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Capítulo 2: Sistema de gestão no Brasil

3 Princípios e Instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos

3.1.2 O direito ao desenvolvimento sustentável

A Constituição Federal condiciona o exercício da atividade econômica à observância de alguns princípios, entre os quais a defesa do meio ambiente, dispondo:

“Art. 170 A ordem econômica, fundada na valor ização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VI – defesa do meio ambiente;”

A teor da Constituição, a atividade econômica essencial à implementação do desenvolvimento não pode estar dissociada da realização do princípio da dignidade e da proteção do meio ambiente.

Correto deduzir que nossa Carta Magna alberga o reconhecimento do direito ao desenvolvimento em simetria com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, ambos indispensáveis à realização de uma vida digna.

No que diz respeito ao direito ao desenvolvimento o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, expressou pioneiramente:

“1. Todos os povos tem o direito de livre determinação. Em virtude desse direito estabelecem livremente sua condição política e provêem seu desenvolvimento econômico e cultural”. 74

As condicionantes para o exercício desse direito foram pormenorizadas pela Declaração do Rio, quando estabelece que “o direito ao desenvolvimento deve

ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”,75 princípio que é corroborado pelos demais dispositivos da mesma

74 Extraído do site das Nações Unidas <www.uinhchr.ch>. Versão em espanhol traduzida livremente pelo autor. Acesso em 10/09/03.

75 Princípio 3 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. In: Agenda 21. Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Senado federal, 1997, p. 593.

Declaração que vinculam a proteção ambiental como parte integrante do processo de desenvolvimento.

É retórico afirmar que não se pode, hoje, falar em desenvolvimento, sem sustentabilidade. Da mesma forma há um consenso de que o desenvolvimento deve ser conciliado com a proteção do meio ambiente e a redução da pobreza e das desigualdades.

Édis Milaré observa, a propósito, que “é falso, de fato, o dilema ‘ou

desenvolvimento ou meio ambiente’, na medida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e complementar-se”. Mais do que isso,

o dilema entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente é na verdade a opção pelo crescimento imediatista que destrói as bases materiais do desenvolvimento durável e condena à pobreza as gerações futuras. Nesse sentido, enfatiza o autor:

“Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto socio-cultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão espaço/tempo. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material”.76

A busca do desenvolvimento não pode estar desvinculada da perspectiva de sustentabilidade, pois do contrário sua concretização ocorrerá em prejuízo do meio ambiente e principalmente em afronta aos direitos das gerações futuras. Contudo, essa sustentabilidade é um processo contínuo; sua busca implica na formulação de políticas de longo prazo, pactuadas com participação social, que impliquem na melhoria da qualidade de vida e no respeito à capacidade de suporte do planeta.

76 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2ª Ed., São Paulo: RT, 2001. p. 42.

Observa ainda, Carlos André Birnfeld:

“Seu conteúdo axiológico envolve, assim, a opção por um desenvolvimento econômico sem o sacrifício do meio ambiente, uma escolha que contrapõe-se frontalmente a opção que envolve um desenvolvimento econômico incondicionado, ou a qualquer preço, depredatório do meio ambiente, hoje concebido como irracionalidade extrema, mesmo do ponto de vista estritamente econômico, eis que traz ínsita a opção pela aniquilação gradual de um dos mais importantes fatores de produção, causando destarte, nos termos da célebre fábula de Esopo, a morte da galinha dos ovos de ouro”.77

Na prática, a concretização do direito ao desenvolvimento sustentado esbarra em enormes dificuldades; a própria noção de sustentabilidade confronta-se com a insuficiência de parâmetros que possam quantificá-la e delimitá-la convertendo-se em um conceito vago que tem sido empregado cotidianamente na formulação de políticas públicas.

Assinala, a propósito, Birnfeld:

“Trata -se de um principio que comumente é criticado justamente pela sua enunciação extremamente aberta, eis que não sinaliza claramente como se dará a garantia de desenvolvimento sustentável no âmbito de uma sociedade tão sedenta por desenvolvimento econômico a qualquer preço e na qual a não partilha dos avanços tecnológicos coloca os países menos avançados ao mesmo tempo sob o imperativo do desenvolvimento acelerado e da dependência tecnológica dos fatores que poderiam eventualmente auxiliar na sustentabilidade, o que agrava ainda mais a pobreza já intensa das respectivas populações”.78

Dada a complexidade da matéria, a noção de desenvolvimento será abordada em sua extensão e indicadores no item 4.1.1, onde são analisados os

77 Birnfeld, Carlos André Sousa. O princípio poluidor-pagador e suas potencialidades - uma leitura não

economicista da ordem constitucional brasileira. Tese de doutorado aprovada com distinção e louvor junto a

Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível na Biblioteca da UFSC. Santa Catarina: UFSC. 2003, p. 239.

conceitos econômicos e institucionais empregados na gestão das águas, e ainda mais especificamente, no Capítulo 6, que trata de sua aplicação na política de recursos hídricos.