• Nenhum resultado encontrado

O FILMEO FILME

O FILME

O roteiro e diálogos de Marguerite Duras, publicado em 1960 pela editora Gallimard33, é dividido em cinco partes e um anexo intitulado “As evidências noturnas – notas sobre Nevers”. Esse critério foi o mesmo adotado por Sylvette Baudrot na organização de seu trabalho como continuísta, criando um caderno para cada ato do filme, como denominou as cinco partes. Apresentamos

33

aqui um resumo da ação em cada uma dessas partes34. Os créditos iniciais são expostos sobre a imagem do “Champignon de Bikini”35.

Parte I (cena 1 a 200)

Plano próximo de dois corpos nus se abraçando. A imagem é pouco legível, os corpos estão envoltos em um material arenoso, como a poeira gerada pelos destroços deixados pela bomba atômica, que aos poucos vão se transformando em suor, o que torna a imagem mais definida. Trata-se de dois amantes, ouvimos em off a voz do homem que diz: “Tu n’a rien vu à Hiroshima, rien”. Uma voz de mulher, também em off, contesta a afirmação do homem e apresenta uma série de exemplos de tudo que ela teria visto em Hiroshima: museu, hospital, extratos de filmes de atualidades e de reconstituição da catástrofe que a bomba atômica causou em Hiroshima. Essas cenas são intercaladas com imagens dos corpos dos amantes na cama do hotel. A fala da mulher assume o tom de um monólogo, pontuado pelas intervenções do homem que afirma: “Tu n’as rien vu à Hiroshima. Rien.” Durante todo esse tempo não vemos os rostos dos personagens. Eles permanecem anônimos. Apenas corpos abraçados. Há uma correspondência entre os fragmentos dos corpos dos amantes

34

Uma decupagem completa pode ser encontrada na revista Cinéma. L’avant scène. Spécial Resnais, nº 61/62, jul-set. 1966.

35

Trata-se do atol de Bikini localizado no Oceano Pacífico. O atol fez parte do programa de testes nucleares desenvolvido pelos EUA, que no local lançou mais de 20 bombas de hidrogênio e nucleares entre julho de 1946 e 1958.

enquadrados em planos próximos, com o plano que mostra o corpo de um mutilado, vítima dos efeitos da bomba.

Após um longo travelling pelas ruas de Hiroshima, segue-se um plano em que a face dos dois amantes nos é revelada. Eles falam de suas vidas no fim da guerra em tom bastante descontraído.

Parte II (cena 201 a 235)

Pela manhã, a mulher toma um chá na varanda do apartamento e, ao retornar ao quarto, observa seu amante japonês na cama, deitado de bruços com o braço estendido, o que a faz rememorar a presença do corpo de seu grande amor que fora assassinado. O plano-detalhe da mão de seu amante funde-se com o plano da mão do seu amante alemão.

Após esse flashback, eles tomam banho juntos e conversam divertidamente. A mulher aos poucos vai se tornando mais inquieta, ele diz que é arquiteto e faz política e ela explica que está na cidade atuando em um filme sobre a paz e que retornará a Paris no dia seguinte. Nesse momento, é ele que muda o tom e apela por mais uma noite, ela diz não, sem justificativa. Os dois saem do quarto e caminham pelo corredor do hotel, ele demonstra curiosidade sobre a cidade de Nevers, ela diz que jamais retornará a Nevers e confidencia-lhe que nessa cidade ela havia sido jovem, realmente jovem. Essa declaração aguça ainda mais a curiosidade do seu novo amante que, agora, não quer mais apenas uma noite, precisa de mais tempo para melhor conhecê-la. Na entrada do hotel, ele insiste novamente para que ela permaneça por mais tempo na cidade, ela diz não. Um carro da produção do filme chega para buscá-la, ela entra no carro.

Parte III (cena 236 a 337)

Ele a encontra no local das filmagens. Ela descansa e a produção filma uma manifestação contra a bomba atômica. A mulher cede vacilante à insistência do amante e vai com ele até sua casa. Ele explica a ela que sua mulher está de férias com os filhos. No leito amoroso, ela confia a ele o seu segredo de juventude em Nevers: viveu o mais intenso amor com um soldado alemão que morreu durante a guerra.

As visões do passado se alternam com a imagem dos amantes no quarto. Ela pergunta a ele o motivo de seu interesse por Nevers e ele responde que escolheu Nevers para conhecê-la. Ela prepara-se para deixar a casa dele, fusão com imagem do rio Ota.

Parte IV (cena 338 a 417)

Imagens do rio e de pessoas em sua margem ao entardecer. À noite, em um bar, ela prossegue narrando sua história em Nevers, conta que ficou reclusa por um tempo em um porão da casa, do seu estado de loucura, da sua permanência em silêncio, das humilhações sofridas e de sua partida a Paris.

As imagens de Nevers acompanham a narrativa, sempre alternando com a imagem do casal na mesa do bar. Ele passa a falar como se fosse o amante alemão. A lembrança submerge progressivamente até o pânico. Uma bofetada do japonês a tira do seu passado e a faz retornar ao tempo presente. Um pouco mais calma, ela retoma a narrativa. Ele pergunta se o marido dela conhece essa história, ela responde que não. Ele fica feliz em saber que é o único a conhecer o que ela viveu em Nevers. Eles saem do bar. Ela lhe pede para se afastar, ele recua.

Parte V (cena 418 – FIM)

Ela retorna ao hotel, sobe as escadas em direção ao seu quarto, abre a porta, mas resolve dar meia volta. Ao descer as escadas, retorna novamente em direção ao quarto, mas ainda vacilante. Em seu quarto, vai até o banheiro, joga água no rosto e fala sozinha em frente ao espelho, ainda muito atordoada. Ela sai novamente do hotel e retorna ao bar, que se encontra fechado. Ele aparece. Ela inicia uma longa caminhada pelas ruas de Hiroshima, sempre seguida à distância por ele. As imagens das ruas de Hiroshima se misturam às imagens das ruas de Nevers, as lembranças recomeçam.

Ela entra em uma estação de trem e se senta em um banco. Ele aparece e senta no mesmo banco, entre eles há uma senhora idosa. Ela está absorvida pela lembrança de Nevers. Ele troca algumas palavras com a senhora. Ela resolve partir e entra em um taxi. Ela desce do taxi em frente à boate Casablanca. Ele chega em seguida. Dentro da boate ela senta em uma mesa e ele em outra, e a observa de longe. Um rapaz japonês que se encontra no local a aborda e senta em sua mesa. Eles trocam olhares. O rapaz lhe dirige algumas palavras, mas ela nada responde. O dia está amanhecendo.

Após uma elipse, ela está em seu quarto de hotel, ele bate à porta e ela permite que ele entre. Ela chora e grita dizendo que o esquecerá. Ele se aproxima, a pega em seus braços firmemente. Ela, olhando para ele fixamente, diz: HI-RO- SHI-MA é o teu nome. Ele responde: Teu nome é Nevers. Ne-vers-na-Fran-ça. Fade out sobre o olhar dele. FIM.