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Antes mesmo de assistir a HMA e do filme encontrar-se em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro, Ely Azeredo informa em sua coluna diária no jornal Tribuna da Imprensa as reações críticas ante a HMA. No primeiro artigo, Depois de Hiroshima publicado em 20 de julho de 1960, Azeredo comenta o fato de HMA bater o recorde de bilheteria na cidade de Nova York e anuncia o novo projeto de Alain Resnais em parceria com o escritor Alain Robbe-Grillet, que na ocasião ainda não tinha definido o nome do filme, se L’année dernière ou L’année dernière à Marienbad. Em seguida, avisa da pré-estreia de HMA na Cinemateca do MAM e diz que muitos críticos o comparam a Cidadão Kane por suas inovações. Na semana seguinte, em 25 de julho, escreve o artigo intitulado Franceses e Alemães dominam os cartazes com objetivo de anunciar o Festival realizado pela França Filmes. Diz que dois dos filmes presentes ao Festival vieram rotulados de obra- prima, são eles: HMA e Les quatre cents coups, sendo que a “qualidade excepcional do primeiro, há quase uma unanimidade entre os críticos dignos de nota”. Ely Azeredo diz que HMA provoca muitas interpretações e que alguns comentários chegam a ser “curioso e desconcertante”. Com objetivo de demonstrar isso, publica traduzido um trecho do artigo Hiroshima sans amour do Jean Collet, em que ele diz que a ciência de Resnais tortura a realidade pela alquimia da montagem112. Diz então, que é exatamente pelo tamanho da complexidade de HMA que a Universidade Livre de Bruxelas programou um seminário multidisciplinar em torno do filme. Azeredo termina dizendo:

Não sabemos quais os resultados, mas, apesar de sua complexidade, ‘Hiroshima’ é um grande sucesso de bilheteria.

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O trecho traduzido por Ely Azeredo é o seguinte:...torture la réalité, par l’alchimie du montage, jusqu’à ce que cette réalitté parvienne à un état d’extrême, d’insupportable complexité (...) A force de chercher des rapports subtils entre le passé et le present, l’ici et l’ailleurs, on atteint le point critique où tout sombre dans le néant de l’oubli. IN: COLLET, Jean.

No dia 27 de julho, Ely Azeredo publica Hiroshima, nosso terror no qual ressalta que o filme inquieta e provoca problemas para os críticos diários que não possuem espaço e tempo para uma análise mais criteriosa e, dos ensaístas exige muita pesquisa. Esse problema pode ser notado pelo “mal-estar” que muitos críticos se referem a HMA, “afirmando que é ‘tão difícil gostar como não gostar de Hiroshima’”. Apesar de não citar o nome do crítico que disse a frase, Ely Azeredo faz referência ao texto de Paulo Emílio Não gostar de Hiroshima. Em seguida, mais uma vez comenta o artigo de Jean Collet, mas agora reproduz as ideias do autor relativas ao fato de HMA ser um filme materialista, destituído de qualquer espiritualidade, onde o amor está ausente e é impossível de se alcançar. Curiosamente, Ely Azeredo ainda não havia assistido ao filme e diz, portanto não ter como opinar se são mesmo fundadas as críticas de Jean Collet, mas Azeredo comenta:

Se o genocídio é ‘normal’, se a civilização age normalmente ao ampliar e justificar a destruição de comunidades, superando os cataclismas da natureza, então a heroína de Resnais é, realmente um ‘monstro’ (o crítico chega a classificá-la assim) e seu comportamento vale um ingresso na eterna danação.

Após ficar no campo da suposição, Ely Azeredo reproduz trechos da entrevista de Marguerite Duras para Les Nouvelles Littéraires em que a escritora expõe o que considera ser a ideia central de HMA: “para viver é preciso esquecer”; e comenta a recomendação de Alain Resnais para o seu trabalho de escrita do roteiro.

Somente em sua coluna do dia 1º de agosto, com objetivo de tratar das exibições que estão ocorrendo no Rio de Janeiro, promovidas por dois Festivais, o italiano e o francês113, que Ely Azeredo tece comentários próprios sobre HMA,

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mas avisa tratar-se de uma primeira visão. Apesar dessa advertência ao leitor, Azeredo classifica, já de início, que o filme é “genial” e completa:

Sua real contribuição, porém, não pode ser demarcada com uma única visão, porque Resnais invade os domínios da literatura e das angústias do homem moderno de uma maneira tão audaciosa quanto desconcertante. É um filme que choca, confunde, irrita às vezes, e, como a literatura de Faulkner, repele a penetração do espectador comodista. Recusa-se a ser ‘bonzinho’, simpático, ordenado e narrativo. Um filme, como um poema, pode ser um mistério. ‘Hiroshima’ tem essa qualidade. Exige do espectador: ‘Decifra-me!’. Mas antes o devora. Pelo menos foi o que aconteceu conosco na primeira visita.

Em seguida, Ely Azeredo comenta mais uma vez que o filme coloca uma grande dificuldade para o crítico, sendo enfático nesse sentido.

É um desses filmes que põem a nu as limitações da crítica normal, que exigem as liberdades de tempo e técnica e espaço ensaísta. É imprescindível, para qualquer análise menos superficial, a operação de ‘distanciamento’, que entra em choque com a urgência do trabalho jornalístico. Vamos vê-lo e revê-lo várias vezes, aproveitando a oportunidade do ‘rodízio’ que o Festival da França Filmes está fazendo em vários cinemas.

Mas, se para o crítico, HMA “põem a nu as limitações” da própria crítica, o que dizer então do espectador. Ely Azeredo comenta que assistiu HMA no cinema Pathé e que a plateia presente se comportou muito bem diante de um filme que exige muito dela. Acredita que esse comportamento do público está ligado ao bom trabalho da crítica jornalística feita no Rio de Janeiro, além de refletir um respeito pelo cinema produzido na França. E se justifica:

Porque o filme desafia o que há de mais primitivo no ‘grande público’: a baixa malícia; a revolta ante o que não é facilmente compreensível: o instinto de autoproteção ante a

manifestação do absurdo, do dantesco. Do desconhecido; a ânsia de ‘seguir uma história’: tendência a identificar-se com um ou mais personagens.

Ao final de seu comentário, Ely Azeredo dá o serviço do filme, dia da exibição e o cinema e, no que diz respeito à classificação de 18 anos comenta: “o filme é desaconselhável, sem qualquer dúvida, a toda pessoa ‘impressionável’”. Ely Azeredo é um dos poucos críticos que expressa muito claramente os limites impostos pelo filme ao trabalho do crítico e não apenas ao espectador como o fez, por exemplo, Cláudio Mello e Souza. Mas, no caso dos problemas apresentados por Ely Azeredo em relação à dificuldade do público ante a HMA, poderiam muito bem traduzir o incômodo da própria crítica que não encontra em HMA uma referência no cinema, transitando, portanto no campo “do desconhecido”.

Em seu próximo artigo, Ensaio em fita para o apocalipse atômico de 29 de agosto, Ely Azeredo comenta que quando HMA surgiu fora da competição oficial do Festival de Cannes, Alain Resnais era um desconhecido do grande público, embora já respeitado e visto em cineclubes e cinematecas por seus curtas-metragens. Isso serve para falar que o tema da memória e esquecimento foi recorrente em seus curtas Nuit et Brouillard e Toute la mémoire du monde, e que apesar de ser um cineasta premiado chega ao longa-metragem com 37 anos de idade.

Ely Azeredo acredita que o sucesso internacional de HMA tem a ver com o surgimento de um público apto a receber novas mudanças e que o filme vem “na crista da ‘nova onda’ francesa e parece suficientemente forte para sobrenadar ‘ondas’ futuras”. Ely Azeredo, quando fala em ‘nova onda’, se refere à Nouvelle Vague. Ele tentou traduzir o nome do movimento em seus comentários, mas não surtiu efeito entre os críticos que preferiram continuar utilizando-o em francês. Essa parece ser uma preocupação de Ely Azeredo que pode ser notada ao traduzir para o português os trechos de artigos franceses que cita, prática pouco comum entre seus pares.

Ainda nesse artigo, Ely Azeredo diz que HMA não encontra referência no cinema corrente, como alguns críticos tentam encontrar em cineastas como Antonioni, Welles e Eisenstein e, para Azeredo, nem mesmo no cinema de vanguarda, como em L’âge d’or, por exemplo. Para Ely Azeredo:

A originalidade de ‘Hiroshima’ parece derivar principalmente de influências literárias: - Joyce, Faulkner, Proust. Resnais é muito ligado a certas personalidades do ‘Novo Romance’ francês: seu próximo filme tem Robbe-Grillet no roteiro; outro projeto o relaciona com Cayrol.

O que não é possível, dadas as informações disponíveis, é considerar Resnais o único autor do filme. Ele deixou todo o crédito do roteiro com Marguerite Duras, embora tenham trabalhado em colaboração. Mas a romancista escreveu com grande liberdade a partir de certas ideias-alicerces de Resnais.

Apesar de Ely Azeredo relacionar o trabalho de Alain Resnais ao movimento literário Novo Romance, ele não indica qualquer relação de Marguerite Duras com o movimento e também não comenta nada sobre o estilo da escritora. Informa apenas que Duras é autora do romance Barrage contre le Pacifique que René Clément transformou em filme. Em seguida, relativiza o papel do diretor como único autor da obra, justamente por não assinar o roteiro do filme, demonstrando não estar fechado com a proposta da política de autor da Nouvelle Vague. Ely Azeredo procura então encontrar o que chama de “enigma de Hiroshima”, descrevendo os possíveis temas propostos pela escritora, que o conduz ao seguinte comentário:

Mas além do amor, além da guerra, o tema essencial do filme, seu argumento abstrato é o olvido: ‘não podemos narrar o olvido, mas somente o drama de não alcançá-lo’. A verdadeira aventura é, no fim das contas ‘um combate duvidoso entre a memória e o olvido’.

Em seguida tece comentários sobre a boa atuação de Emmanuelle Riva e Eiji Okada e informa quem assina a música, fotografia e montagem de HMA. Ely Azeredo encerra seu artigo com os cinemas que o exibem no Rio de Janeiro.