos hídricos

17 29/05/2001 Estabelece critérios gerais para a elaboração de Planos de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas 18 20/12/2001

Altera dispositivo da Resolução CNRH nº 05/2000, permitindo a prorrogação dos mandatos dos membros dos Comitês de Bacia.

19 14/03/02 Aprova o valor de cobrança pelo uso dos recursos hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. 20 14/03/02 Define a nova composição das Câmaras Técnicas do CNRH.

21 14/03/02 Institui a Câmara Técnica Permanente de Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos. 22 24/05/02 Estabelece diretrizes para inserção das águas subterrâneas nos Planos de Recursos Hídricos. 23 24/05/02 Define a composição da Câmara Técnica de Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos. 24 24/05/02 Altera a redação do artigo 8º e artigo 14 da Resolução nº 5.

25 22/08/02 Define o preenchimento de vagas e suplências em algumas Câmaras Técnicas do CNRH. 26 29/11/02 Autoriza o Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul a criar sua Agência de Água.

27 29/11/02 Define os valores e os critérios de cobrança pelo uso de recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. 28 29/11/02 Prorroga, em caráter excepcional, o prazo para a designação da Diretoria Provisória do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba. 29 11/12/02 Define diretrizes para a outorga de uso dos recursos hídricos para o aproveitamento dos recursos minerais.

Data Assunto

30 11/12/02 Define metodologia para codificação de bacias hidrográficas, no âmbito nacional.

31 11/12/02 Define nova composição e suplências para Câmaras Técnicas do CNRH, a partir de 31/01/03. 32 25/06/03 Define subdivisões em agrupamentos de bacias e regiões hidrográficas, no âmbito nacional

Embora a atuação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos tenha sido meramente regulamentar e, em que pese a predominância do Poder Público no referido Colegiado, impulsionado por demandas oriundas principalmente dos Comitês de Bacia, ele deveria atuar como um centro de discussão qualificada dos problemas relacionados ao funcionamento do Sistema Nacional dos Recursos Hídricos e suas deficiências operacionais. Contudo, a própria composição do referido Conselho indica que não se trata efetivamente de um colegiado com representatividade e autonomia para debater as grandes questões de interesse nacional afetas ao gerenciamento hídrico, o que é lamentável, pois poderiam emergir, desses debates, alternativas e proposições que contribuíssem para tornar efetiva uma política pública que ainda é meramente retórica.