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Alfabetização como aquisição de um código: os métodos sintéticos

1 HETEROGENEIDADE: PARA INÍCIO DE CONVERSA

2 HETEROGENEIDADE E ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES E PRÁTICA DOCENTE

2.2 Concepções de alfabetização e heterogeneidade

2.2.1 Alfabetização como aquisição de um código: os métodos sintéticos

Segundo Mortatti (2006), na época do Império o ensino se dava de forma precária. Havia poucas escolas, as salas eram adaptadas e com turmas mistas (alunos de todas as séries) e os materiais para o ensino da leitura e da escrita eram escassos, embora já fossem utilizadas as “cartas de ABC”. Nesse contexto, para o

ensino da leitura e da escrita eram utilizados os métodos de marcha sintética (soletração, fônico e silabação) e o treino ortográfico (cópia, ditado e etc.). Ou seja, adotava-se um ensino em que “(...) parte-se das unidades menores (letras, fonemas ou sílabas) para passar a analisar as unidades maiores (palavras, frases, textos)” (GALVÃO e LEAL, 2005, p. 18). Desse modo, concebia-se, e muitos ainda concebem que se aprende “(...) fazendo sínteses ou ‘somando os pedaços’, para poder (...) ‘codificar’ e ‘decodificar’ unidades maiores que as primeiras que aprendeu” (MORAIS, 2012. p. 28). Nessa perspectiva, compreende-se que o aluno aprende o ‘código’ da escrita “(...) copiando, copiando, copiando, sem pensar” (p. 35).

Na soletração acredita-se que a memorização dos nomes das letras em pares (por exemplo, C com A, CA, etc.) facilita a leitura das sílabas, até o momento em que o aprendiz começa a formar palavras e depois ler textos (após muito treino).

Nas abordagens dos métodos fônicos parte-se do princípio de que o aluno precisa aprender a segmentar as palavras em fonemas relacionando-os às letras. É o treino das pronúncias de cada fonema e suas respectivas letras que o fará ler palavras e depois textos.

Na silabação, acredita-se que só memorizando as sílabas, juntando-as, é que o estudante poderá ler palavras até chegar ao texto.

Para Morais (2012), esses métodos (e suas variações) concebem a criança como um adulto em miniatura - “visão adultocêntrica”, e têm como pressuposto que basta transmitir informações sobre as correspondências entre som e grafia. Portanto, não seria necessário apropriar-se de conhecimentos sobre a lógica do funcionamento da escrita. Haveria algum mecanismo inato que garantiria tal compreensão.

Sendo assim, os métodos sintéticos prezam pela memorização e repetição (decodificação mecanizada). Além disso, desconsideram o uso de textos no processo de alfabetização. Eles prezam pelo uso de palavras desconexas e textos escolares que circulam fora do contexto e da realidade dos alunos.

Nessa abordagem, acredita-se que se o aluno aprender a técnica da escrita (compreendida como um código) se alfabetizará. Há um desprezo pelo “erro” de modo que não há reflexão e compreensão da escrita “genuína” dos alunos. Tais métodos propõem um trabalho a partir de sons e letras isoladas; de padrões mais fáceis (regulares) para os mais difíceis (irregulares).

Vimos em Leal et al. (2014) a síntese do que descrevemos anteriormente quando em seu estudo a autora traz a posição (tendência 2) acerca do processo de alfabetização, em que a aprendizagem do código

precede o trabalho com textos de circulação social (...) ocorre por meio de rotinas sistemáticas e controladas, sendo válida a organização de materiais didáticos estruturados, com textos criados para alfabetizar; precisa ser realizada por meio de: treinamento de habilidades fonológicas, leitura de sílabas e palavras, ou textos que contenham as unidades já introduzidas (p. 240).

Essa concepção “minimizada” da linguagem supõe que o aluno chega à escola predisposto (apto) ou “amadurecido” para adquirir o código (a escrita), como uma esponja - pronto para absorver o conhecimento. E por isso, dá-se prioridade ao uso das cartilhas - criadas para exercitar de forma (exaustivamente) repetitiva, a memória visual e o treino ortográfico. Nesse contexto, o professor não passa de mero instrutor, pois até manuais são elaborados com o propósito de conduzir o quê e como ensinar. Além disso, em relação aos estudantes, “(...) impede-se que sejam sujeitos de seu próprio discurso e adquiram a linguagem escrita como mais um instrumento no seu papel de agente histórico” (BRAGGIO, 1992, p. 12).

Seguindo a lógica homogeneizante, as atividades são desenvolvidas para o coletivo de alunos independentemente das necessidades ou dificuldades específicas que os alunos tenham, por isso os professores executam ações prescritas em uma ordem fixa, para todos os alunos ao mesmo tempo. Além disso, essas abordagens “não permitem o trabalho cooperativo entre os alunos”. Logo, “fecham-se os olhos” para a heterogeneidade da turma, e a mediação do professor se volta para questões comportamentais (manter a disciplina dos alunos, o respeito (ou medo?) ao professor, etc.) que servem mais para distanciar do que aproximar os alunos do conhecimento sobre como funciona o Sistema de Escrita Alfabética.

Nesse sentido, nessa perspectiva há uma segregação dos alunos em dois grandes grupos: o dos que sabem (e aprendem), porque estão/são aptos para aprender, e o dos que não sabem (não aprendem), os inaptos ou imaturos.

Essa ideia de imaturidade podia ser “constatada” através dos Testes ABC, que a partir de oito provas (exercícios de discriminação, coordenação visual/auditivo- motora, entre outros) visava medir o nível de maturidade do aluno, no que diz respeito ao acesso ao ensino da leitura e da escrita, e assim “(...) classificar os alfabetizandos, homogeneizar as turmas e racionalizar a eficiência da alfabetização” (MORTATTI,

2006). Logo, as diferenças de aprendizagem (heterogeneidade) entre os alunos são consideradas apenas como sinal de que os alunos não aprenderam. Os procedimentos didáticos são os mesmos, independentemente de quais conhecimentos tenham sido adquiridos pelos alunos.

O descaso com a heterogeneidade nas turmas fica evidente também se analisarmos os materiais que são frequentemente utilizados pelos professores que defendem os métodos sintéticos. Neles predominam o uso dos cadernos, fichas de atividades, fichas de chamada, quadro, cartaz, cartilhas e livros didáticos.

Tais escolhas são feitas porque se acredita que o aluno como receptor passivo só alcançará a compreensão do código da escrita através da cópia, da repetição e memorização, a partir de atividades padronizadas e repetitivas. Isso não significa que estamos propondo que tais materiais sejam deixados de lado, pois reconhecemos seus valores. No entanto, defendemos um uso que traga significações para os alunos, que possibilite aos mesmos a ampliação de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades ainda não exploradas, e não o simples ato de escrever sem saber o quê e para quê (ou quem) escreve, ou ler sem compreender o que o texto representa.