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Por uma história social da experiência dirigencial: trajetos e eventos

2.2. Litígios na origem: os fundamentos endógenos

Desde as primeiras entrevistas, e particularmente durante a análise das fontes documentais, observei que certos acontecimentos significativos na história do clube tornavam-se – tal como parecia acontecer com os desdobramentos políticos dos recentes episódios vinculados aos conflitos entre Estudiante e Gimnasia em torno à utilização do ―estádio único‖ e a ―luta pela exclusividade‖- uma possibilidade de se pensar em um campo de

construção do ―tempo dirigêncial‖ atravessando o universo do clube- instituição. Em poucas palavras, era possível recortar, no tempo, espaços dramáticos reconhecíveis e diferenciadores ligados à tomada de decisões e à forma como se produzem os discursos circundantes a esta dimensão aparentemente formal do clube. Trabalhei, então, tentando interpretar certas ―atitudes‖ dirigenciais como eventos que se inscrevem em paralelo com universo dos chamados ―estilos‖ futebolísticos, miticamente construídos como propriedades ―essenciais‖ para si, em cada clube.

O processo histórico da invenção etnogênica de uma tradição tal como é colocada por Sahlins (2002) implica, em primeiro lugar, a possibilidade de que os atores tenham espaço simbólico para interpretar determinados acontecimentos através do que podemos chamar de ―conflitos de fundação‖. Os significados dirigenciais acabam em identificações futebolísticas e vice-versa, respondem a diversas referências culturais justapostas, e certamente também transitam por uma trama de sentidos historicamente construídos por acontecimentos que se transformam em referências significantes numa narrativa mitológica sobre as origens. Entre eles, estavam claramente, os conflitos de fundação dos clubes e sua vinculação com a prática do futebol. Como parte de uma história da cidade, remetiam a um conjunto restrito de eventos acontecidos entre 1899 e 1916 que, como observaremos, estão fortemente marcados por uma relação conflituosa entre práticas esportivo-futebolísticas e condutas dirigenciais. Como já analisaremos, a interpretação do acontecimento da fundação resulta menos contraditório do ponto de vista de uma noção de etnogênese histórica, ainda que não menos ambígua para entender ‗os porquês‘ da auto-imagem criada pelos membros dos clubes em relação à sua continuidade ao longo das construções sociais dos significados culturais envolvidos.

Inicialmente, a antropologia do século XIX viu no mito uma sustentação verbal dos rituais a que fazia referência. Desta primeira determinação, derivará a idéia das narrativas míticas como explicações de fenômenos naturais ―incompreensíveis‖. Dentro desta linha de reflexão, foi Malinowski quem desvelou, primeiramente, a noção de mito com alguma sistematicidade; mas não como uma explanação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas ―uma restituição, no relato, do que foi uma realidade primordial, que se narra e que responde a uma necessidade religiosa profunda, a aspirações morais, a coações e imperativos da ordem social, e, inclusive, de exigências práticas‖ (Malinowski 1982: 129). O mito cumpriria, assim, as seguintes funções essenciais: codifica e impõe as crenças e as normas da conduta, oferece uma fundamentação aos rituais, justifica e oferece uma explanação racional das instituições.

Por outro lado, ao estudar, em detalhe, numerosos mitos, Lévi-Strauss (1968, 1978) irá ver neles uma mesma natureza lógica e cognitiva. Ele

afirmará, todavia, que o principal objetivo dos mitos é fornecer soluções ideais – alegorias - aos problemas que o pensamento de cada sociedade ou grupo social descobre na realidade da experiência. O mito, entendido como estrutura mental pré-existente, recorre, assim, a uma operação peculiar: colocada uma sociedade ante uma contradição insolúvel (como, por exemplo, a que opõe a vida à morte, ou a natureza à cultura), a dinâmica do mito apela a uma outra oposição que tenha a aparência de ser ―uma variante atenuada‖, quer dizer, possível de ser pensada mais flexivelmente, daquela oposição inicial. No ato seguinte, o mito permite postular um elemento mediador entre ambos os pólos. Assim, por exemplo, a oposição vida-morte pode ser recodificada como a oposição entre agricultura e guerra, tendo como termo mediador a caça; na continuação, a agricultura e a caça são recodificadas na forma da oposição ―herbívoro-predadores‖, tendo como meio-termo, os

necrófagos. E para terminar...

(...) si se pregunta a qué último significado remiten estas significaciones que se significan una a otra, pero que a fin de cuentas es sin duda necesario que se remitan todas juntas a alguna cosa, la única cosa que sugiere este libro es que los mitos significan el espíritu que los elabora (..) (Lévi-Strauss 1968: 334).

Não pretendo encarar uma tarefa tão presunçosa como a de integrar aqui um capítulo das Mitológicas109 do ilustre antropólogo francês. Inclusive

porque, além de não ser este um mito culinário, no evento ritual futebolístico, como adverte Sahlins se trata de produzir ―um ganhador‖ e ―um perdedor‖ enquanto que os ritos que suportam os mitos em Lévi-Strauss fazem ―exatamente o contrário: ao ordenar os acontecimentos de acordo a um plano preexistente, nivelam e unem grupos que inicialmente estavam dissociados‖ (Sahlins 1997: 57).

Entretanto, acredito ser possível pensar em alguns acontecimentos, acionando uma narrativa apropriada à elaboração de uma simbologia – flexível- que caracteriza, aos olhos de vários dirigentes, no presente, a possessão de um tipo de saber sobre os sentidos do poder que opera atualizando-se na forma de mitos e ―habitado‖ pelos espíritos dos antecessores nestes cargos. Ou melhor, pela forma que esses relatos resolvem

109 A série Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss, é um marco da antropologia contemporânea.

Nesta obra, dividida em "O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu", o autor analisa 813 mitos de diferentes povos indígenas do continente americano. Ao mesmo tempo em que constrói um sistema de categorias que se presta a múltiplas transformações nos mitos, em sua essência, são compreendidos como fenômeno universal da mente humana.

determinados acontecimentos aparentemente ―insolúveis‖, de uma natureza dissociada, como gostava de dizer Lévi-Strauss - quando entendia que os mitos colocavam em cena contradições sociais básicas em um horizonte de significação de operações imagísticas e de transformação onírica, essas ―homologias entre a infra-estrutura e a ideologia‖.

Assim, no processo de ―fundação‖ dos mencionado clubes, entre 1901 e 1916, sucedeu-se uma série de acontecimentos envolvendo diretamente atitudes, condutas e representações em cuja dinâmica os dirigentes dos jovens clubes de La Plata são os principais protagonistas.

Tomemos, primeiro, a fundação do Gimnasia y Esgrima, tido pelos seus torcedores como o ―mais velho clube do futebol argentino‖. Todos sabem, porém, que o futebol não aparece como prática na origem da fundação desta agremiação, criada, em realidade, como clube de uma ―elite política‖ local que se estabelecia rapidamente na cidade em torno ao novo aparelho de estado. Assim, o clube está ligado fortemente, nas origens, aos esportes nobres e aristocráticos da época, particularmente, claro, à prática da esgrima. Concretamente, o futebol começa a ser praticado no Gimnasia no final do século XIX, em 1899. Segundo diz a história, era impulsionado, fundamentalmente, por estudantes do Colégio Nacional que integravam o clube. Mas, os ‗gimnasistas‘ apareciam divididos. Enquanto alguns sócios queriam praticar jogos ao ar livre, outros entendiam que deviam ser feitos em salas e com aparelhos, relata Bionda na sua História do Futebol Platense publicada em 1940. Finalmente, a constante resistência de parte dos sócios mais influentes fez com que esta prática fosse deixada de lado entre os anos de 1904 e 1905, depois que se produziram uma série de altercações durante algumas partidas de futebol. A então Comissão Diretiva do Gimnasia tomou a decisão de suspender esta prática esportiva e ―voltar às suas origens‖, por ser considerado desviante dos ―saudáveis valores do esporte‖ que o clube defendia110:

Em 1905, com a presença de alguns dirigentes ―dissidentes‖ do Gimnasia que desejavam ter como prática o futebol, cria-se o clube Estudiantes de La Plata, (integrado por vários estudantes do Colégio Nacional). Entre eles, encontrava-se o major do Exército, Miguel Gutiérrez, que tinha sido presidente do Gimnasia, e que será escolhido para idêntico cargo na primeira reunião em Assembléia por ―unanimidad fraternal‖111.

Como explicita a Ata de Constituição do Estudiantes de 1905, o futebol é erigido como a centro da prática esportiva e recriativa do jovem clube:

110

Gimnasia. História de uma pasión. La Plata: Editorial Deportiva Bonaerense y Diário El Dia. 2006. pp. 22.

Siendo las 9 pm toma la palabra el Sr. Alfredo Lartigue y expuso: Que entre un grupo de aficionados al juego de foot- ball, había surgido la idea de fundar un club atlético para el fomento de ejercicios físicos en esta ciudad, motivo por el cual se encontraban reunidos todos los presentes. Aceptada la idea por los comparecientes a indicación del Sr. David Ramsay se procedió por aclamación al nombramiento de Presidente y Secretario Provisorios, recayendo aquel en los Sres. Moreda y Lartigue, respectivamente. La moción de varios de los comparecientes y previa discusión se resuelve, por unanimidad lo siguiente: Dar por constituido el Club Atlético Estudiantes. (Ata de Fundação do Clube Estudiantes de La Plata, 4 de agosto de 1905).

Na Assembléia da Comissão Diretiva, realizada no dia 28 de fevereiro de 1906, determinam-se as cores vermelha e branca para as camisetas. A proposta surgiu de um dos seus fundadores, o médico Tomas Shedden, que mantinha seu apreço por estas cores desde sua passagem pelo English High

School112, onde estudou. Da mesma escola eram, também, os fundadores do Alumni (fundado em 1901), clube atlético que marca o início do futebol como fenômeno de convocação de massas na Argentina, na primeira década do século XX. Em contrapartida, a primeira camiseta que o Gimnasia utilizou tinha listras verticais azuis-celestes e brancas, já que os fundadores queriam ressaltar que, como diz novamente o mito, ―se tratava de um clube da Argentina‖. O Estudiantes participa dos torneios superiores a partir de 1907. Em 1911, o Gimnasia, forçado pelo crescimento do futebol em todos os setores sociais, acaba reincorporando-o e ingressa nas competições oficiais.

Se entre os principais motivos apresentados pelos diretores do Gimnasia estava a suspeita, aparentemente justificada por alguns episódios, da violência e das brigas nas partidas, a dinâmica expansiva e popularizante do futebol afastava as regras pacíficas e nobres do clube e o comprometia como espaço de distinção social. Por outro lado, o Estudiantes era, objetivamente, o resultado de uma demanda de abertura que vinha das classes médias em ascensão, com influências em âmbitos estudantis. O que estava acontecendo tinha a ver, sem dúvida, com um processo de identificação etno- clubística. Apesar dos membros fundadores do clube Gimnasia fazerem parte de uma pequena elite estatal nativa, que povoava lentamente a cidade (por exemplo, o Dr. Dardo Rocha, Governador da Província e fundador da cidade

112 Escola de educação básica localizada na cidade de Buenos Aires. Fundada em 1884 pelo professor

escocês Alexander Watson Hutton, que é considerado –junto com Santiago Fitz Simon- como o responsável de introduzir a prática regrada do futebol na pedagogia institucional. Em 1893, Watson Hutton fundou também a ―Argentine Association Football League‖.

e do clube Gimnasia durante a década de 1880 e que tinha impulsionado as bases do modelo modernizador do país da qual La Plata era uma das suas máximas expressões), a negativa de dar continuidade à prática do futebol em Gimnasia foi vista - aos olhos dos fundadores do Estudiantes - como sinal de uma resistência conservadora a um processo irrefreável de integração que a futura sociedade indústrial devia assumir, organizada pelo Estado Nacional, e que estava representada na idéia de ―cidade‖.

Time do Estudiantes de 1910. Os dirigentes se encontravam confundidos com a imagem do time. Até a década de 1930, muitos membros da diretoria do Estudiantes e do Gimnasia seriam, ao mesmo tempo, os principais jogadores do time de futebol. Assim, esta foto, é ao mesmo tempo, a foto do time e da estrutura de direção. (Arquivo do Diário El Dia, La Plata).

Finalmente, esta demanda pode ser vista como parte de uma exigência civilizatória à qual me referi anteriormente. Uma demanda liderada por um grupo ―moderno‖, que vê na prática do futebol um campo de possibilidades113 para a integração e socialização de um setor social –fortemente vinculado com ―a idéia‖ do sistema educativo - que em finais do século XIX já é visto como a pedra fundamental do país que ―está por vir‘. Assim, o nascimento do Estudiantes surge como uma espécie de ―arranjo do universo lógico‖ da cidade, identificando sua origem e a do clube com a pretendida integração entre Estado e classes populares, e se encaminhou como uma nova referência que identificava seu nascimento com as atitudes excludentes e elitistas do Gimnasia. Admitiremos que os clubes aqui trabalhados são assim corretamente incorporáveis à extensa lista de nomes que Julio Frydenberg dá como descrição de uma gênese histórica entre a prática do futebol e a adoção de valores socialmente significativos para a jovem nação em formação (Frydenberg 2009: 12). Efetivamente, já nesse ato original de dar-se esse nome, Gimnasia y Esgrima La Plata estará associado com uma elite ―criolla‖, ligada aos significante aristocráticos, e Estudiantes, com os setores populares integrados à expansão do sistema educativo e à integração.

Como se a utopia popular-integracionista tivesse se concretizado, o jovem clube Estudiantes transformou-se, durante esses primeiros anos - em que Gimnasia está ausente do futebol local- , no ―clube popular‖ e ―futbolero‖

da cidade. Imaginemos o que significava, naqueles anos, em uma aglomeração urbana como La Plata, com menos de 50 mil habitantes, um evento que reunia uma média de 5 mil espectadores por partida.114

Tendo em vista, porém, a primeira parte do relato de origem aqui tratado, e partindo das identificações de classe primárias que surgem no relato de origem de cada clube, se observa um aparente paradoxo: Gimnasia y Esgrima, poucos anos depois, na década de 1920, estará vinculado claramente com a personalidade e o caráter de um ―povo irreverente‖, e o Estudiantes aparecerá como o clube de ―elite‖, excludente e dos ―que pensam‖. Aparente, digo, pois este paradoxo novamente se resolveria facilmente reduzindo o argumento à presença de uma valorização dos ―estudantes‖ (futuros profissionais) como parte de uma elite intelectual dirigente emergente naqueles anos. É possível. Mas é uma meia verdade quando vemos que a história que efetivamente é transmitida, fala de uma origem que está marcada precisamente pela forte resistência dos aristocráticos e ―notáveis‖ membros do Gimnasia, que tinham resistido, poucos anos antes, à incorporação do futebol por considerá-lo ―popular‖ e massivo.

Qual é, então, a estrutura de transformação mitológica? Com efeito, até 1905, a premissa em que se baseia o antagonismo não difere muito das origens de outros clubes antagônicos da Argentina. Independiente ―nasce‖ de um grupo interno em dissidência dentro do Racing Club de Avellaneda, Boca

Juniors um desprendimento do River Plate quando este último muda do

bairro de La Boca para o de Nuñez, etc. São as dissidências que criam e desafiam o destino. Origem real ou imaginária, efetivamente, as relações sintagmáticas entre os nomes e signos organizam as coordenadas simbólicas necessárias por meio de um litígio de origem, inaugurando o sistema de pertenças e adesões clubísticas que apontam para sua ―compreensão semiológica‖ (Damo 2005: 65). Todavia, se observamos as relações paradigmáticas dos elementos em jogo entre tradições ―criollas‖ versus ―inglesas‖, entre estatutos geracionais de ―nobreza‖ versus jovens estudantes, veremos que outras derivações entram em jogo na memória coletiva (Halbwachs, 2004). Trata-se de uma estrutura normativa em que os relatos de fundação do Estudiantes e do Gimnasia espelham temas que se organizam como estética.

Como foi assinalado por Bourdieu (1989), as características deste debate se nutrem de um ―discurso regionalista‖, discurso implícito na ordem performática em que ―as regiões‖ são objeto de lutas estilizadas entre sujeitos ―especializados‖ que aspiram ao monopólio da definição legítima da identidade, suas características, simbologias e condições de ação no futuro.

Mas como existe uma questão que dá materialidade a tudo isto, a disputa se constrói em torno da busca por uma dominação visível e palpável por um território. Como todo território, ele é uma categoria válida de luta, uma vez que é elaborado pelos sujeitos que o pretendem como um espaço social valorado para a ação, o trabalho, o comércio, a política.

Sucede que em 1914115, ano do início da Primeira Guerra Mundial, sucessivos episódios de violência, agora envolvendo, além de jogadores, também simpatizantes, criaram condições para uma nova fissura na unidade da então diretoria do Estudiantes. Aos olhos de alguns dos integrantes da CD, presidida pelo advogado Dr. Agustín Gambier (eleito, em 1916, vereador nas primeiras eleições abertas da cidade), gera-se uma divisão em relação aos modos de resolver estas situações. Os grupos antagônicos estavam liderados por jogadores do time principal, também parte dos dirigentes. De um lado, Ludovico Pastor, apelidado ―o sangue azul‖, e apoiado pelo médico Alfredo Lartigue, que será eleito presidente em 1915. Do outro, Angel Bottaro e Emilio Fernandez, este último operário dos frigoríficos de Berisso, cidade da periferia, onde também vivia. Bottaro será expulso do clube, e Fernández - junto com outros jogadores – renuncia, em solidariedade a essa ―injustiça‖. Um ano mais tarde, em 1915, estes jogadores integraram o Gimnasia (Asnaghi 1988: 44). Em defesa de uma suposta ―identidade civilizada‖ do clube, toma-se a resolução de expulsá-los, ao mesmo tempo que são apelidados, durante aqueles acontecimentos, de ―tripeiros‖, por óbvia alusão ao seu oficio nos frigoríficos. Estranha maneira em que ―tomam forma os acontecimentos em que um povo entra na história‖.116

Como consequência desta decisão, firmou-se entre os dirigentes uma posição mais radicalizada, determinando oficialmente a restrição do direito de se associar àquelas pessoas que não comprovassem sua residência dentro do centro urbano da cidade: ―os ‗estudantes‘ anunciaram seu firme propósito de não contar, em suas fileiras, mais do que com jogadores da cidade‖ (Bionda 1940: 46). A maioria dos integrantes da CD considerava que a violência era responsabilidade da ampliação do fanatismo pelo futebol além das fronteiras da cidade, integrando bairros operários e plebeus, como Ensenada, Berisso, Los Hornos, etc. Dir-se-ia que, na resolução deste episódio, o Estudiantes, resignado à condição de uma jovem vanguarda burguesa, apenas conseguida ―provisoriamente‖ em 1905, devolve os ―incivilizados‖ – sublevados - para o território simbólico daqueles que tinham sido acusados de aristocratas e

115 Jonh Foot (2007:18) descreve os anos de pré-guerra entre 1911-1914 como o período de maior

violência nos estádios durantes os começos do futebol italiano.

116

Palavras textuais do Prof. Carlos Asnaghi (84), conhecido como ―o historiador do Gimnasia‖, também ex-dirigente do clube nas décadas de 1970 e 1980 (entrevista realizada em 20 de outubro de 2006).

excluintes e antes identificados com o passado a ser superado; precisamente os frigorificos, lugar onde estava presente o poder material das velhas elites econômicas de fazendeiros que tinham participado da fundação do clube Gimnasia.

Do lado esquerdo, formando um quadrado perfeito, se observa o “caso urbano” de La Plata. Do lado direito da imagem, as cidades de Berisso e Ensenada, formando parte do Porto de La Plata. Entre ambas o “bosque platense”.

A cidade de La Plata, serve de palco para uma dramatização quase teatral, semelhante ao ―sainete criollo‖, gênero teatral vinculado com o grotesco, derivado da combinação da comédia italiana com o teatro popular espanhol, onde se respira uma atmosfera de conflito pela construção social da linguagem, no encontro entre imigrantes e nativos. Lembremos que ―sainete criollo‖ se caracterizava como gênero por refletir os costumes de uma vida nacional nos ―conventillos‖117

, agregando aos elementos humorísticos dos desencontros e mal-entendidos semânticos de uma nação jovem, um conflito sentimental centrado na figura da mulher abandonada, e um desenlaçe trágico entre gerações.

Nesse espaço, a cidade é a mulher do sainete. Como conceito local e