Parte substancial dos avanços no entendimento dos substratos neurobio- lógicos relacionados à atenção foi realizada em estudos envolvendo animais. Por exemplo, o registro da atividade eletrofisiológica no sistema nervoso de maca cos despertos durante o desempenho de tarefas atencionais visuais revelou que neurônios localizados no córtex parietal posterior, no núcleo pulvinar do tálamo (correspondente à região talâmica lateral posterior, em roedores) e nos colículos superiores, disparam seletivamente quando os animais atendem um local especí fico do ambiente (Colby, 1991).
E studos de dissociação envolvendo testes de atenção visual encoberta em pacientes neurológicos portadores de danos nessas regiões nervosas vêm permitin do especificar o papel de cada uma dessas estruturas nos processos atencionais.
Pacientes com danos unilaterais no córtex parietal posterior apresentam grande prejuízo para desengajar a atenção de um dado foco para um alvo apre sentado contralateral à lesão; aparentemente, essa resposta está associada a uma hiper-atenção para setores ipsilaterais à lesão (Posner, 1988). D iferentemente, pacientes com danos no colículo superior e em áreas mesencefálicas circunvi zinhas exibem dificuldades na habilidade para mudar o foco de atenção; neste caso, porém a dificuldade existe independentemente do engajamento atencional prévio, sugerindo o envolvimento dessa estrutura nervosa em computações re lacionadas ao movimento da atenção. Além disso, diferentemente de indivíduos normais, os pacientes com lesões mesencefálicas exibem menor probabilidade de retornar a atenção para um local examinado recentemente. J á pacientes com danos no núcleo pulvinar do tálamo exibem dificuldades no direcionamento da atenção encoberta para o lado oposto ao da lesão e na inibição de respostas a eventos distratores que ocorrem em outros locais; isso ocorre mesmo quando o sujeito dispõe de grande quantidade de tempo para realizar o engajamento enco berto da atenção, diferentemente do observado em relação aos outros dois tipos de lesão, em que essa resposta é relativamente normal (Posner, 1988). Isso su gere o envolvido do pulvinar do tálamo em processos de engajamento atencional.
Apoia essa interpretação a demonstração de que sujeitos normais orientados a filtrar estímulos visuais irrelevantes mostram aumentos metabólicos seletivos no núcleo pulvinar do tálamo do lado oposto ao do estímulo a ser detectado (LaB erge e B uchsbaum, 1990).
E sses achados indicam que uma rede neural incluindo essas três estrutu ras nervosas está envolvida nesse tipo de controle atencional. Resumidamente, o lobo parietal posterior desengajaria a atenção visual do foco presente, o técto mesencefálico promoveria o movimento do foco atencional para o novo alvo e o pulvinar encarregar-se-ía de ajustar o foco de processamento para uma área res trita do campo visual ou para um estímulo específico (Posner e D ehaene, 1994). É possível que essa porção posterior da rede atencional esteja particularmente envolvida em processos atencionais automáticos (Posner, 1995).
Por outro lado, existem evidências de que áreas do lobo frontal médio, incluindo o giro cingulado anterior, estão envolvidas na atenção controlada (Vogot, Finch e O lson, 1992). D e fato, há aumento no fluxo sangüíneo no giro cingulado anterior proporcional ao número de itens (visuais ou palavras) a se rem detectados num teste de seleção. Congruentemente, há bandas intercaladas de neurônios no córtex cingulado anterior que se conectam intimamente com o córtex frontal dorsolateral (talvez envolvido em processamento semântico) e com o córtex parietal posterior (como vimos, envolvido em atenção visual) (G old man-Rakic, 1988). Assim, o córtex cingulado deve associar aspectos diferentes da atenção. Adicionalmente, essa estrutura nervosa recebe aferências dopami- nérgicas da área tegmentar ventral, sendo conhecido que disfunções nessa pro jeção, como ocorre em pacientes esquizofrênicos e parkinsonianos, resultam em alterações atencionais. Não é de estranhar que pacientes com danos no córtex cingulado relatem a sensação de falta de controle sobre o próprio comportamen to e atribua o controle de seus pensamentos a agentes externos. M ais ainda, a área frontal direita parece modular os níveis de alerta, pela modulação dos níveis de corticais de norepinefrina; drogas que prejudicam a transmissão norepine- frinérgica interferem na manutenção dos níveis de alerta. D urante estados de vigilância, a atividade metabólica no córtex cingulado anterior é reduzida abaixo dos níveis basais: talvez, a expectativa por estímulos pouco frequentes leve a uma “eliminação” de outros processamentos para facilitar o processamento do estímulo supostamente inesperado que se deseja detectar.
Assim, os mecanismos envolvidos na atenção parecem depender do funcio namento de uma rede nervosa que inclui tanto porções anteriores como porções posteriores do sistema nervoso.
É importante notar que a grande maioria dos estudos que possibilitaram identificar esses componentes da “rede atencional” envolveram a modalidade visual e foram realizados em primatas.
É, pois, inexorável indagar sobre (1) a possível existência de redes neu- rais equivalentes para cada uma das modalidades sensoriais, (2) se os princípios
N E U R O P S IC O L O G IA H O J E
quando atividades novas estão envolvidas, ou quando um estímulo urgente ou ameaçador é apresentado, o SAS assume o controle da ação. E ste sistema teria a prerrogativa de inibir e de ativar esquemas diretamente, e sua atividade pre dominaria sobre a do catalogador de conflitos. Do ponto de vista neurobiológi- co, a função do SAS estaria relacionada à atividade dos lobos frontais; danos nesta região nervosa usualmente levam à perseverança comportamental e ao aumento da distratibilidade (Shallice, 1988). D e acordo com Shallice (1988), a perseverança comportamental apareceria em decorrência da preponderância da atividade em um esquema, que inib iria a atividade dos demais esquemas — daí a ação repetitiva correspondente ao esquema ativado; diferentemente, a distratibilidade surgiria da exposição do paciente a diversos estímulos ambien tais, resultando em ausência de preponderância da atividade de um esquema sobre a dos demais. No primeiro caso, a deficiência no funcionamento do SAS em decorrência da lesão frontal implicaria numa omissão à necessária inibição do esquema hiperativo; no segundo caso, a disfunção do SAS impossibilita a seleção de uma ação que ocorreria pela ativação seletiva de um esquema e inativação dos demais esquemas.
E particularmente surpreendente que a literatura sobre memória opera cional venha se mantendo quase que totalmente dissociada da literatura sobre processos atencionais; i.e., raramente autores de uma área fazem referência a autores da outra área. As razões para essa dissociação não estão claras. O que parece claro é que há grandes vantagens conceituais em aproximar essas duas formas de investigar as funções cognitivas superiores.