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I N TR OD UÇÃO

D esde que o homem adquiriu a capacidade de refletir sobre si próprio que a linguagem constituiu matéria do seu interesse. Refletir sobre si próprio significa adquirir um nível de consciência suficientemente desenvolvido que lhe permitiu fazer operações mentais de metarrepresentação simbólica do Universo. / A linguagem constituiu um dos veículos para o desenvolvimento destas aptidões, quer pela sua função de comunicação interindividual, quer pelo seu contributo para a organização de operações mentais.

É precisamente pela sua relação com os atos do pensamento que a lin­ guagem adquiriu o valor de estigma distintivo da espécie humana. N a tradição cultural judaico-cristã, a linguagem é um traço constitucional dado por D eus ao homem. N esta mesma tradição, são freqüentes os marcos culturais relacionados com a função da linguagem. E m primeiro lugar, foi tomada em consideração a forma como D eus e os humanos comunicavam, primeiro no paraíso como diálogo, mais tarde em forma de oração. É interessante o episódio bíblico da T orre de B abel, em que a intervenção divina no domínio da linguagem cria o desentendimento entre o's construtores. Interessante ainda é a forma como D eus, zangado com os homens, comunica mais tarde com Moisés, mas na forma escrita das T ábuas da Lei, como se a forma oral tivesse deixado de ser possível. D eus ouve a linguagem dos homens, mas não responde.

Assim se compreende que culturas de diversos domínios do pensamento se tenham dedicado ao estudo da linguagem. N a filosofia, encontramos importante capítulo a ela dedicado, que se subdivide em capítulos próprios dedicados a pro­ blemas diversos como a verdade, o significado dos atos da fala, a natureza dos

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nomes e a própria natureza da linguagem (veja, por exemplo, Martinich, 1996). N a psicologia clássica, a análise da linguagem teve papel de relevo, mesmo antes da emergência da neuropsicologia, registrando-se, todavia, ainda uma importante partilha de interesses pelas culturas dos diversos ramos da psicologia. Por últi­ mo, a lingüística desenvolveu-se como ciência autônoma, tendo na linguagem o seu objeto primordial de estudo.

Se olharmos agora, de forma mais focada, para a história dos eventos que conduziram o nosso conhecimento até as neurociências da cognição dos nossos dias, podemos dizer que a linguagem foi sempre o tema dominante da preocu­ pação. A frenologia, de F ranz Jo seph G all, começou por se preocupar com a função da linguagem falada que tinha sede num órgão sediado no lobo frontal (veja G all, 1796, e Combe, 1840). N a continuação dada a esta corrente do pen­ samento, B oulliaud, que afirmava que a linguagem falada tinha sede nos órgãos anteriores do cérebro e que, por isso, os considerava como o “órgão legislador da palavra”, convidou B roca para testar a hipótese da perda de linguagem na se­ qüência da lesão do órgão que a produzia (veja em Hécaen, 1972). Assim nasceu para a ciência o método de correlação entre as lesões cerebrais e as alterações cognitivas e comportamentais. D eve salientar-se, todavia, que esta idéia terá es­ tado sempre no pensamento dos homens da ciência. São conhecidos os papyrus de E dwin Smith que relatam observações clínicas de um médico militar do antigo E gito. Aí ficaram registradas as alterações da linguagem de um soldado que tinha sofrido uma lesão do cérebro. T ambém G aleno fazia referência às conseqüências das lesões do cérebro sobretudo nos seus escritos sobre a epilepsia. Não havia, porém, o cuidado de tentar localizar as regiões do cérebro que estavam lesadas, não havendo, por isso, bons mapas anatômicos nem tampouco explicações acei­ táveis sobre o funcionamento do cérebro. Uma das importantes contribuições de G all e de Spurzheim foi o progresso que promoveram nas técnicas do estudo anatômico do cérebro, orientadas por um modelo funcional que justificava tomar em atenção as diferentes formações anatômicas que o constituem. B roca tentou demarcar-se do movimento frenologista, que ao tempo era já motivo de crítica, e interpretou os seus achados no cérebro do doente Leborgne como uma nova teoria, mas não deixou de concordar com B oulliaud ao dizer que a sede (e não rirgân> rfa linguagem articulada estava no lobo frontal (B roca, 1861). E mbora B roca tenha ficado com o crédito desta descoberta, ela não nos parece realmen­ te da sua autoria, pois é o resultado de uma continuidade de que ele fez parte. Como Norman G eschwind veio a dizer um século depois. B roca deve ser celebri­ zado mais pelo fato de ter demonstrado a assimetria funcional dos hemisférios do que pela atribuição na função da linguagem ao lobo frontal (G eschwind, 1984). Curiosamente, foi o fato de afirmar que "fabunoj com o hemisfério esquerdo’’ que na altura foi mais contestado. Houve, em particular, um autor chamado M ark D ax, a quem se quis atribuir o crédito da descoberta. E ste autor tinha publicado um artigo em que associava os defeitos de linguagem resultantes de lesões cerebrais

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às alterações da motricidade do lado direito do corpo, mas não desenvolveu nenhuma explicação consistente para o achado. Pode-se dizer que se limitou a descrever um achado de observação: a associação de dois fatos clínicos.

D esde então, a afasia passou a ser assunto de discussão obrigatória de todos os neurologistas que pretenderam contribuir para a construção de uma teoria da função cerebral.

E mbora sem esquecer, e dar o respectivo mérito, aos autores do passado, importa agora compreender como deve ser feita a aproximação ao problema da linguagem e do cérebro nos nossos dias. Como tem acontecido noutros domínios do saber, compreende-se agora que o reducionismo que tanto contribui para o conhecimento de parcelas do universo deve agora ser substituído por uma apro­ ximação complexa tomando em linha de conta todos os fatores que potencial­ mente possam contribuir para a natureza do fenômeno que pretendemos estudar. Q uando falamos em complexidade, queremos dizer o tomar em linha de conta o maior número de fatores capazes de influenciar o assunto de que estamos a tratar. Assim, linguagem tem de ser entendida como forma de comunicação entre os homens que têm uma ontogênese e uma filogênese próprias, que serve múltiplos e limitados objetivos, que reveste várias formas de expressão e se pode manifestar em múltiplos contextos.

Podemos então começar por dizer que a linguagem surge na espécie huma­ na como resultado da evolução de múltiplos subcomponentes. É da convergência desses múltiplos fatores que sai o todo, sendo necessário identificar e compreen­ der esses constituintes. E stes conceitos vistos à luz dos conhecimentos modernos são a explicitação das regras propostas como leis por D arwin de que respigamos as palavras finais do seu livro A origem das espécies: ... “E stas leii, tomadas no seu sentido mais lato, dão: a lei do crescimento e da reprodução; a lei da hereditariedade, que quase implica a lei da reprodução; a lei da variabilidade'■> resultante da ação direta e indireta das condições da ex istência, do uso e da fa lta de uso; a lei da multiplicação das espécies de forma organizada a conduzir à Luta pela ex istência, e, conseqüentemente, à seleção natural que determina a divergência dos caracteres e a ex tinção das forma s nunca aperfeiçoadas. O resultado direto desta guerra da natureza, que se traduz pela fom e e pela morte, é, assim, o fa to mais admirável que podemos conceber: a produção de animais superiores" (D arwin,

1872). Cerca de um século depois, escrevia K onrad Lorenz: “... é indispensável admitir, para sa tisfaz er a lógica, que, como qualquer funçã o orgânica que normalmente su­ porta a sobrevivência, a aquisição (do comportamento) é realizada por estruturas orgânicas criadas no curso da evolução da espécie, sob pressão seletiva precisamente dessa necessidade de sobreviver” (Lorenz, 1974). Um dos métodos desenvolvidos e discutidos por Lorenz para dar solidez às suas experiências foi o da privação. T entava-se assim distinguir entre o que era determinado pela biologia da espécie e o que resultava da interação com o meio. N a história da linguagem, existem referências também a experiências deste tipo feitas não com o objetivo científico, mas com a finali­ dade de conhecer a verdadeira língua dos homens. E stas experiências, feitas no

antigo E gito, são referidas à laia de histórias e foram naturalmente inconclusivas. O mesmo se pode dizer dos relatos dos chamados meninos-lobo.

O caso mais recente em que o problema da privação é equacionado nos humanos é o de G enie, que foi publicado por Susan Curtiss (Curtiss, 1977). Aí se relata o efeito da privação social grave no comportamento de uma jovem de 13 anos. O caso passou-se nos E stados Unidos da América, dos nossos dias, no contexto de uma estrutura familiar patológica. Naturalmente, os efeitos não fo­ ram só no domínio da linguagem, mas em todos os aspectos do comportamento. E ntretanto ficou claro que a interação com o meio é indispensável para ativar as potencialidades geneticamente determinadas.

Hoje, ninguém põe em causa os princípios propostos por D arwin: o vo­ lume de conhecimentos adquirido no último século consolida a teoria e permite uma melhor compreensão do mundo desde os fenômenos mais visíveis do com­ portamento até a sua estrutura molecular. Vale a pena, nesta breve introdução, mencionar o livro recente de Stephen J a y G ould, infelizmente falecido ime­ diatamente a seguir à sua publicação. E na verdade uma referência obrigatória para quem se interessa pela teoria da evolução, e dele retiro uma citação, não científica, mas importante para o conhecimento da história da. humanidade: “de D arwin não tivejje exuttido, teríamod do/ rido tanto como dofreria a R enadcença dem o Moidéd

(de M iguel A ngelo) ou o último julga mento (da Capela S idtina )” (G ould, 2002). Q ue fator é que importa, pois, evocar da evolução das espécies para se conhecer hoje melhor esta função que nos ocupa e que parece ser única da espé­ cie humana? E m primeiro lugar, importa salientar que quando digo “parece ser única” estou a abrir porta para a crítica do senso comum sobre esta função. Cien­ tificamente, o que podemos dizer é que, com esta expressão fenotípica que todos conhecemos, a linguagem é, de fato, um atributo exclusivo da espécie humana. No entanto, encontramos fenômenos noutras espécies que constituem evoluções diferentes dos comportamentos originais e que hoje se começaram a compreen­ der. E bem conhecido o fato de algumas aves serem capazes de produzir sons que imitam palavras. Não se compreende bem a razão para este fato que parece ser um mecanismo adaptativo importante para a espécie, mas a verdade é que imitam os falantes humanos e produzem sons no contexto adequado. Por outro lado, encontramos noutras espécies comportamentos de comunicação sofistica­ dos, uns aparentemente determinados pelos genes, como ficou bem demonstrado no trabalho de Lorenz, no caso das formigas ou das abelhas, outros baseados em sistemas complexos de organização social e que constituem uma verdadeira cultura (van Schaik et al., 2003).

P ara além da observação do que se passa nos outros animais, importa também considerar a evolução da espécie humana por meio de múltiplos in­ dícios que os nossos antepassados foram deixando no terreno. Como salienta Previc (1999), a espécie humana na savana africana viu-se obrigada a mudar dé hábitos alimentares por causa da desertificação, passando de uma alimentação

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vegetal para uma alimentação carnívora. D esenvolveu, por isso, o hábito da caça e adaptou o seu organismo à ingestão de carne. Isso terá tido por resultado múltiplas modificações. E m primeiro lugar, foi necessário adaptar a postura, que ficou mais ereta, permitindo ver mais a distância — este sistema de visão a distância é independente daquele que suporta a visão no espaço imediatamente circundante ao corpo — era necessário identificar os animais alvos da caça. D e­ pois foi necessário adaptar a forma de caçar; para isso desenvolveu a corrida bípede e um original sistema de arrefecimento do corpo que não existe em mais nenhuma espécie. Isto permitiu-lhe caçar os outros animais por exaustão física. N a verdade, o homem é capaz de correr grandes distâncias sem descansar, o que não ocorre com os outros animais. Sendo a espécie humana organizada em sociedade, a caça foi integrada em atividade coletiva, sendo por isso objeto de comunicação. O gesto e a mímica facial, que terão sido as formas mais primitivas de comunicação, mostravam-se pouco eficazes para a comunicação a distância — embora fossem importantes formas de comunicação silenciosa eventualmente necessárias e que terão tido também a sua evolução simbólica. A postura ereta permitiu uma melhor relação entre a caixa torácica e os músculos da fonação, permitindo, assim, a produção de sons com maior altura. É interessante notar que a simultaneidade de desenvolvimento destas funções e a mudança da dieta justificam, possivelmente, que todos estes sistemas dependam do mesmo media­ dor químico, a dopamina, que estaria mais disponível no organismo por intermé­ dio do metabolismo da tirosina.

E xiste, por isso, um componente biofuncional da linguagem — os mecanis­ mos de articulação da fala — que é dependente da dopamina. Por essa razão se tem tentado tratar algumas alterações da linguagem, adquiridas por lesão cere­ bral, com fármacos que estimulam o sistema dopaminérgico (Albert et aí., 1998; Castro-Caldas, 2000). Se atentarmos ao exemplo que a natureza nos dá da dis­ função do sistema dopaminérgico nigro-estriado que constitui a D oença de Parkin- son, verificamos a mudança da postura, a alteração da marcha, a modificação dos sistemas de arrefecimento do corpo e a alteração da articulação vocal. Por outro lado, verifica-se também, nesta doença, uma modificação do comportamento no sentido do egocentrismo, o que faz pensar que também a dopamina participa nos sistemas neuronais que suportam a atividade social e as relações interpessoais, servindo por isso de fundo para o desenvolvimento da intenção comunicativa. Pode, assim, descrever-se um primeiro sistema primitivo que permite a articu­ lação de sons num contexto determinado e que parece ter uma representação cerebral integrada nas ligações nigro-estriadas que suportam algumas funções motoras, nomeadamente as relacionadas com as memórias procedimentais. Ao discutir os aspectos da fonologia, mais adiante, evocaremos este aspecto.

Pela análise dos instrumentos elaborados pelo homem primitivo, pode entender-se que o processo cognitivo que permitiu orientar a sua construção terá também servido para organizar essa motricidade sonora que constituía a

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linguagem no contexto de uma necessidade social comunicativa. O s gestos de fabricação dos instrumentos tornaram-se progressivamente mais precisos e efi­ cazes. Interessante é notar que, não sendo os instrumentos feitos pelo mesmo indivíduo, eles refletem identidade do processo de fabrico. Isso sem dúvida terá tido também expressão na identidade da produção dos sons vocálicos. A fabri­ cação de instrumentos, cada vez mais diversificada, e a memória dos processos de fabricação, são geradores de uma atividade mental particular baseada nas imagens visuais dos objetos e da sua relação com a somestesia, que, em conjun­ to, contribuem para a geração do movimento proposicional. T rata-se assim do estabelecimento de operações intermodais — neste caso vísuo-somestésicas — que virão a ter grande importância do arranjo neuronal do lobo parietal. Por outro lado, o desenvolvimento da sonoridade obrigou também a um fortalecimento de operações intermodais, agora entre a audição, a visão e a somestesia. E stas operações intermodais com o objetivo de servir o sistema motor originaram complexos mecanismos de conversão sobretudo sediados no córtex parietal (veja Cohen e Andersen, 2002).

A representação do mundo exterior em imagens evocáveis que constituíam experiências individuais possíveis de serem partilhadas pelos diversos indivíduos dos grupos deve também ser analisada por ter interesse para o tema que nos preocupa. Naturalmente, esses elementos individualizáveis do mundo constituem um agrupado de atributos dos quais faz parte o nome. Mas, ainda exclusivamen­ te do ponto de vista dos mecanismos adaptativos, podemos considerar que exis­ tiam elementos que foram necessários distinguir desde muito cedo. No universo, há elementos vivos e elementos não-vivos, elementos manuseáveis e elementos não-manuseáveis. Por outro lado, a necessidade de identificar indivíduos da mesma espécie, e depois cada um dentro da espécie, indispensável para as rela­ ções sociais, tornou necessário organizar um sistema próprio de descodificação de traços distintivos. Isto conduziu à organização categorial da semântica a que faremos referência adiante e que importa para o estudo de doentes com lesões cerebrais e afasia. Neste contexto, há que ter em linha de conta que a adaptação do cérebro a cada um destes problemas faz com que, para o processamento da informação, sejam recrutadas estruturas neuronais distintas. Assim, para a ques­ tão relacionada com os elementos vivos e não-vivos, interessa recrutar regiões do cérebro envolvidas na análise visual do movimento: se pensarmos nos instrumen­ tos manuseáveis, teremos que ter em linha de conta as regiões onde se processa o movimento necessário a essa manipulação e, finalmente, se estivermos a falar na identificação dos indivíduos, naturalmente será necessário recrutar as estruturas envolvidas no processamento da informação social salpicada de alguns aspectos relacionados com a afetividade e as emoções.

Importa considerar ainda a emergência das regras de relação entre os elementos fônicos que vieram a definir o léxico. D e acordo com Pinker (1999), há dois elementos a considerar na linguagem: palavras e regras. As regras são

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naturalmente o resultado de projeção do pensamento sobre o sistema lexical emergente. E ncontram-se palavras para exprimir relações entre as palavras e modificam-se as palavras na sua estrutura consoante a circunstância. Q uando a situação relacional entre dois elementos lexicais se pode generalizar a outras circunstâncias, o cérebro organiza uma regra. A regra vai, pois, emergindo como mecanismo de simplificação do sistema, mantendo-se todavia as exceções. De acordo com Pinker, quanto mais recente for o elemento da linguagem na sua aquisição pela espécie humana, mais provável será estar sujeito a uma regra. As exceções são características dos elementos mais antigos do sistema. Vale a pena salientar que, se tentarmos fazer a analogia entre o desenvolvimento da espécie e o desenvolvimento do indivíduo, neste aspecto em particular, verificamos que as crianças compreendem rapidamente a regra e têm tendência até a aplicar a regra a situações em que existe a exceção. Isto sendo, exatamente, a tendência que os mecanismos cerebrais têm para a simplificação dos processos.

Falta-nos referir o processo de descodificação auditiva dos sons da lin­ guagem. E ste é um processo complexo, que terá tido também a sua evolução na espécie, mas que dificilmente podemos seguir, pois dele não temos facilmente testemunho sensível. O princípio que consideramos fundamental, como muitos —•*# autores têm referido, é o da integração sensitivo-motora. Isto é, os falantes ouvem os sons da linguagem distintos do resto dos sons do mundo e individualizam-nos como comportamento imitável. É bem possível que os sons da linguagem da mãe sejam transmitidos já ao ouvido que se desenvolve na vida embrionária e que moldem desde cedo estruturas capazes de processar eletivamente essa informa­ ção. Sabemos que a audição na vida intrauterina está já a processar-se de forma a criar memórias. O trabalho de Hepper (1988), em que crianças Ln utero ouvi­ ram músicas que, posteriormente ao parto, vieram a preferir, revela exatamente a operacionalidade do sistema no processo de memorização. Sabemos depois que quando uma criança, nos primeiros meses de vida, inicia a sua própria produção sonora, ela a vai adaptando aos sons próprios da língua materna — ou do am­ biente que a rodeia. Tem havido múltiplas experiências que põem em evidência a capacidade adaptativa da criança aos sons que a rodeiam. Se, enquanto a criança vai produzindo os seus sons, colocarmos perto uma fonte sonora com característi­ cas determinadas, a criança tem tendência a aproximar as características das suas produções às das características do som que está a ouvir. T rata-se, pois, de um processp dinâmico adaptativo que a criança vai lentamente desenvolvendo.

O que se passa do lado da percepção do som tem sido estudado também por diversos autores e múltiplos pontos de vista. Pensamos que o trabalho de K uhl (1994) deve aqui ser mencionado. E sta autora tem-se dedicado ao estudo da aquisição da linguagem e descreve o enviesamento da percepção auditiva no sentido de privilegiar os sons da linguagem, no contexto de uma teoria que designa por “teoria do M agnete”. Significa isto que os fonemas constituem atractores dos sons que lhes são próximos e repulsores daqueles que lhes são