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Chama-se córtex cerebral a camada de substância cinzenta que reveste os hemisférios cerebrais. N a espécie humana, é uma região extensa, que con­ tém 20 bilhões de neurônios, ocupa cerca de 2000 cm2 e não é uma estrutura homogênea nem do ponto de vista estrutural nem do ponto de vista funcional. O córtex costuma ser dividido em grandes regiões, os lobos frontal, parietal, temporal e occipital (levam as mesmas denominações dos ossos que se lhes so­ brepõem), além da ínsula, uma região encoberta, localizada no fundo do sulco lateral ( F ig u r a 13 ) .

A maior parte da superfície cortical é constituída pelo chamado isocórtex, no qual se observam seis camadas de células, que são, de fora para dentro: ca­ mada molecular, granular externa, piramidal externa, granular interna, piramidal interna e das células fusiformes. E m outras regiões, o chamado alocórtex, o nú­ mero de camadas diminui e a organização torna-se diferente. Com base no exame dessas camadas, muitos mapas citoarquitetônicos do córtex cerebral foram cons­ truídos, sendo mais conhecida a classificação de Brodmann, que o dividiu em 52 áreas diferentes ( F ig u r a 14). Apesar de a organização em camadas ser muito evidente, é importante notar que, funcionalmente, os neurônios conectam-se numa organização colunar, que tem sido detectada em estudos eletrofisiológicos em diferentes áreas corticais.

Do ponto de vista funcional, o isocórtex costuma ser dividido em áreas de projeção (diretamente ligadas à sensibilidade ou à motricidade) e em áreas de associação. E ssas últimas ainda se subdividem em áreas de associação unimodais e heteromodais, conforme veremos a seguir* ( F ig u r a 14 ) . O alocórtex compreen­ de as áreas límbicas (lobo límbico e formação hipocampal), que são consideradas como mais antigas, do ponto de vista filogenético.

* N ota dos organizadores: As áreas corticais de projeção são também chamadas áreas primárias; as áreas de

BASES E S TR U TU R A IS D O S IS T E M A N E R V O S O

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D ivisão em lobos do córtex cerebral. A: acim a , visã o da face dorsolateral do hem isfério; em baixo: visão das faces medial e inferior do hemisfério. B: o lobo da ínsula, no inferior do hemisfério. (Reproduzido de Cosenza, R.M. (1 9 9 8 ). Fundamentos de N euroanatom ia, 2" ed. Editora Guanabara Koogan, RJ.)

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Fig. 14

Áreas do córtex cerebral. A: Face dorsolateral do hemisfério cerebral. B: Faces m edial e inferior do hemisfério cerebral. As regiões cifoarquitetônicas de Brodm ann são delim itadas por núm eros e sím bolos diferentes. Em cor rosa-claro: áreas funcionais prim árias. Em cor cinza: áreas secundárias. Em cor rosa-escuro: áreas terciárias. Em cor branca: áreas límbicas. (Reproduzido de Cosenza, R.M. Fundamentos de Neuroanatom ia, 2" ed. (1 9 9 8 ). Editora Guanabara Koogan, RJ.)

B A SES E S T R U T U R A IS D O S IS T E M A N E R V O S O

O córtex cerebral recebe conexões relacionadas com as diferentes moda­ lidades sensoriais, que chegam a ele por meio de relés talâmicos. Recebe ainda aferências modulatórias, vindas principalmente da formação reticular ou da substância inominada, situada na base dos hemisférios cerebrais. E xistem muitas conexões entre diferentes áreas do próprio córtex cerebral intra e inter-hemisfé- ricas, estas últimas fazendo-se principalmente por intermédio do corpo caloso e da comissura anterior. As conexões eferentes para outras regiões do SN C tam­ bém são numerosas, havendo fibras que partem para a medula espinhal, tronco encefálico, corpo estriado, tálamo, estruturas límbicas, etc.

D iferentes áreas do córtex cerebral têm diferentes conexões e funções. E mbora exista uma especialização de funções, não existem “centros” específicos para cada função, como se acreditava nos primórdios do estudo da função cere­ bral. As diferentes regiões conectam-se em sistemas funcionais integrados, que sustentam as chamadas funções corticais superiores, para as quais contribuem também estruturas subcorticais.

As áreas de projeção, ou áreas primárias, estão diretamente relacionadas com a motricidade ou com a sensibilidade. A á r e a m o t o r a p r im á r ia localiza-se no giro pré-central (área 4 de B rodmann). E ssa região dá origem aos tratos motores que se dirigem para a medula e o tronco encefálico. E stimulações elé­ tricas nesta região resultam em movimentos de partes do corpo situadas con- tralateralmente (o hemisfério esquerdo comanda os movimentos do lado direito do corpo, o inverso sendo verdadeiro para o hemisfério direito). As diferentes regiões do corpo estão representadas na área motora primária (diz-se que existe aí uma somatotopia), e nela pode-se delinear um “homúnculo motor" que tem face e mãos representadas de forma desproporcionalmente grandes em relação às dimensões que ocupam no corpo. Lesões na área motora primária acarretarão perda de movimentos complexos das porções distais dos membros, enquanto que a musculatura axial tem suas funções usualmente preservadas.

N a região do giro pós-central (áreas 1, 2 e 3 de B rodmann) encontra-se a á r e a s o m a t o s s e n s o ria l p r im á r ia (área somestésica), que recebe as informações sensitivas da metade contralateral do corpo, que aí chegam após um relé talâmi- co. N esta região também existe uma somatotopia, de forma análoga ao que se observa na área motora primária. Sua lesão altera a sensibilidade somática sob a forma de perda da discriminação de dois pontos, da grafestesia, com alterações no sentido da posição e astereognosia.

A á r e a a u d it iv a p r im á r ia localiza-se no lobo temporal (áreas 41 e 42 de B rodmann), aonde chegam fibras vindas do tálamo. Sons de diferentes freqüên­ cias são captados em diferentes regiões do córtex auditivo, dando origem a uma tonotopia. Como as projeções auditivas são também ipsilaterais e não apenas contralaterais, é rara a ocorrência de surdez por lesão cortical.

A á r e a v is u a l p r im á r ia está situada na área 17 de B rodmann, no lobo occipital, onde chegam as fibras trazendo informações originadas na retina com

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informações do campo visual contralateral, de uma forma organizada, de forma que cada ponto retiniano é representado em um ponto específico do córtex visual (retinotopia). Lesões nesta área levam à perda da visão na porção do campo visual correspondente.

Próximas às áreas primárias, observamos áreas de associação unimo- dais (secundárias), que são assim chamadas porque ainda estão envolvidas no processamento do mesmo tipo de informação que as áreas primárias, embora em um nível hierárquico diferente ( F ig u r a 14). As áreas unimodais recebem fibras das áreas primárias sensitivas ou, no caso da área de associação unimodal motora, enviam fibras para a área primária motora. As áreas unimodais levam informações específicas para o sistema límbico, que servirão para os processos de memória e emoção; para o córtex pré-frontal, onde serão importantes para a memória operacional, e para as funções executivas; para as regiões envolvidas com a linguagem; para o córtex temporal (envolvido no reconhecimento de obje­ tos); para o córtex parietal (relacionado com a atenção espacial) e para o córtex pré-motor (direção sensorial dos movimentos e praxias).

Ê importante lembrar que as áreas unimodais parecem estar envolvidas não só no processamento da informação, mas também no seu armazenamento.

O c ó r t e x u n im o d a l v is u a l ocupa regiões occipitais (áreas 18 e 19 de B rodmann) e temporais (áreas 37, 20 e 21 de B rodmann). É importante notar que existem muitas sub-regiões dentro do córtex unimodal visual, envolvidas no processamento de diferentes aspectos da informação visual. Pode-se considerar a existência de duas vias informacionais diferentes: uma dorsal, especializada em localização dos objetos visualizados — (where) e uma ventral, especializada na sua identificação — (wbat). Lesões mais ventrais podem levar à perda da capacidade de distinguir as cores (acromatopsia), e quando as conexões dessas áreas com as áreas da linguagem são interrompidas, à anomia para cores. Lesões bilaterais da face lateral do hemisfério (áreas 19/37 de B rodmann) podem provocar acine- topsia, uma incapacidade de perceber movimentos pela visão, embora permaneça a acuidade visual e a percepção de cores. A via ventral se ocupa da construção da forma dos objetos e padrões complexos, o que vai ser importante para o reconhe­ cimento de faces, objetos e palavras. Lesões na borda inferior do lobo temporal podem levar à prosopagnosia (incapacidade de reconhecer faces). Interrupção das conexões dessas regiões com as áreas límbicas podem acarretar uma incapa­ cidade de ligar emoção a essas sensações (hipoemocionalidade) ou incapacidade de armazenar novas memórias visuais (amnésia visual). Por outro lado, a via dorsal, que se dirige para o lobo parietal, está envolvida na atenção espacial, que vai ser importante para que objetos possam ser alcançados manualmente ou pela visão (lesões podem levar à negligência visual hemi-espacial, apraxia para se vestir e simultanagnosia (presente na Síndrome de B alint).

A á r e a u n im o d a l a u d it iva , localizada no lobo temporal (áreas 22 e 21 de B rodmann), também é constituída de múltiplas sub-regiões, e pode-se identificar

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os fragmentos de conhecimento que são específicos das diferentes modalidades, que assim podem tornar-se coerentes em termos de experiências, memórias e pensamentos. E ssas áreas não armazenam informações, mas permitem o acesso a elas, que estão distribuídas em outras regiões. As áreas heteromodais irão ama­ durecer em uma fase posterior ao desenvolvimento das áreas secundárias, e na espécie humana só estarão plenamente funcionando no fim da primeira década de vida.

A á r e a h e t e r o m o d a l t e m p o r o p a r ie t a l ocupa as regiões 39, 40 e parte da 7 de B rodmann. A região temporal é importante para o reconhecimento de faces, objetos e vozes (esses mesmos elementos já podem ser detectados generi­ camente nas áreas ummodais como sendo uma face, um objeto ou uma voz; o seu reconhecimento específico, no entanto, se faz somente na área heteromodal). A área heteromodal parietal posterior está relacionada com a praxia, a linguagem, a integração vísuo-motora, a geração de planos motores e a atenção espacial. Lesões localizadas à esquerda podem causar anomia, alexia, acauculia, disgrafia, agnosia dos dedos e dificuldades na identificação direito/esquerdo (presentes na Síndrome de G erstmann). Do lado direito, lesões provocam deficiências na atenção espacial (heminegligência contralateral), na integração vísuo-espacial e na habilidade construcional (desenhos).

A á r e a p r é - fr o n t a l corresponde à região heteromodal da unidade executo­ ra de L uria e ocupa as áreas 45, 46, 47, 9, 10, 11 e 32 de B rodmann. E muito de­ senvolvida no cérebro humano e é muito complexa em relação às suas conexões. Recebe fibras de todas as áreas de associação unimodais, da área heteromodal temporoparietal, tem conexões recíprocas com estruturas límbicas e também com o tálamo (núcleo dorsomedial).

A região pré-frontal pode ser considerada como uma zona de confluência de dois eixos funcionais: o primeiro relacionado com a memória operacional, as funções executivas e a atenção, e o segundo relacionado com o comportamento e os processos emocionais. D ecorrente desse fato, podem ser observados dois tipos de síndromes frontais. A primeira seria a síndrome da desinibição pré-frontal, caracterizada por impulsividade, perda da capacidade de julgamento, de previsão e de uuight, e decorre de lesões nas regiões mediais e órbito-frontais. A segunda seria a síndrome da abulia pré-frontal, com comprometimento das funções exe­ cutivas e caracterizada por perda da iniciativa, curiosidade e criatividade, além de apatia e bloqueio emocional, e pode ser causada por alteração do funciona­ mento das regiões dorsolaterais.

A área pré-frontal está também envolvida no fenômeno da atenção e na detecção de novidades no ambiente. A memória operacional, uma faculdade da atenção que permite a manipulação mental e a permanência na consciência de informações necessárias para se atingir um determinado objetivo, é dependente da área pré-frontal dorsolateral (a manutenção das informações on line envolve também o córtex parietal posterior).

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H á grande interação entre a área pré-frontal e as regiões límbicas. D esco­ nexão entre essas regiões pode levar a uma incapacidade de avaliar os estados emocionais, que irão interferir no processo de tomar decisões adequadas. Por exemplo, indivíduos normais exibem mudanças da condutividade da pele, como uma reação antecipatória, quando existe um risco a ser enfrentado. Pacientes com lesões mediais e orbitais não têm essas reações, não tomam as decisões cor­ retas e não parecem preocupados com as conseqüências de suas ações.

Um fato notável observado na fisiologia do córtex é a assimetria da fun­ ção cerebral: o hemisfério esquerdo é mais especializado para a praxia e para a linguagem, embora se possa dissociar as duas especializações (a maioria dos canhotos também têm o hemisfério esquerdo especializado para a linguagem), enquanto o hemisfério direito envolve-se em percepções não-verbais complexas, como a identificação de faces, a distribuição espacial da atenção, a emoção e os aspectos paralinguísticos da comunicação (prosódia).

E m relação à linguagem, existem dois epicentros envolvidos no seu pro­ cessamento. O primeiro, denominado á r e a d e B ro c a , localiza-se na região 44 de B rodmann e regiões pré-frontais adjacentes e está envolvido no planejamento dos movimentos necessários para a emissão das palavras. O outro, conhecido como á r e a d e W e r n ic k e , é importante para a interpretação da linguagem e lo- caliza-se na porção posterior da área 22 e nas porções adjacentes das áreas 39 e 40 de Brodmann, embora não exista um acordo quanto aos seus limites precisos. A interpretação da linguagem parece ocorrer de forma análoga à da interpreta­ ção de objetos ou faces. Inicialmente, há um reconhecimento da palavra como categoria, depois da palavra específica e finalmente do seu significado, à medida que a informação vai sendo processada a partir dos córtices unimodais (auditivo ou visual) até a área de Wernicke. Lesões nas áreas da linguagem dão origem a afasias, que têm características diferentes, de acordo com a sua localização.