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1 HETEROGENEIDADE: PARA INÍCIO DE CONVERSA

2 HETEROGENEIDADE E ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES E PRÁTICA DOCENTE

2.2 Concepções de alfabetização e heterogeneidade

2.2.3 Alfabetização na perspectiva construtivista

A terceira tendência citada pelas autoras referenciadas (LEAL ET AL, 2014) é dividida em dois blocos. O primeiro é reconhecido como desdobramento da abordagem construtivista e do modo como interpretada no Brasil.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky consideravam que a aprendizagem do Sistema de Escrita não se dava de forma simples. Ao realizarem uma pesquisa com crianças, as autoras constataram que para sua aprendizagem, era necessário que o aprendiz refletisse sobre como esse sistema funciona, e isso ocorria após os mesmos ultrapassarem determinadas etapas. Daí as autoras criaram a Teoria da Psicogênese da Língua Escrita (1979).

Seguindo a perspectiva de Piaget de que os sujeitos constroem conhecimentos por meio de processos de assimilação (“esquemas de assimilação”), as autoras defenderam/defendem a ideia de que a criança é um sujeito intelectualmente ativo e, como tal, é capaz de excluir, ordenar, categorizar, reformular, comprovar, formular hipóteses, reorganizar, etc. Tal compreensão colocou a criança no centro do processo de aprendizagem.

Ferreiro e Teberosky (1999) consideram que as crianças passam por quatro estágios (etapas, níveis) no processo de apropriação do SEA: o pré-silábico, o silábico (quantitativo e qualitativo), o silábico alfabético e o alfabético.

No nível pré-silábico, o aluno não sabe ainda como a escrita nota ou representa “os pedaços sonoros das palavras que falamos”. Nessa fase, muitos alunos (principalmente os mais novos) não fazem separação entre desenho e escrita, produzindo garatujas, rabiscos, etc., ou seja, desenhar e escrever são uma coisa só. Quando usam letras, em certas ocasiões as misturam com números e outros símbolos, pois pensam que a escrita representa as “características físicas ou funcionais dos objetos” (MORAIS, 2012, p. 56) – realismo nominal. Nessa fase, o aluno chega a elaborar as hipóteses de quantidade mínima (para escrever palavras é

necessário, no mínimo, três letras); e a de variedade (para ler palavras não podemos reproduzir escritas iguais).

No nível silábico, o aluno já começa a fazer a divisão da palavra em sílabas, na tentativa de estabelecer uma correspondência entre o som e a escrita. Quando faz a leitura, busca ajustar a quantidade de sílabas à quantidade de letras, podendo, inclusive, repetir ou alongar as sílabas ou parte das sílabas orais para ajustar a escrita à pauta sonora. O aluno concebe que a cada sílaba há que se colocar uma letra, No nível silábico quantitativo, concebe-se que para cada sílaba oral se coloca uma única letra, e na maior parte das vezes esta não tem a ver com os sons das sílabas orais. Em nível posterior acredita-se que a escrita nota a parte sonora das palavras pronunciadas (silábico qualitativo – para cada sílaba, um valor sonoro convencional, ou seja, corresponde um fonema).

No nível silábico alfabético, o aluno já compreende a pauta sonora “(...) as partes orais das palavras que falamos”, e que outras letras precisam ser usadas/colocadas, o que implica na reflexão metafonológica (consciência fonológica). No entanto, oscila entre a representação das sílabas por meio de uma letra e por meio de mais de uma letra. Essa etapa, além de servir como passagem para um nível mais avançado, possibilita aos alunos uma grande quantidade de conhecimentos/aprendizagens sobre as relações e correspondência entre o som das letras (fonema) e a escrita das palavras (grafema).

No último nível, o alfabético, o aluno compreende de forma efetiva que a escrita representa a pauta sonora, embora isso não o impeça de cometer os erros ortográficos. No entanto, esses erros (que não significam distúrbios ou patologias) ocorrem porque a escrita das palavras é feita do mesmo modo como é pronunciada (por exemplo, escrever MININU ao invés de MENINO).

Ao postularem tais etapas, as autoras abriram possibilidades de realização de uma nova perspectiva para avaliação progressiva dos alunos que estão em processo de aprendizagem da escrita (o que ensinar), além de reflexões sobre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas no ambiente escolar (como ensinar).

Conforme afirma Telma Weisz (2014) no texto A aprendizagem do sistema de escrita: questões teóricas e didáticas compreendemos que

a aprendizagem do SEA está ligada a dois principais aspectos: para aprender a ler e a escrever, é preciso pensar sobre a escrita, pensar sobre o que a escrita representa e como ela representa graficamente

a linguagem; algumas situações didáticas favorecem especialmente a análise e reflexão sobre o sistema alfabético de escrita e a correspondência fonográfica. São atividades que exigem uma atenção à análise – tanto quantitativa quanto qualitativa – da correspondência entre segmentos falados e escritos. (p. 165).

Ao considerarmos que há heterogeneidade nas turmas (pois os alunos não são iguais e não aprendem da mesma maneira) e que todos têm o direito de aprender e de se alfabetizar, e se soubermos como cada aluno se encontra dentro do processo de apropriação da escrita (em que nível ou hipótese se encontram) é possível adaptar ou adequar as atividades e contemplar os diferentes grupos de alunos.

Outro ganho que a Psicogênese trouxe e que podemos relacionar com a heterogeneidade nas turmas, foi o tratamento aos supostos erros dos alunos, que permite ao professor agir (caso queira) imediatamente e auxiliar na compreensão sobre o que aprenderam e o que precisam aprender (que dificuldades certos alunos apresentam durante o processo de apropriação da escrita, entre outros aspectos) respeitando o ritmo de cada um.

No entanto, Morais (2012) também indica alguns “limites ou lacunas” atualmente vivenciados no uso dessa teoria, ou seja, uma “má apropriação da teoria” (pp.77-78). Um deles se refere ao fato de que uma vez alcançada a última hipótese (alfabética) o aluno já está alfabetizado e, portanto, não é mais necessário alfabetizar. Assim, a aprendizagem ocorreria de forma espontânea sendo preciso, apenas, fazer com que a criança tenha contato com textos ou participe de situações de leitura e escrita de texto.

Nessa perspectiva, cada um tem um ritmo e se alfabetiza sozinho sem a necessidade de uma intervenção do professor para auxiliá-lo a superar seus erros. Ou seja, o abandono das teorias e práticas tradicionais provocou uma desmetodização da alfabetização (MORTATTI, 2006), uma “desinvenção” da alfabetização (SOARES, 2003), no sentido de que se abandonou o ensino diário da escrita alfabética (MORAIS, 2012, p. 78).

Vimos no estudo de Leal et. al (2014), se considerarmos a didática para o ensino do SEA, que houve um favorecimento de situações problematizadoras sobre como a escrita funciona (as hipóteses de escrita que os alunos vivenciam nesse processo), mas perdeu-se o foco em relação ao desenvolvimento da consciência fonológica.

No tocante à heterogeneidade, os adeptos da perspectiva construtivista pressupõem que as crianças elaboram diferentes hipóteses de escrita e que é no processo de interação que avançam quanto à compreensão desse conhecimento. Propõem também que é na tentativa de resolver conflitos cognitivos que os processos de aprendizagem ocorrem. Desse modo, a heterogeneidade quanto aos conhecimentos sobre o sistema de escrita é reconhecida como intrínseca ao processo de alfabetização.