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Hiroshima Mon Amour no Brasil

A primeira exibição de HMA no Brasil aconteceu em 24 de janeiro de 1960 às 10h30 no Cine Art-Palácio na cidade de Belo Horizonte, como parte integrante da programação da II Jornada dos Cineclubes Brasileiros, co- patrocinada pelo Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CECMG). A cópia de exibição era com legendas em espanhol e, segundo José Haroldo Pereira, essa foi a primeira exibição na América Latina. Posteriormente o filme teria as legendas traduzidas para o português pelo crítico carioca José Sanz45.

No Rio de Janeiro, HMA iniciou sua trajetória de exibição com uma avant-première na Cinemateca do Museu de Arte Moderna em 20 de julho de 1960. No dia 28 de julho de 1960, como parte da programação do Festival França Filmes, foi lançado simultaneamente nos cinemas Pathé, Riviera, Para Todos, Mauá e Jussara. Dos filmes que faziam parte dessa programação estão: Os Libertinos (Les Dragueurs, Jean-Pierre Mocky, 1960, 78min); Os incompreendidos (Les quatre cents coups, François Truffaut, 1959, 93min); Os Primos (Les cousins, Claude Chabrol, 1959, 112min); Águia Indomável (Normandie-Niémen, Jean

45 Essa informação de que José Sanz traduziu as legendas para o português foi obtida através do artigo “Esperando Hiroshima” de Paulo Emílio Salles Gomes (Suplemento Literário d’ O Estado de S. Paulo, 25 jun. 1960) e confirmada por José Haroldo Pereira em entrevista à autora. José Sanz em nenhum de seus artigos cita tal empreitada.

Dréville e Damir Vyatich-Berezhnykh, 1960, 120min); A Ponte (Die Brücke, Bernhard Wicki, 1959, 105min); Arquimedes, o vagabundo (Archimède, le clochard; Gilles Grangier, 1959, 76min). Em circuito comercial HMA recebeu a classificação de 18 anos, entrando em cartaz no dia 30 de agosto de 1960 em cinco cinemas (Pathé, Riviera, Para Todos, Mauá e Grill), permanecendo até o dia 12 de setembro.

Figura 2: Box promocional veiculado nos principais jornais cariocas em 28 ago. 1960.

Durante esse período, apenas dois filmes brasileiros encontravam-se em cartaz nas redes exibidoras do Rio de Janeiro - Tudo legal (1960, 102min), direção de Victor Lima, comédia produzida por Herbert Richers, com Ronald Golias, Jô Soares, Jece Valadão; e, Cidade Ameaçada (1959, 110min), drama policial dirigido por Roberto Farias, ganhador de vários prêmios nacionais, com Jardel Filho, Reginaldo Faria e Eva Wilma. Os filmes estrangeiros em lançamento eram: A Hora Final (On the beach, Stanley Kramer, 1959, 134min); Abismo de um sonho (Lo Sceicco Bianco, Frederico Fellini, 1952, 92min); Tragédia num espelho (Crack in the mirror, Richard Fleischer, 1960, 97min); Os três mosqueteiros e meio (Los tres mosqueteros y medio, Gilberto Mertínez Solares, 1957, 100min); Nus como Deus os Criou (Nackt, wie Gott sie Schuf, Hans Schott-Schöbinger, 1958,

93min); A Coragem (Il Corraggio, Domenico Paolella, 1955, 95min); Fibra de Herói (Buchanan Rides Alone, Budd Boetticher, 1958, 78min).

Em São Paulo, HMA foi exibido comercialmente em 11 de outubro de 1960, permanecendo em cartaz por apenas uma semana, até o dia 17 de outubro em uma única sala, o Cine Jussara no centro da cidade. As estreias da semana foram: Os estranguladores de Bombain (The Stranglers of Bombay, Terence Fisher, 1960, 80min); A morte vem do espaço (La morte viene dallo spazio, Paolo Heusch, 1958, 82min); A corrida da Morte (Speed Crazy, Willian J. Hole Jr., 1959, 75min); A Rua das mulheres Perdidas (Die Straße, Hermann Hugelstadt, 1958, 92min); A Batalha para a bomba atômica (La bataille de L’eau Lourde, Jean Dréville, 1947, 107min); De repente no último verão (Suddenly last Summer, Joseph L. Mankiewicz, 1959, 114min); e o filme brasileiro Cidade Ameaçada.

Em Belo Horizonte, apesar de ter sido a primeira cidade do Brasil a exibir HMA, o filme entrou em cartaz comercialmente somente no dia 17 de outubro de 1960 no Cine Art-Palácio. Obedecendo a critérios comerciais da época, os filmes tinham seus lançamentos programados em primeiro lugar para o Rio de Janeiro, depois São Paulo, em seguida Belo Horizonte e posteriormente o restante do Brasil. Diante da imensidão de nosso território, HMA teve estreias programadas durante o ano de 1961 e 1962, como nos casos de Porto Alegre, projetado pela primeira vez no dia 1 de outubro de 1961 e na cidade de Natal, onde somente será exibido em 1962.

Com relação a público e permanência em cartaz, não tivemos como quantificar o desempenho da bilheteria de HMA no Brasil, já que não encontramos o menor registro desse tipo de informação nos arquivos brasileiros. Cláudio Mello e Souza no artigo intitulado Hiroshima e o público (Diário Carioca, 1º de setembro de 1960) trabalha com a ideia de que HMA é muito difícil para o espectador, por representar “o rompimento total com a convenção”, do mesmo modo que Cidadão Kane foi à época de sua exibição. Por este motivo ele sentencia:

Acredito que o filme seja um dos maiores desastres de bilheteria dos últimos tempos, em que pese a propaganda a que veio cercado. O filme contraria o público, o agride, o aborrece, cria-lhe problemas de toda a ordem, e tudo em um sentido positivo.

E é ainda mais pessimista:

Não fora a obrigação contratual e talvez ‘Hiroshima’ viesse a ser retirado de cartaz antes de completar a semana habitual de representação. Isto é uma especulação que pode muito bem ser verdadeira.

Apesar do prognóstico do crítico do Diário Carioca, podemos considerar que HMA alcançou um público expressivo no Brasil, principalmente em se tratando de um “filme de arte” e fora dos padrões a que os espectadores estavam habituados a assistir nas salas de cinema. Glauber Rocha em seu artigo O Processo Cinema (Jornal do Brasil, 6 de maio de 1961) comenta o desempenho do primeiro filme de Resnais na América do Sul, classificando a bilheteria como “fantástica”.

Contou-me o Sr. Charles Malandra, supervisor da França Filmes na América do Sul, que não tinha a menor esperança em Hiroshima, Mon Amour. A bilheteria foi fantástica. É para perder dinheiro, por acaso, que produtores franceses gastam agora, permitindo, a Alain Resnais e Robbe-Grillet uma brincadeira em determinado castelo da Áustria?

Paulo Emílio sugere em seu artigo A pele e a paz46 que o bom desempenho atingido pelo filme na França se deve ao fato do espectador rever a fita mais de uma vez. Acreditamos que no Brasil isso também tenha ocorrido. No caso dos críticos, vários dizem ter assistido ao filme muitas vezes e, José Haroldo Pereira, por exemplo, confessa que o assistiu mais de 40 vezes, por outro lado,

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ele acredita que a boa carreira do filme no Brasil se deve, sobretudo ao trabalho da crítica, fundamental para mantê-lo em cartaz por mais tempo. Embora não existam estudos dedicados a procurar os efeitos das críticas cinematográficas no processo exibidor, sabemos que a partir da década de 50, a crítica cinematográfica consolida seu espaço nas mais diversas publicações como importante instrumento de formação de opinião.

A Revista de Cinema (nº 3, julho-agosto de 1964) publica um debate cujo tema é Cultura Cinematográfica em Minas. Entre os assuntos tratados estava a relação da crítica com o público. Participaram desse debate os críticos mineiros Antônio Lima, Carlos Alberto Prates Correia, Cyro Siqueira, Flávio Werneck, Geraldo Veloso, Haroldo Pereira, Ronaldo Brandão e Ronaldo Noronha. Transcrevemos abaixo parte desse debate:

HP47 – As bases com que a gente conta para avaliar a reação do público são sempre precárias. O que há realmente é falta de tempo ou disposição para procurarmos um sistema, digamos, mais científico de verificar nosso grau de influência sobre os leitores.

AL – No entanto, pode-se afirmar que filmes como ‘A Aventura’, ‘Jules et Jim’, ‘Morangos Silvestres’, ‘Hiroshima meu amor’ e ‘Marienbad’ ficaram em cartaz unicamente graças à crítica.

RB – Quando a crítica fala mal não influencia em nada, mas quando elogia influencia.

CS – Que a crítica é lida, isso é indiscutível. Ela é seguida hoje mais do que nunca, graças principalmente à televisão, que oferece ao público a opção entre o cinema e a tranquilidade de ficar em casa. Antes a rotina era ir ao cinema, cinema barato e sem alternativa. Vocês se lembram que os cinemas em Belo Horizonte já estiveram mais cheios do que estão hoje. Hoje a crítica pode influenciar muito mais, porque o público escolhe o cinema antes de sair de casa. Mesmo não possuindo um “sistema” para medir o grau de influência da crítica, é possível afirmar que ela tenha exercido um importante papel no período.

No caso de HMA, a influência da crítica na permanência do filme em cartaz pode ter funcionado em Belo Horizonte, onde o filme permaneceu em cartaz por duas semanas, mesmo período do Rio de Janeiro. Já em São Paulo isso não se observa, o filme é exibido por apenas uma única semana.

O trabalho de divulgação de HMA no Brasil parece ter sido bem executado. O material promocional distribuído pela França-Filmes do Brasil S/A possuía quatro páginas tamanho ofício. Na primeira página constam às informações gerais, ficha técnica e sinopse, e termina com uma citação do crítico Alex Viany publicada na revista Senhor.

(...) Mas Hiroshima, marco de cinema, excedeu todas as expectativas: é obra para ser vista, revista e estudada, é um ‘filme de rompimento’, um quebra-cabeça de sutis intenções e sugestões que se não deixará deslindar à primeira vista48. A segunda página, dedicada à promoção propriamente dita do filme, sob o título “Hiroshima, meu amor, grande obra do cinema Francês”, discorre acerca das inovações empreendidas por Alain Resnais, destaca a montagem como elemento original e audacioso, “o passeio da câmara” para nos mostrar os efeitos da bomba atômica, a profundidade do texto de Marguerite Duras, a escolha dos intérpretes e o fato de ser uma história de amor. Esse último ponto parece ser uma das preocupações centrais do material.

Mas o filme de Resnais nos fala de amor, um amor total, verdadeiro... Sua película o enaltece quando a maioria dos cineastas o denegridem [sic].

(...)

Emmanuele Riva tem qualidades excepcionais de atriz e o contraste que produz com seu par (ela francesa; ele japonês) Eiji Okada é mais surpreendente e corrobora num dos principais motivos da existência de ‘HIROSHIMA, MEU

48 Esse trecho é extraído do artigo de Alex Viany intitulado Primeiros Apontamentos sobre Nouvelle Vague. Não se trata de um texto dedicado unicamente a HMA. Revista Senhor, Rio de Janeiro, jun. de 1960, p. 46-8.

AMOR’: FRENTE AO AMOR NÃO EXISTEM NEM LEIS NEM FRONTEIRAS.

O texto em destaque indica uma certa preocupação por parte da distribuidora em justificar o comportamento dos personagens que quebram a fidelidade conjugal e se entregam à experiência de um novo amor. Essa preocupação tem sua razão de ser, uma vez que algumas críticas negativas ao filme foram no sentido de questionar a conduta moral dos personagens.

A página se encerra com um breve currículo de Alain Resnais. A terceira página é composta por trechos de críticas de jornais franceses (Le Monde, Humanité, Combat, France Observateur, Le Canard Enchainé, Le Parisien) e brasileiros, além da relação de prêmios obtidos pelo filme. Transcrevo abaixo as críticas brasileiras.

A redundância da identificação audio-visual acompanhará todo o desenvolver de ‘Hiroshima, meu amor’ até chegar a um ponto insuportável, quando já não se sabe se esta obra genial é para ser amada ou odiada. (Cláudio Mello e Souza – Diário Carioca)

Alain Resnais é o maior realizador francês da atualidade, entre todos os papas da ‘nouvelle vague’. ‘Hiroshima, mon amour’ é uma demonstração de bom cinema, conforme o público verá quando ele lhe for apresentado, o que esperamos em breve. (Pedro Lima – O Jornal)

O que fascina também em ‘Hiroshima...’ é a sua feminilidade. Escrito por uma mulher (como não poderia deixar de ser) a sua essência é a frustração de um amor feminino que julga trair quando começa a esquecer. ‘O esquecimento começa pelos olhos...’ Do ponto de vista pacifista, o filme ainda é feminino no seu ódio contra os tabus que a guerra cria, na sua revolta contra o sacrifício absurdo da infância e da juventude. (Tati de Moraes – Última Hora)

Os três exemplos citados acima traduzem bem o objetivo da França- Filmes na escolha das críticas que compõem o material promocional. Elas

ressaltam Alain Resnais como um grande realizador e destacam a audácia da construção narrativa que pode chegar “a um ponto insuportável”. Observa-se uma preocupação em preparar o espectador para o “novo”, já que ele estava habituado aos padrões cinematográficos vindos de Hollywood.49

Dos pontos destacados pelo setor de publicidade da França-Filmes - críticas dos jornais franceses e brasileiros - apenas o trecho da crítica de Tati de Moraes apresenta um dado novo: o papel de Marguerite Duras na concepção do filme.

Na última página do material estão dois textos para divulgação do filme, com espaço destinado às datas das exibições e aos nomes dos cinemas que o exibirão. Os textos trabalham com ideias diferentes, como pode ser observado pelo título de cada um deles: “Hiroshima, meu amor, um filme sobre o amor...” e “Uma obra prima do cinema moderno”, um chama atenção para o conteúdo e o outro para as qualidades estéticas.

Esse material promocional, distribuído à rede exibidora e aos críticos, não pautava o trabalho de análise da crítica, que procura informações mais detalhadas nas revistas especializadas. O filme de Resnais é lançado no Brasil um ano depois de sua estreia nos cinemas franceses, o que permite um prévio conhecimento por parte da crítica brasileira das análises positivas e negativas recebidas por HMA no exterior.

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Elísio Valverde faz um balanço das exibições no ano de 1960 em Belo Horizonte e apresenta os seguintes dados: 229 de procedência norte-americana, 56 franceses, 41 alemães-ocidentais, 31 italianos, 30 brasileiros (alguns reprisados), 22 mexicanos, 20 ingleses, 11 japoneses, 8 espanhóis, 3 soviéticos, 2 gregos, 1 belga e 61 [filmes] foram relançamentos. [grifo nosso] IN: Revista de Cultura Cinematográfica, nº 22, jun. 1961.

Hiroshima Mon Amour