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O gaúcho Paulo Hecker Filho foi escritor de contos e poemas, tradutor, crítico literário e, de forma mais esporádica, crítico de teatro e de cinema. Atuou em diversos jornais do Rio Grande do Sul e foi colaborador n’ O Estado de São

Paulo durante as décadas de 60 e 70. Paulo Hecker ficou conhecido por expressar suas opiniões de maneira muito franca e sem meias palavras.

No Suplemento Literário d’ O Estado de São Paulo, Paulo Hecker Filho publicou no dia 04 de fevereiro de 1961, o artigo intitulado Hiroshima, mau humor. O título do artigo dá o tom de sua análise, antecipando sua opinião sobre o filme. Logo no primeiro parágrafo avisa: “pretendo ser civilizado, mas me enchem tanto com a fita de Resnais que perco os estribos. Os delicados que não me leiam esta nota: é aviso de companheiro”. Apesar desse começo, promete ser imparcial durante a análise procurando demonstrar não apenas o lado negativo da fita de Resnais, mas o que pensa de positivo.

Com um certo grau de desdém, presente em todo o artigo, inclusive com a utilização de palavras chulas, pouco comum nas análises dos artigos do Suplemento Literário, zomba inicialmente do título que considera por demais afetado, para em seguida falar da história. E nesse caso, sobra inclusive para o cinema brasileiro, uma vez que para Paulo Hecker o filme parte de uma “ideia cuja a banalidade é digna de uma fita brasileira.” Ao contar superficialmente o enredo de HMA, Paulo Hecker intercala com observações referentes ao tom sonolento do filme que não cativa o espectador.

Filme pau! Não invade como o bom cinema sabe invadir mais do que qualquer outra arte, e por isso é, entre as artes, a mais popular, a menos exigente de deliberada atenção. É um filme meio anestesiado, sonambúlico, que cansa, e portanto adormece, muito mais do que emociona. Resnais não tem complacência com o espectador. Gastou-a toda com aquela mulherzinha protagonista que, de repente, sem preparação ou necessidade, nos apresenta amando. Amando, hem...Antes copulando, e com tão ofuscadora sensualidade que esquece seus possíveis outros deveres humanos, desprezível bête á plaisir. Sou pela sensualidade, não me entendam mal, ou antes pelo sexo, mas na sua hora; em seguida, há tudo a fazer, é preciso levantar da cama.

Para Paulo Hecker faltam informações sobre a protagonista, as indicações oferecidas ao espectador impedem uma aproximação com a história vivida por ela, que viveu um amor no passado com um soldado alemão, mas não sabemos como isso se deu, nem muito menos o problema que impediu o amor. Acreditamos que tenha faltado a Paulo Hecker um conhecimento histórico do período da Segunda Guerra Mundial, ou talvez pudesse ser apenas mais um de seus incômodos nem sempre justificados. Mas, é sabido que durante a ocupação das tropas alemãs na França, as mulheres francesas que porventura estabeleciam qualquer tipo de relação com os alemães eram acusadas de colaboracionistas. Ao final da ocupação alemã, essas mulheres tiveram as cabeças raspadas e sofreram todo tipo de humilhação pública.

Em seguida, Paulo Hecker comenta que as cenas de loucura da jovem personagem são motivo de elogio ao trabalho de Resnais por não nos ter poupado do horror da loucura. Mas, avisa que é “elogio relativo”, uma vez que na cidade de Hiroshima, a personagem de Emmanuelle Riva está em sã consciência e se porta como demente naquelas “andanças absurdas, aqueles gritos súbitos”.

Na análise de Paulo Hecker fica pontuado o seu incômodo com a forma que Resnais e Duras encontraram para contar a história, e que para ele, não passa de um formalismo.

Mme. Duras que nos perdoe, mas a descortesia não é tanta: pode-se supor que apenas encheu com palavras, como escritora profissional e sob injunção dum diretor, um ponto de partida banal, em que a ficção seria acessória ao documentário em vista, dando-se a um longo esforço para atingir o nível dramático. Mas o esforço não é arte, a arte é o encontro; de modo geral, não vontade, inspiração. Redundou o cansativo do drama só exterior, formal.

O formalismo é uma questão que Paulo Hecker atribui não apenas a Resnais, mas a todo o movimento da Nouvelle Vague. Apesar de considerar que a Nouvelle Vague propiciou uma manifestação mais livre no cinema - ainda que um pouco confusa -, acredita que não se atingiu uma “profunda renovação temática”.

A marca distintiva da Nova Voga, por ora, tem consistido no rebuscamento da imagem cinematográfica, num formalismo segundo a lição dum perito ainda inigualado no assunto, Orson Welles. É o formalismo desse tipo que aproxima o discutível, truqué, ‘Les amants’, de Louis Malle, duma imbecilidade como ‘Les cousins’, de Chabrol, ou duma obra íntegra e por vezes sublime como ‘Les quatre cent coups; o crítico brigão, por mal-educado idealismo moral, e bizantino, á força de agudeza, François Truffaut, veio a revelar-se, em ação, o mais completo artista-criador, o único por enquanto com certeza, do jovem cinema francês.

Para Paulo Hecker, os movimentos de câmera, os recitativos e os diálogos da personagem, bem como a sua própria atuação como atriz, estão longe de alcançar o resultado desejado para o que se pode classificar de um bom filme. Como contraponto a Emmanuelle Riva, toma como exemplo a atuação da atriz francesa Claude Nollier, que classifica de “grandeza interpretativa”, no filme “admirável” dirigido por André Cayatte Justice est faite (1950, 95min), que no Brasil foi traduzido por O Direito de Matar. Nessa questão, aproveita mais uma vez para soltar algumas farpas em relação à representação das atrizes no cinema brasileiro.

Insistem com a atriz, que é ótima e até grande; não achei. A meu ver, trata-se apenas duma intérprete competente, coisa comum no cinema estrangeiro, embora não tenha acontecido ainda no nosso; a maior aproximação foi, já há anos, Cacilda Becker em ‘Floradas na Serra’.

As referências ao cinema brasileiro ao comentar HMA foram observadas por Paulo Emílio Salles Gomes no artigo A Vez do Brasil, publicado no Suplemento Literário d’ O Estado de São Paulo. Nesse artigo Paulo Emílio discute a ausência de políticas públicas efetivas para o desenvolvimento do cinema brasileiro e ao mesmo tempo chama atenção para uma mudança de postura por parte da crítica que começa a dar a devida importância ao que é produzido em termos de cinema no Brasil, mesmo que ainda não se tenha consciência disso, e

se esconda atrás de um certo incômodo e mesmo mal-estar diante de nossa cinematografia. Para Paulo Emílio não existe mais indiferença ao nosso cinema, e como exemplo cita Paulo Hecker:

Na semana passada, desta coluna o escritor Paulo Hecker Filho proclamou o seu desamor por Hiroshima, sua admiração por Cayatte e ao mesmo tempo desfechou sem muito propósito um ou dois ataques ao cinema brasileiro. Seria pouco acurado interpretar as referências do comentarista em termos de maldade gratuita. O fato de abordar tema cinematográfico levou-o insensivelmente a manifestar a aflição que também o possui em relação ao nosso cinema.136

Para concluir, Paulo Hecker responde a uma questão que possivelmente lhe fariam, “por que vários gostaram tanto de ‘Hiroshima’? E responde: “dizer que se gostou é uma coisa, gostar, outra.” Atribui ainda a intensa propaganda realizada pelos críticos estrangeiros, sobretudo a revista Cahiers du Cinéma e outras publicações dominadas por seus redatores.

Lutando por estabelecer sucessos de qualquer modo a fim de que financistas e produtores não se retraiam, ‘Hiroshima’ só tinha de chegar e vencer.