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Caracterização da rotina da professora Betânia/ 3º ano

4 HETEROGENEIDADE E SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA: O QUE AS PROFESSORAS FAZIAM EM SALA DE AULA?

4.1 O dia a dia na sala de aula

4.1.2 Caracterização da rotina da professora Betânia/ 3º ano

Iniciamos (re)lembrando que nesta escola o regime de aulas não era integral, como na escola da professora Ana, portanto, acompanhamos esta turma apenas no horário matinal, das sete às onze horas e trinta minutos. A rotina na escola em que a professora Betânia era regente começava com a abertura do portão de acesso às salas entre sete horas e sete e dez da manhã, quando, então, os alunos se dirigiam para suas respectivas turmas. Não havia um momento compartilhado entre alunos, professores e demais funcionários, como ocorria na escola da professora Ana, apenas em eventos comemorativos.

A média aproximada de alunos nas cinco aulas coincidentemente ficou a mesma da turma do 2º ano, que foi vinte e quatro. A sala ficava organizada de diferentes formas, dependendo da proposta do dia, mas a que predominou foi com parte das cadeiras enfileiradas, com os alunos um na frente do outro, e enfileiradas lateralmente, com os alunos um ao lado do outro. Apenas uma vez as cadeiras foram organizadas de modo que o centro da sala ficou livre, pois se formou uma grande roda.

Havia um cartaz de rotina fixado no quadro que sugeria: acolhida; curtindo as leituras; correção do para casa; sistemática; desenvolvimento das atividades; revisão do dia; e para casa. Esse cartaz foi confeccionado pela professora, logo no início do ano letivo. Conforme ela explicou, era uma prática que os professores da escola faziam há algum tempo, para nortear o dia a dia na sala de aula.

A professora comentou também que a Secretaria de Educação do Município enviou para a escola uma proposta de roteiro semanal de aulas sugerindo: acolhida, leitura, intervalo, correção e novo para casa – todos os dias; português e matemática – três vezes na semana; ciências, geografia, história, artes/educação física – uma vez por semana; dia de produção de texto e dia de operações matemáticas orais contextualizadas – duas vezes por semana; e dia do treino ortográfico – uma vez por semana.

Durante as observações de aulas foi possível identificar procedimentos semelhantes aos especificados tanto no cartaz de rotina elaborado pela professora, quanto no roteiro proposto pela Secretaria de Educação, com diferenças apenas entre as nomenclaturas usadas para as atividades propostas. Vejamos o quadro a seguir.

Quadro 5: Atividades observadas nas aulas da professora Betânia/3º Ano:

Atividades realizadas/ Aulas 1 2 3 4 5 Total de

Aulas

Organização da sala x x x x x 5

Acolhida x x x x x 5

Merenda/lanche x x x x x 5

Leitura de texto pelo aluno (individual e/ou coletiva)

x x x x x 5

Recreio x x x x 4

Atividades de classe no quadro x x x x 4

Atividade de casa no quadro x x x x 4

Correção de atividades x x x x 4

Chamada dos alunos x x x x 4

Tomar leitura dos alunos x x x x 4

Conversa sobre leitura x x x 3

Circular entre as bancas dos alunos x x x 3

Leitura de texto pela professora x x x 3

Atividade de casa colada no caderno x x x 3

Atividade de classe em ficha avulsa x x 2

Contar história x 1

Atividade de classe colada no caderno x 1

Atividade de classe com material da professora

x 1

Assim como no caso do quadro de atividades da professora Ana, vimos a partir do quadro acima que a professora Betânia também diferenciou as atividades na turma. Além disso, durante as observações, a professora buscava atender às necessidades dos alunos em níveis de escrita mais elementares, propondo também, atividades diversificadas.

Foram identificadas durante as observações de aulas quatro atividades realizadas pela professora que estavam de acordo com o cartaz de rotina por ela confeccionado e, também, com o roteiro da Secretaria da Educação, respectivamente, que foram:

 Atividade de casa ou para casa/novo para casa ocorreu em quatro aulas. A professora escrevia no quadro as atividades e os alunos copiavam no caderno. Na aula 2 foi solicitada a escrita numérica de números, em centena, até completar mil. Na aula 3 foi solicitada a escrita dos nomes das estações do ano, formação de frases e substituição de figuras por seus nomes. Na aula 4 os alunos tinham que copiar um texto colado no caderno substituindo as figuras por seus respectivos nomes. Na aula 5 os alunos tinham que separar sílabas, formar frases com a figura indicada, juntar sílabas, formar frases interrogativas e escrever palavras ditadas pela mãe ou responsável;

 Correção das atividades ou correção do para casa ocorreu em quatro aulas. As atividades de casa eram todas corrigidas individualmente. A professora Inês chamava o aluno (um por vez) ou ia passando nas bancas, verificando e indicando, quando necessário, as respostas aos alunos. As atividades de classe eram corrigidas coletivamente pela professora Betânia;

 Merenda/lanche e recreio, chamado de intervalo. A professora condicionava a liberação dos alunos ao recreio pelo comportamento, mas geralmente acabava concordando, já que durava no máximo dez minutos. Segundo a professora, quando os alunos retornavam do recreio, vinham eufóricos e suados, fazendo com que ela postergasse o reinício das atividades;

 Leitura ou curtindo as leituras de texto ocorreram em todas as aulas. Em cerca de 80% das aulas as leituras foram realizadas pela professora. Já os alunos, participaram de momentos de leitura coletivas (25%) e individualmente (75%) das aulas.

Com relação aos demais tópicos do roteiro da Secretaria de Educação, a professora disse que às vezes conseguia preencher e dar seguimento, mas explicou que era permitida uma flexibilização das atividades de acordo com o seu planejamento e ao final do mês é que prestava conta das atividades desenvolvidas ao longo do período.

Assim como na turma da professora Ana, durante o período observado, aconteceram atividades voltadas para os conteúdos de Matemática (as quatro operações e quadro de valor) e Língua Portuguesa (atividades de treino ortográfico - ditado com imagem, cruzadinha).

Ao contrário do que foi evidenciado no 2º ano, nessa turma houve apenas uma produção de texto, quando em uma atividade de classe, a professora solicitou a escrita de uma “carta para a mamãe”. Inclusive, não presenciamos uma retomada desta atividade nos dias subsequentemente observados, nem mesmo de correção ou visto nos cadernos, conforme ocorria com as atividades de casa.

Neste caso específico, a escrita de uma carta pessoal merecia ter sido mais explorada no sentido de que o gênero em questão fazia parte do cotidiano das crianças, pois seus pais e a própria professora, segundo ela mesma relatou, trocavam correspondências com os parentes locados em outros municípios e estados. Assim, poderia ter sido proposto além da escrita, que “possui potencial dialógico virtual, [...] (e) permite modos de expressão de si (estético, literário, autobiográfico ou íntimo) entre os correspondentes” (LINS e SILVA, 2005, p. 115, grifo nosso), leituras de outras cartas “bilhetes entre amigos, cartas de amor, cartas de reclamação, etc.” para que fossem ampliadas a “familiaridade com o modo e a maneira de dizer, expressar e escrever textos dessa natureza” (ibidem, ibidem).

Conforme indicado no quadro 5, na sala da professora Betânia, todos os dias, a professora auxiliar Inês organizava a sala e recebia os alunos, às vezes indicando os lugares que deveriam ocupar. Em seguida, tendo ou não a presença da professora Betânia, os alunos ficavam de pé e faziam a oração do dia. Esse era um procedimento sugerido tanto no cartaz de rotina quanto no roteiro semanal da Secretaria de Educação, chamado de “Acolhida” porque estava voltado para a disciplina de Ensino Religioso.

Reiteramos nossas afirmações anteriores sobre a questão da religiosidade, pois concebemos que a escola precisa cumprir com seu papel enquanto instituição laica. Acrescentamos ainda que a obrigatoriedade de uma prática que é por lei

facultada, torna-se mecanismo de exclusão e desrespeito às diferenças e/ou crenças individuais de cada cidadão. Além disso, foge do princípio democrático, já que se impõe aos alunos participar de manifestações religiosas, como as orações que presenciamos em ambas as escolas acompanhadas.

Para melhor compreensão das práticas das professoras, foram realizados momentos de conversa informal. Em alguns desses o tema foi ensino sistemático. Não foi possível perceber o que significava ensino sistemático, ou mesmo o que a docente compreendia sobre isso, pois ora ela dizia que eram os trabalhos com leitura, ora com as atividades de escrita propostas. Já a revisão do dia, supomos que se tratava das atividades de classe e de casa, pois sempre tinham alguma relação com os textos lidos durante as aulas, assim como as conversas com os alunos.

A assiduidade dos alunos era controlada pela professora Inês, que sempre fazia a chamada dos nomes e marcava na caderneta da professora.

Os momentos dedicados à circulação das professoras entre as bancas dos alunos, apesar de sugerir mecanismos de controle e poder, por parte das professoras, obediência e respeito, por parte dos alunos, era um modo de as professoras auxiliarem individualmente os alunos e até mesmo identificarem as dificuldades que eles estavam tendo durante as atividades.

Entretanto, houve momentos em que essa ação foi equivocadamente realizada, isto porque as professoras (Betânia e Inês) simplesmente riscavam ou apagavam os erros nos cadernos dos alunos, ou sugeriam a resposta correta, o que para nós não auxiliava os alunos. Esse seria um momento para fazer com que a turma refletisse sobre os próprios erros ou os de alguns alunos especificamente, pois dessa forma todos seriam beneficiados e a heterogeneidade receberia um tratamento adequado, isto é, seria contemplada.

Na mesma direção, destacamos a leitura para a professora, (que nesta turma foram apenas de palavras) denominada de tomar a leitura, porque dava indícios de um acompanhamento particularizado das habilidades de leitura dos alunos, algo bastante positivo na alfabetização. No entanto, a própria professora se queixava que quando a coordenadora entrava na sala para tal procedimento, acabava interferindo no desenvolvimento de sua prática, tumultuando o espaço, pois uma parte dos alunos ansiava por ser chamado, e outra parte preferia o contrário.

Vimos que a mesma atividade de tomar a leitura do aluno foi também realizada pela professora Ana, entretanto, só ocorria com os alunos não alfabéticos (Mila e

Neto) e alfabético não consolidado (F). E mesmo assim, eles não liam apenas palavras, também liam parágrafos de textos. No entanto, fosse com a coordenadora ou com a professora, esse tipo de leitura tinha como foco a fluência e a “desenvoltura” da fala do aluno – se gaguejava, se fazia pausa entre as sílabas, se lia corretamente as palavras -, não havia perguntas voltadas para a compreensão sobre o que fora lido.

De um modo geral, a professora Betânia buscava contemplar em suas atividades de rotina, os eixos de ensino da Língua Portuguesa, no entanto, o foco evidente era em leitura (centrada na figura da própria professora) e conhecimentos linguísticos gramaticais (com ênfase na cópia de palavras, frases e textos).

4.1.2.1 Participação dos alunos alfabéticos, alfabéticos não consolidados e não alfabéticos nas atividades de rotina

Os alunos alfabéticos participavam timidamente das atividades, tanto que o destaque era a aluna Ana que respondia aos questionamentos da professora, durante as atividades de classe, bem como lia e concluía a leitura quando a professora indicava uma leitura coletiva, por exemplo.

Se a participação dos alunos alfabéticos era singular, a dos demais alunos nos níveis alfabético não consolidado e não alfabético não ocorria. Estes alunos pareciam ficar deslocados do que acontecia na sala de aula. Afirmamos isto porque quando a professora escrevia uma atividade no quadro, eles passavam todo o tempo da aula copiando a mesma atividade ou seguiam na cópia de outra, porque a professora não confirmava a finalização da atividade com todos os alunos, apenas com aqueles que lhe diziam ter concluído. Quando colava ou distribuía uma ficha de atividade, ocorria o mesmo procedimento descrito anteriormente.

Na aula quatro, por exemplo, após a realização de duas atividades envolvendo conteúdos matemáticos, a professora pegou algumas fichas de atividades e as colou nos cadernos dos alunos para que após o recreio, todos pudessem respondê-las. Os alunos não alfabéticos desta turma (Daniel, Bruna, A, G, MV e R), receberam atividades diferentes dos demais alunos, então quando a professora foi questionada, respondeu que era porque “[...] muitos já conseguiam escrever palavrinhas [...] porque não adianta né, passar pra outra coisa se os alunos não sabem [...] eu já colei pensando, já tava certo. Principalmente aquele do desenho que foi, aí eu já...”.

No exemplo acima citado, a diferenciação das atividades favorecia o princípio da heterogeneidade aqui defendido, que é considerar que se os alunos estão em níveis diferentes de apropriação do SEA, as atividades deverão ser adaptadas, e, ainda que sejam as mesmas, o professor deverá diversificar então, a organização dos alunos (pequenos grupos, dupla, etc.). Porém, o que vimos foi que não houve acompanhamento dos alunos não alfabéticos para realização das atividades propostas nas fichas coladas em seus cadernos, o que leva a entendermos que ocorria uma falsa inclusão desses alunos, ou seja, não conseguimos compreender de que forma esses alunos poderiam ampliar seus conhecimentos se não eram acompanhadas as atividades para eles propostas.