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Cláudio Mello e Souza Cláudio Mello e Souza Cláudio Mello e Souza

Cláudio Mello e SouzaCláudio Mello e Souza

Cláudio Mello e Souza

Cláudio Mello e Souza, crítico diário do Diário Carioca, escreveu dois artigos específicos sobre o filme de Resnais, Hiroshima, meu amor (I) e (II), ambos anteriores à exibição comercial do filme no Rio de Janeiro.

No artigo Hiroshima, meu amor (I) de 23 de julho de 1960, Cláudio Mello, aos moldes dos artigos de Antonio Moniz Vianna, traz no cabeçalho de sua coluna a ficha técnica do filme. Inicia seu artigo comentando o problema que o filme de Resnais coloca para a crítica, pois acredita que estar diante de HMA é o mesmo que estar “diante de um enigma do qual só uma parte é solucionável”.

O rompimento total de um esquema, e até mesmo de uma estética, coloca-nos numa posição crítica bastante precária. Para que se analise o filme do diretor Resnais temos que enfrentar um verdadeiro corpo-a-corpo de resultado imprevisível.

Para Cláudio Mello esta dificuldade se encontra no fato de HMA ser “um poema dramático ilustrado”, e é justamente isso que caracteriza o maior “defeito” e ao mesmo tempo o “poder expressivo da obra”. No seu entendimento, Resnais parte da guerra para estruturar o problema amoroso do filme - do geral para o particular como formula a teoria de Kierkegaard. Nesse sentido, acredita que antes de falar propriamente da questão amorosa presente ao filme é necessário se ater ao “motivo”. Para apresentar o “motivo”, Cláudio Mello utiliza como exemplo a cena inicial dos dois corpos dos amantes abraçados que se relacionam com as

cenas do episódio da bomba atômica em Hiroshima. Nesse momento, o que se tem é a presença de dois seres humanos com suas lembranças: “é necessário que o homem não esqueça Hiroshima para que não se repita Hiroshima”. Aqui está o episódio político introduzido por Resnais e aonde o filme apresenta um sentido mais definido, mas é também nesse ponto que o diretor mostra não ter se desligado do curta-metragem, pela linguagem documental utilizada.

Ainda nessa primeira parte do poema dramático ilustrado, mostra suas primeiras deficiências que residem no fato de a imagem não complementar nem reforçar a narração, mas de obviar-lhe o sentido, enfraquecendo sua carga expressiva. Quando descreve o que sucedeu em Hiroshima depois do lançamento da bomba atômica, a câmera mostra os ferros retorcidos que a narração já se tinha incumbido de trazer ao espectador. Sem o contra-ponto de imagem e palavra o filme começa a se desgastar. Ainda aqui a técnica do curta- metragem se faz presente, em sua forma mais limitada. Para Cláudio Mello é nessa primeira parte que Resnais mostra as suas “deficiências”, o que o faz concluir que “a redundância da identificação áudio- visual” torna-se insuportável, até o ponto em que “não se sabe se essa obra genial é para ser amada ou odiada”. Esse trecho está entre as críticas selecionadas pelo departamento de publicidade da França Filmes para o material promocional de HMA, como citamos anteriormente.

É dentro desse universo de indefinição que Cláudio Mello continua a desenvolver sua análise em Hiroshima, meu amor (II), publicado no dia seguinte. Logo de início comenta que se a característica do cinema for uma criação de um tempo e um espaço, então, o filme de Resnais é “seguramente, um dos pontos altos da sétima arte”.

Essa afirmação está assentada na constatação de que pela primeira vez no cinema o flashback tem “o poder de estar presente”. Ao abandonar o uso da fusão como transição de cenas do presente para os acontecimentos do

passado, Resnais faz a ação continuar, utilizando outros elementos para deixar claro que houve uma transição.

Para melhor configurar o caráter de lembrança, Resnais coloca o objeto lembrado – o soldado alemão – quase sempre em posturas imóveis, ou visto desde grandes planos de conjuntos, rápidos e quase indecifráveis como o próprio mecanismo da memória.

Para facilitar o seu trabalho crítico, Cláudio Mello divide o filme em duas partes. Na primeira parte o amor está preso à lembrança da mulher sobre os acontecimentos que assolaram a cidade de Hiroshima. Aproveita aqui para lembrar do caráter documental dessa primeira parte e ainda para informar ao leitor que as cenas que Resnais utiliza para mostrar o horror atômico foram extraídas do filme do cineasta japonês Hideo Sekigawa110.

Já na segunda parte o que existe é uma subordinação do amor que a personagem vive no presente ao amor que viveu no passado. O amante japonês existe através do amante alemão. O martírio da lembrança sentido pela mulher, que não dissocia um do outro, é associado ao martírio de Joana d’Arc no filme do cineasta Dreyer111.

Mas a lembrança se dissolve, é perecível. E a partir dessa dissolução os dois amantes ganham sua condição presente, carregadas dos símbolos do amor e da guerra, de Nevers e de Hiroshima. É então que o diretor Resnais perde o controle de sua obra. A nova medida tempo-espacial se dilui e, perdendo o caráter semi-documental, transforma-se em um masóquico drama de amor.

Para finalizar, Cláudio Mello, dentro do quadro de indefinição que caracterizou sua análise, conclui que “Hiroshima, meu amor não pode ser

110 Alain Resnais utilizou em HMA imagens do filme Hiroshima (1953, Hideo Sekigawa) e Children of Hiroshima (1952, Kaneto Shindô).

111

resumido em um bom ou mau. É uma obra genial, irritante, por vezes, que ficará na história do cinema como um dos seus momentos mais importantes, porque mais revolucionários”. Admitindo a confusão que suas conclusões possam vir a causar no leitor, diz que pretende continuar tentando esclarecer ao público, quando o filme entrar em cartaz.

No dia do lançamento comercial do filme, 30 de agosto de 1960, Cláudio Mello em sua coluna comenta sobre a excelente semana que virá proporcionada pela exibição de três filmes: HMA; Abismo de um sonho e A hora Final. Sobre HMA lembra aos leitores que já tentou uma análise em artigos anteriores, em que procurou “encontrar, pelo menos, suas constantes definidoras” e prossegue dizendo que:

Uma delas a absoluta necessidade da lembrança como a condição fundamental de harmonia. Muito ainda teria que se falar e estudar em Hiroshima, meu amor de Alain Resnais, filme imperfeito com, pelo menos, uma boa meia-hora de grande cinema.

Termina seu artigo aconselhando o leitor para que não perca a oportunidade de ir ao cinema, momento raro e deve-se aproveitar, “antes que atravessemos, como é habitual, os longos períodos de saturação comercial e de mediocridade importada ou produzida aqui mesmo”.

No artigo seguinte, do dia 1º de setembro, Cláudio Mello escreve “Hiroshima e o público”. Nesse trabalho lembra novamente que já tentou por duas vezes em sua coluna uma análise do filme, mas “a cada vez que se assiste ao filme de Resnais vemos o quanto existe ainda para ser analisado, pesado e medido.” Comenta que já o assistiu por três vezes e ainda assim lhe guarda um segredo. A dificuldade em compreender o filme de Resnais é o que o faz constatar que a relação do filme com o público não é das melhores.

Sua relação com o público – e isso se constata facilmente – é impossível de se estabelecer em bases normais de

comunicação do cinema. O nível médio de ‘cultura’ cinematográfica está muito aquém do filme. Por romper com diversas tradições, convenções problemas, com as quais o espectador encontra-se familiarizado, Hiroshima, meu amor é um diálogo que não se consome.

Por isso acredita que HMA tenha sido um desastre de bilheteria. O público não tem “cultura” para assimilar a novidade, além do texto de Duras e a forma escolhida por Resnais estarem sob “bases inacessíveis”. Motivo suficiente para que seja um fracasso de bilheteria.

E isso coloca mais uma vez em discussão o problema industrial do cinema como limitação de seu objetivo cultural e estético. Hiroshima, meu amor é, de certa forma, a situação limite do cinema indústria. Mais do que talvez o fora Cidadão Kane que já, hoje em dia, pode ser visto pelo público mais familiarizado, com maior clareza. Mais o filme de Resnais, representa hoje, o que de Welles representou quando de sua primeira apresentação: o rompimento total com a convenção. Com esse artigo, Cláudio Mello encerra seu trabalho de análise sobre HMA, não cumprindo a promessa que fez aos seus leitores de retomar os temas abordados nos dois primeiros artigos. Em nenhuma de suas análises faz referência a comentários de outros críticos sobre o filme, seja brasileiro ou estrangeiro. No entanto, finaliza seu último artigo um pouco na linha de José Lino Grünewald, José Sanz, Maurício Gomes Leite e até de Paulo Emílio, ao considerar que HMA rompe com a convenção. Mas Cláudio Mello coloca mais um ingrediente, HMA como “situação limite” para o cinema industrial, ideia que não chega a desenvolver. Por outro lado, entendemos que essa ideia pode também ser estendida ao trabalho da crítica do período, inclusive ao próprio Cláudio Mello, que em seu percurso de análise por várias vezes colocou sua dificuldade em analisar HMA, o que demonstra que HMA coloca também em “situação limite” as bases de então do trabalho da crítica cinematográfica.