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Como já observamos anteriormente, a França Filmes utilizou em seu material publicitário um trecho sobre HMA de Alex Viany. O trecho foi extraído do artigo Primeiros Apontamentos sobre Nouvelle Vague publicado na Revista Senhor em junho de 1960. Nesse artigo, Alex Viany procura compreender a Nouvelle Vague apontando para as dificuldades de encontrar uma coerência ou, em suas próprias palavras, “a média de seus talentos, intenções ou possibilidades”. Comenta o artigo de Cláudio Mello e Souza intitulado Um Cinema Fascista116destacando para o fato de o autor separar Alain Resnais e François Truffaut do “grupo Malle”. O “grupo Malle” reúne Louis Malle, Roger Vadin, Claude Chabrol e Édouard Molinaro que no entender de Cláudio Mello são todos cineastas que fazem filmes ideologicamente de direita, com o que Alex Viany concorda. Mas, Viany não faz distinção de grupo dentro do movimento, e a diversidade de estilos e de conteúdo reforça sua tese da dificuldade de se definir os parâmetros da Nouvelle Vague, acreditando que os filmes de Truffaut e Resnais “subitamente deram seriedade e gabarito a todo o movimento”. Nessa linha encerra seu artigo dizendo:

Se Hiroshima, Mon Amour e Les Quatre Cents Coups são presságios do que está para vir, então a nouvelle vague será para o cinema tão importante quanto o neorrealismo italiano ou o surgimento do cinema japonês neste pós-guerra.

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Especificamente sobre HMA Alex Viany escreveu três artigos durante os primeiros dias de sua exibição comercial no Rio de Janeiro. Ele publicou todos como o mesmo título Hiroxima, meu amor, sendo que dois no Diário de Notícias, nos dias 29 de agosto e 1º de setembro de 1960 e nessa última data publicou o outro artigo em O Jornal.

Aos moldes de Antonio Moniz Viana, Alex Viany começa seu primeiro artigo do Diário de Notícias publicando a ficha técnica do filme com as seguintes informações: título no original; direção; roteiro original; cinegrafia; cenografia; música e coordenação; elenco; produção; distribuição; padrão de cor; duração e a cesura. Alex Viany inicia seu texto concordando com a inglesa Penélope Houston117 que diz que talvez HMA seja “o mais controvertido filme de estreia desde Cidadão Kane”. O texto de Viany é curto, não há uma análise do filme, ele prefere descrever os principais pontos de discussão em torno de HMA.

Discute-se tudo em Hiroxima, meu amor: as intenções de Resnais e de sua roteirista, Marguerite Duras; as vantagens e os perigos da aproximação entre cinema e literatura; as possíveis contribuições do filme à renovação da linguagem cinematográfica; as relações do tema da lembrança e esquecimento com os problemas estéticos de tempo e espaço; as possíveis ligações com Marcel Proust; a estranha

combinação do materialismo de Resnais com o

existencialismo de Duras; a função da música em face da imagem; as experiências rítmicas; o uso e abuso da câmera em movimento; etc.

Pela descrição acima, Alex Viany demonstra conhecimento amplo das mais diversas análises sobre HMA, apontando objetivamente cada ponto e com isso reafirma que se trata de um filme “para ser visto, revisto, estudado e discutido”. Termina seu comentário exaltando a atuação de Emmanuelle Riva que para ele “passa a formar entre as maiores intérpretes que a tela já teve”. Ao final

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do texto publica uma frase de dois críticos sobre o filme e finaliza com os cinemas exibidores. Segue abaixo as citações que Alex Viany intitula “opinião alheia”:

‘Resnais compõe seu filme como uma sinfonia, cujos movimentos organiza pacientemente, até a obtenção de um tom perfeitamente justo.’ – Jacques Doniol-Valcroze, France- Observateur, Paris.

‘Histórias e milagres foram realizados com o tempo’ – Hollis Alpert, Saturday Review, Nova Iorque.

Nesse primeiro artigo encontramos, pela primeira vez entre os críticos brasileiros, referência a textos sobre HMA vindos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Acreditamos que em certo sentido isso esteja ligado à formação do crítico Alex Viany que em 1945 partiu para Hollywood a fim de conhecer os meandros da produção cinematográfica, onde realizou cursos e teve contato com filmes, livros e revistas que não tinha acesso no Brasil. Outro dado, diz respeito à preocupação de Alex Viany em traduzir para o português os textos dos críticos estrangeiros e também o título do filme, prática pouco comum.

No dia 1º de setembro inicia seu texto perguntando: “até que ponto é o esquecimento útil ao homem? – parecem perguntar Alain Resnais e Marguerite Duras neste filme polêmico, ousado, enervante”. Acredita que não existem respostas em HMA e conclui:

Há, sim, muitas indagações angustiosas e angustiantes, numa obra-de-arte que procura realizar um cinema sonoro integral, combinando imagem e palavras, música e som num todo desigual, sem dúvida, mas de enorme importância para uma arte e uma técnica de apenas sessenta-e-cinco anos de idade.

Para Alex Viany, as diversas possibilidades que o filme traz na sua compreensão podem gerar uma certa confusão para o espectador desprevenido. E nesse particular questiona a crítica que acusa HMA de ser “cerebral”, pois é essa mesma crítica que se queixa do cinema comercial padronizado, então para

Viany quando aparece um filme que ousa outros caminhos, por que, então, reclamar. E mais uma vez aconselha a todos que se interessam por cinema.

Nosso conselho é simples: vejam e revejam o filme. Discutam-no com os amigos; procurem ler tudo o que se escreve a seu respeito; não pecam [sic] a oportunidade de fazer pesar na balança a parte do público há muito revoltada contra o rebaixamento permanente da arte cinematográfica. Vendo o filme, vocês se comoverão com Emmanuele Riva, uma atriz extraordinária, que imediatamente entra para o rol das grandes intérpretes de todos os tempos. Vendo-o, vocês compreenderão que ao cinema, arte nova, muito resta a pesquisar e descobrir.

Com essa ideia de estarmos diante de uma “arte nova” encerra seu artigo. No mesmo dia publicou ainda em O Jornal outro artigo. Na verdade trata-se de uma versão um pouco mais completa do primeiro artigo do Diário de Notícias. Alex Viany o inicia do mesmo modo citando Penépole Houston e em seguida comenta a sólida carreira de Alain Resnais como curta-metragista, lembrando que Resnais já fazia em seus curtas uma aproximação entre cinema e literatura com Jean Cayrol em Nuit et Brouillard e Raymond Queneau em Le Chant du Styrène.

Para Hiroxima, Resnais recorreu a Marguerite Duras, uma das mais respeitadas romancistas francesas da atualidade. E, ampliando suas pesquisas de cinema-literatura, ao mesmo tempo ampliou e aprofundou o campo de suas indagações técnico-estéticas em torno dos problemas de tempo e espaço, fazendo um filme inquietante, uma espécie de “Calvário da Era Atômica”, onde Amor e Morte coexistem, onde lembrança e esquecimento entrechocam-se e fundem- se.

Em seguida, descreve novamente os pontos mais discutidos em torno do filme e aconselha novamente o espectador a ver e rever, debulhar essa obra de Resnais. Comenta alguns grupos que colocam em dúvida a qualidade da obra

como cinematográfica pelo excesso de literatura. Nesse caso Alex Viany rebate argumentando:

se há isso (e a dosagem encontrada dependerá da apreciação individual do espectador), há também um louvável sentido anticonformista, revolucionário mesmo. Levado pelo que tem de literário, Hiroxima pode, realmente, conduzir o cinema por caminhos estéreis; mas, levado pelo que tem de contribuição à linguagem cinematográfica, pode provocar as mais excitantes experiências de cinema sonoro realmente integrado, em que a imagem, som, música e palavras formem um todo indivisível.

Por fim, mais uma vez Alex Viany ressalta a atuação de Emmanuelle Riva como “uma das grandes interpretações em toda a história do cinema”. Com isso encerra sua análise sobre HMA. Apesar dos textos enxutos, Alex Viany toca em pontos centrais discutidos em torno do filme. Assim como José Lino Grünewald, Alex Viany destaca o papel revolucionário da obra de Resnais, que contribui para novas experiências no cinema, arte tão nova.