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Por uma história social da experiência dirigencial: trajetos e eventos

2.3. Algumas atitudes, condutas e marcas de referência

Como tentei apontar junto com Marcus, no primeiro ponto deste capítulo, existem, em todo grupo em formação, relatos que criam uma espécie de dinastia imaginada, edificada e fundamentada através da institucionalização de acontecimentos futebolísticos cujas contingências são os objetos de decisão dirigencial. Uma sucessão de certos acontecimentos aparece subentendida como o verdadeiro ―marcador‖, pesando sobre as práticas dos ocasionais condutores do clube. Sugerem relações possíveis entre situações de estabilidade, agência individual, crise e contextos de mudança; termos esses que servem para pensar instâncias de continuidade e ruptura de uma história virtual das instituições.

Os relatos aqui tratados têm sido transfigurados e ressignificados nos discursos dos dirigentes entrevistados. Servem, contudo, à elaboração de referências dirigenciais ou ―marcas de comportamento‖, baseadas em um determinado caráter que diferenciaria hipoteticamente cada clube, ―essencialmente‖. Em síntese, criam as condições para corporificar na dirigência ―relatos sobre os fatos projetados em metáforas sobre os princípios‖ que operam em direção a uma determinada sensibilidade legal que contextualiza a cultura (Geertz 1994: 242).

Parece claro, neste sentido, que a identidade dirigencial do Gimnasia encontrava no ―litígio de origem‖ fundamentos endógenos, uma vez que

121

Bromberger, faz uma interessante referência à localização dos filhos de imigrantes árabes na cabeceira norte do estádio do Olympique de Marseille. Precisamente porque eles fariam uma meta- referência à região Norte da cidade, onde geralmente vivem.

colava as respostas de poder a emoções populares de demanda. Assim, do ponto de vista do imaginário político da época, tanto setores populares como as velhas oligarquias estavam fortemente condicionasa a papéis periféricos, como resultado de um processo de expulsão que tinha como destinatários desta mensagem, precisamente, a ao ―emergentes do ‗progresso‘, à pequena burguesia profissional‖ (Svampa 147-171). Do outro lado, esse relato iniciático em que o Estudiantes terminaria identificado com as camadas médias e intelectuais burguesas e urbanas, implicava necessariamente na apropriação dos universos de um gosto moderno pelo que é ―culto‖. O que acontecerá na série de episódios que relatarei a seguir se conecta diretamente com as condutas dirigenciais.

Neste sentido, me permito divergir uma vez mais daqueles que vêem nas marcas da identidade futebolística, os ―estilos‖ - especialmente nacionais e clubísticos - um tipo de ―ilusão‖ sem substrato no mundo ―real‖. Recorro novamente a Damo, quando afirma que ―os tipos puros são usados conceitualmente para caracterizar a política de gestão desta formação, entendendo-se a política como o uso estratégico do dispositivo‖ (2005: 218). Efetivamente, em ambos os lados deste muro cultural em que emerge a rivalidade, os clubes atualizam, através destes enunciados, um coletivo social que ―lhes é próprio‖, que ―lhes pertence‖: o que poderíamos chamar de modelo

imaginado de produção e territorialização dos atores em disputa. Tanto dos

torcedores, dos sócios, como dos players, porque, em última instância, ele cruza originalmente, os modelos de formação e produção de jogadores, elaborados por Damo para explicar aspectos centrais da relação entre clubismos e mercadoria hoje: endógeno, exógeno e híbrido (Damo 2005: 174-192).

Como vimos nos ―litígios...‖, existe, efetivamente, um tipo de história amputada através de mecanismos de antropoemia narrativos, típicos das organizações sociais separatistas nos termos de construção de identidade. Mas o fundamento original destes comportamentos é também um exercício antropofágico de uma espécie de ―memória institucional‖, que constrói os termos de acesso ao presente como um ―trabalho sobre o tempo‖ passado. Tal como explicou Halwachs (1994) tanto a memória social, associada com as formas instituídas de contar o passado, como a memória coletiva, vinculada com a vida cotidiana e sensível, tem sempre um ―caráter social‖ subjacente, um quadro social que estrutura, através de lembranças operativas, o presente;

Qualquer lembrança, ainda que seja muito pessoal, existe em relação com um conjunto de noções que nos dominam mais que outras, com pessoas, grupos, lugares, datas, palavras e formas de linguagem, inclusive com razoamentos e idéias, quer dizer, com a vida material e moral das sociedades das que temos formado parte. (Halwachs 1994:34).

São vários os episódios que podem ser considerados emblemáticos, enquanto relacionam a vida moral passada do clube com a conduta dirigencial e vice-versa. Estes são acontecimentos capazes de constituir-se em explicações adequadas do passado e do presente, onde o agenciamento dirigencial entra em conexão com a formulação simbólica das identidades futebolísticas ao nível da dinâmica institucional. Consequentemente, com esta linha de reflexão, observaremos que, o que chamarei de fenômeno de pregnância entre acontecimentos futebolísticos e condutas dirigenciais, é a base de sustentação das supostas ―escolas‖ que projetam sobre a imagem dos principais representantes políticos dos clubes, certas propriedades especiais e distintivas.

Notadamente, na maioria das publicações ―oficiais‖ do clube Estudiantes a que tive acesso, incluídas as matérias informando atividades sociais do clube no jornal El Dia, destacava-se a utilização sistemática do termo ―cultura‖ como sinônimo dos valores e intenções dirigenciais.

“Em toda las etapas de su existencia, volcó Estudiantes el caudal humano de sus sócios en procesos culturales” disse a revista oficial Estudiantes de La Plata publicada em 1969, onde se relata uma longa trajetória de eventos culturais enfaticamente referidos como “não elitistas” durante as décadas do 1940 e 1950. (Revista Estudiante de La Plata, La Plata, 1969, pág. 97)

Na década de 1960, esta relação está manifesta no relato ―oficial‖ sobre o reencontro do Estudiantes com sua origem ―pedagógica e popular‖ a partir do ascenso dos personagens centrais na história dos presidentes de duas décadas antes, o Sr Pedro Osácar em 1943 e 1951122 e o advogado, o Dr. José

Maria Cánepa123 em 1947. O primeiro, visto como pioneiro em ―apresentar novos sistemas de condução social e esportivos bastante revolucionários no futebol argentino, onde tantas vezes veleidades pseudo-empresárias dificultaram o crescimento das próprias estruturas...‖124

. O segundo, como um ―verdadeiro democrata e formador de sucessores para a condução do clube‖125. E assim aparece sintetizado este ―reencontro‖ protagonizado por Canepa a partir das ―atividades culturais‖:

(...) se distinguió por una especial dedicación a las actividades culturales y una valiente actitud ante los procesos que tendían a diluir la hegemonía institucional. (…) Conferencias, conciertos, exposiciones, presencias inolvidables que continuamente mantuvieron latente el esfuerzo de Estudiantes por brindar un circulo amplio para el desarrollo de la cultura, sin espíritu de ‗elite‘, abierto a todos (…)126

Trata-se de um relato, que no final a década de 1960, revisita o passado conservador e excludente e o trasforma no início de um reencontro com uma ―escola‖, e com a centralidade do futebol como prática depois de um período ―conservador‖, onde a ênfase tinha estado com os esportes mais restritivos como o tênis, a natação, entre outros. Uma ―escola‖ em busca de uma ―hegemonia‖ que encontrará a oportunidade histórica de criar um novo ponto de inflexão - como atualização - para a narrativa dirigencial durante os episódios de crise institucional –e intervenção- do ano de 1952.

Trata-se de um acontecimento que, como descreve Gustavo Rodriguez (2006), um dos poucos historiadores que trabalharam com profundidade os episódios desse ano no clube Estudiantes, representa o desenlace de um processo de identificação histórica com os valores pequenos burgueses, associados com a busca da ―civilidade‖ no contexto do segundo governo peronista, visto como antidemocrático pelas camadas médias. Naquele ano, ―A razão da minha vida‖, o polêmico livro escrito por Eva Perón, e publicado pouco antes da sua morte, devia ser comprado e distribuído pelas entidades sociais e públicas entre seus sócios e simpatizantes. Mas os três mil exemplares entregues ao clube Estudiantes ficaram guardados em um porão da Sede Social (apesar de terem sido comprados pelo clube). Trata-se de um evento que na ―memória dirigêncial‘ é narrado como ―organizado‖ e ―premeditado‖ pelo então governo peronista contra uma instituição que representava a oposição da classe média da cidade a um governo

123 Secretário Geral de Justiça e Instrução Pública da Província de Bs As. Posteriormente decano da

Faculdade de Direito da UNLP.

124124

Revista Estudiantes de La Plata. La Plata. 1969. p. 72.

125 Idem. pp. 73.

―estigmatizado‖ sob o signo de ―autoritário‖ por ela.127

Durante alguns dias, os principais dirigentes do Estudiantes permaneceram presos, acusados de uma ofensa grave à liderança de Evita e Perón. Este episódio estabeleceu, assim, precedentes objetivos para a elaboração de um discurso que se permitia discutir com o imaginário político da época. Mas o fato de maior significância foi que a cidade foi entendida como um campo de ação concreto hegemônico e exemplar. A Confederação Geral de Trabalhadores, controlada pelo peronismo, convoca uma imensa manifestação popular na Plaza San Martin. O clube sofre a intervenção do governo federal, inscrevendo-se como território de disputa cultural através de uma moral política cívica expressa em um clube de futebol. Será excepcional ver o decorrer de acontecimentos que vincula, tão claramente, a identidade política de um clube com uma ideologia partidária que até então tinha ―pertencido ao Gimnasia‖128

(neste caso, a União Cívica Radical, como em 1952). No Estudiantes, o resultado da intervenção será o desmantelamento do time principal e a venda dos jogadores mais importantes em troca do pagamento de dívidas que o clube tinha com estes. Futbolistas Argentinos

Agremiados, o sindicato de jogadores criado a partir da greve de 1948, apóia

vigorosamente este conflito do ponto de vista de uma luta sindical caracterizada pelos protagonistas como de ―reivindicação nacional‖ (Rodriguez 2006: 45-48).

No campo futebolístico, o resultado foi um humilhante rebaixamento do time no ano de 1953, depois da venda de seus jogadores mais importantes. Um ano após, o advogado Caro Betelú, Juiz da Suprema Corte de Justiça da Província de Buenos Aires e homem próximo ao governo, assume por eleição e declara ―ser a ponte entre uma anormalidade e uma normalidade futura‖129

. Do outro lado, em silêncio, o Gimnasia, clube que tinha sido comandado por altos dirigentes da UCR, durante as décadas de 1920 e 1930, era espaço institucional de ―cegada‖ da identidade ―popular‖ peronista. Durante o governo peronista, numerosos sindicalistas e funcionários políticos de estado se integraram à sua Comissão Diretiva. Um juiz federal, o Dr. Carlos Insúa será o presidente do Gimnasia desde 1948 até 1955, quando renuncia ao cargo como protesto público ―às pressões vindas do cup d´etat de 1955 para expulsar alguns integrantes da comissão‖.130

127 Em 1925, o clube Barcelona vive um fato de caráter político que se assemelha com o aqui descrito

no Estudiantes. Em uma reação contra a ditadura de Primo de Rivera, a torcida vaiou o hino da Espanha. Como represália, o clube foi fechado por seis meses, enquanto o presidente Gamper foi forçado a renunciar à presidência.

128

Prof. Carlos Asnaghi (entrevista realizada em 20 de outubro de 2006).

129 Revista Estudiantes de La Plata. La Plata. 1969. p. 35.

Mas será no ano de 1962 que se produzirá um acontecimento singular no Gimnasia, qualificado na memória coletiva dos simpatizantes como ―trágico‖. O protagonista desta história será o então Presidente do clube, o advogado peronista Dr. Laureano Duran, considerado pela história oficial do clube como um dos seus mais importantes e representativos dirigentes. Durán tinha chegado à presidência por eleições diretas, no ano de 1961, obtendo 84 % dos 2013 votos sufragados (36% do padrão). Para o ―historiador do Gimnasia‖, Carlos Asnaghi, a ―excelente performance eleitoral de Durán estava vinculada diretamente com três elementos presentes: o reconhecimento local como advogado de sindicatos, sua conhecida militância peronista, e o fato do peronismo estar proibido de participar na vida política‖.131

Logo depois de inscrito no Campeonato Argentino de Série A de 1962, o time do Gimnasia era considerado por muitos como forte candidato a ser o primeiro ―time pequeno‖ a se tornar campeão argentino. Vale lembrar que aquela equipe é considerada como um dos melhores times que já vestiu as cores do Gimnasia na era profissional. Precisamente durante aquele fatídico campeonato, o Gimnasia, cujo estádio se encontrava, desde 1929, localizado nos terrenos do ―Paseo del Bosque de la La Plata‖, adquire o apelido de ―lobo‖ como identificação territorial com um espaço ―externo à cidade‖, ou pelo menos, liminar. Sua forma de jogar - fundamentalmente baseada na velocidade, na ―massividade‖ do jogo de ataque quando o rival mostrava uma distração ou ponto fraco - identificou o clube, emblematicamente, com aquele animal do deserto; mas também com um território indefinido, naquela periferia crescente de La Plata, também parte do fenômeno migratório entre o campo e a cidade durante o peronismo.

Uma personalidade emblemática, que misturava agressividade, surpresa, inventiva, gregarismo e resistência ao cansaço. O totem tomava, definitivamente, em 1962, sua forma animal. Haverá assim uma identificação entre tática de jogo, personalidade idealizada dos jogadores, emotividade popular e a forma de atuar da Comissão Diretiva, uma vez que entra em conflito com os protagonistas deste substrato simbólico, atualizando a frontalidade frente as injustiças. Populismo?

O certo é que, neste episódio, a CD do clube decide, poucas partidas antes da finalização do campeonato de primeira divisão, punir com suspensão as três principais figuras do time - , que se encontrava em primeiro lugar na tabela - por terem exigido o pagamento dos salários atrasados. Obviamente, o resultado desta decisão não foi apenas o questionamento corporativo dos jogadores mas também a renúncia antecipada do seu técnico, Pedernera. Paradoxalmente, Durán, advogado sindical, encabeça o castigo aos rebeldes.

Oficialmente se declara:

Después de analizar exhaustivamente la actuación del primer equipo en el partido del domingo próximo pasado en Villa Crespo, el comando ha dispuesto suspender a Eliseo Prado y Oscar Gómez Sánchez por el termino de treinta días, por la falta de voluntad y empeño en el encuentro con Atlanta, y por igual lapso a Walter Davone a raíz de haber perjudicado la chance del conjunto por su incorrecto comportamiento durante el cotejo.132

Os dirigentes do clube construirão um discurso baseado em uma condenação moral sobre os valores cavalheirescos e fidalgos que deveriam ter os jogadores que ―defendem as cores do Gimnasia‖133

. A proeminência da autoridade institucional é colocada acima de qualquer ideologia pessoal, buscando o consenso na massa. O elemento paradoxal na identificação de um universo aristocrático e honorável da dirigência entra em ressonância com o de um povo que guarda fidelidade unicamente aos ―sentimentos puros e ao coração profundo‖.

Na verdade, a ambigüidade é aparente. Como bem mostrou Gramsci quando falava da existência de um campo de valores aristocráticos presentes nas práticas cotidianas das classes populares italianas, especialmente as do sul, as oposições não são analiticamente explicáveis, mas politicamente compreensíveis, uma vez que são contextualizadas no simbolismo das luta hegemônica. Daí que, para ele, os valores que permitiriam ao ‗povo‖ atualizar-se em classe capaz de transformar a sociedade, tinham a ver com a necessidade de assumir como próprios os valores burgueses e afastar-se de outros que o ancoravam no passado e impediam sua liberação cultural. A interpretação destas identificações significa reconhecer as ―impurezas‖ como um necessário preço a pagar por sua construção. Neste episódio, Durán e a maioria da CD consideravam que havia uma traição dos ―estrangeiros‖ – dos três castigados, dois eram uruguaios - os quais não tinham se identificado com o interesse coletivo privilegiando - os econômicos - em detrimento dos esportivos. Em todo caso, nenhum deles era formado no clube. Assim, remetia-se todo o assunto ao litígio de origem que estava no passado, atualizando, no exercício de debate, as coordenadas que vinculam o Gimnasia com um ―argentinidade profunda‖.

132 Extraído de Gimnasia. História de uma Pasión. La Plata: Diário El Dia. 2006. p. 54. 133 Casualmente, dois dos três jogadores eram estrangeiros (uruguaio e peruano).

O “tanque” Rojas (de gravata), Hector Antonio, Lejona e o técnico uruguaio Viola conversam durante aquele controvertido torneio. (Gimnasia. História de uma pasión. 2006, pág. 57.

O Arq. González, quem foi um dos dirigentes com maior visibilidade pública do Gimnasia até 2007, me recebeu no escritório da empresa de construção da sua propriedade. Vestido com roupas informais, tal como exige a profissão de um ―homem que está na rua‖ como ele define sua atividade, sintetiza - quase meio século depois - o que significa esta marca, em termos de uma ―tradição‖ do intempestivo, da ruptura e do renascimento:

Acá en Gimnasia siempre pasan cosas raras. No se, es algo que es difícil de explicar. Me parece que se toman decisiones con el corazón, con el sentimiento. Como en el ´62, cuando hubo un presidente que no quiso poner la primera porque no habían querido arreglar los premios los jugadores, porque no quiso aceptar un desplante, la falta de códigos de conducta entre caballeros, y entonces, qué pasó, que perdimos el campeonato jugando con los pibes. Bueno, pero así son las cosas siempre en Gimnasia; después de que el hincha se enfría, putea contra todo y todos, sufre, entonces vuelve, siempre vuelve, como dice el tango. Por eso, a mi no me preocupa la situación en la que estamos, porque Gimnasia renace siempre de sus cenizas, nunca muere, y vuelve Mas fuerte, como el Ave Fénix. (Arquiteto González, 51 anos)

A bad luck culture tende a atribuir suas próprias falhas em momentos cruciais à falta de ―serenidade ou a fatores externos‖ (Lechner 2007: 223). É justamente isso o que ocorre, porque possibilita o bricolage futebolístico iniciado em 1905, - quando a dirigência do Gimnasia desiste de praticar o futebol por considerá-lo ―indigno‖ de ser um esporte ―nobre‖- para que, anos depois, seja ―recuperado‖ por esse mesmo clube, em 1914, como um ―signo‖ de que aquela expulsão passada, frente a uma nova injustiça - nas mãos dos ―burgueses e estudiantes‖- faria o primeiro ato deste drama definitivamente irreparável. A polifonia entrópica da qual parece sentir-se feita a identidade

―gimnasistica‖ – racionalizada no nível dirigêncial, inclusive - é uma ―apaixonamento‖ de grau zero que lhe permite sempre renascer ―como a ave

Fênix‖: uma mistura sui-generis do mito trágico do herói com os contos

populares otimistas de ―explorações espirituais e inconscientes‖, tal como dizia Bettelheim (1986). Neste conto, o ―usurpador‖ consegue, apenas durante algum tempo, arrebatar o lugar que legitimamente corresponde a um herói coletivo em desgraça. ―Essas coisas esquisitas que acontecem em

Gimnasia...‖, uma frase incorporada como ―identidade da exceção‖ e de uma

idiossincrasia da delícia renascentista das emoções ―verdadeiras‖. Não existe a morte em forma absoluta aqui, e com Bachtin, o dirigente do Gimnasia pensa que ―todos os sentidos terão sua festa de ressurreição‖.

Assim, as permanentes divisões, lutas internas, acusações e conspirações que caracterizam o mundo dirigencial de Gimnasia dos últimos anos, são percebidas como uma dimensão entrópica necessária, uma viagem ao inconsciente do mundo verdadeiro do ―ser gimnasístico‖; uma mostra a mais de autenticidade, associada com a tendência à horizontalidade de um poder vertical, ou seja, que não distingue claramente entre torcedor e dirigente, mas apenas entre o bem e o mal. Não quer dizer que não exista tal diferença de classe objetiva e que os atores –torcedores, sócios e dirigentes- se achem ingenuamente formando parte de uma sociedade de iguais no âmbito da vida institucional, mas que essas diferenças se dissolvem nas práticas quando se trata dos emblemas criados para as identificacões, mostrando uma unidade simbólica e indestrutível ―do ser frente à paixão‖. As práticas são também aparências e as aparências não são ilusão, mas aquilo que é realmente ―visível‖.

Muito diferente parece ser a auto-imagem que os dirigentes do Estudiantes tem de si como ―peça de uma máquina institucional‖ desde finais da década de 1960134. Ela se reafirma e atualiza miticamente em ―uma história de êxitos futebolísticos‖, numa necessidade, e a ânsia de protagonismo se apresentam como ―um motor‖ que os obriga a tomar suas decisões com responsabilidade com esse passado ―de glória inovadora‖ a que remete o mito de origem de 1905. Assim, os êxitos futebolísticos são vistos formando uma sequência de acontecimentos onde primam a racionalidade e a