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Poder, “elitidades” e identificações

1.3. Os leitmotiv das identificações de base do futebol argentino

A primeira ‖liga‖ de futebol na Argentina, a Argentine Football

Asociation, foi criada em 1893, por iniciativa do professor escocês do English High School, Alejandro Watson Hutton. Este personagem tinha como

antecedente ter criado, em 1884, o legendário - e posteriormente desaparecido - Clube Alumni, identificado com o modelo de competência amador e cavalheiresco do futebol que dominava na época, entre os setores aristocráticos europeus. Nesse contexto inicial, durante os primeiros anos de vida, os clubes emergiram, entre os jovens, como práticas fundamentalmente associativas, lúdicas e integradoras, associadas às identidades urbanas dos

72 Na idéia de que a política clubística guarda pontos de conexão com a teleologia do poder balinesa é

possível dizer que uma etnografia sobre as práticas e sobre os discursos ancorados nas trajetórias dos dirigentes de futebol pode cobrir, por exemplo, certos ―buracos‖ na análise da economia política capitalista, como as motivações sociais das representações dadas aos papéis destes sujeitos associados com instituições especializadas da sociedade civil. Concordo com Louis Althusser, que afirma que estas instituições precisam desta diferenciação; no entanto, uma parte dela responde a demandas de socialização próprias de aparelhos ideológicos, e estes sujeitos ―representam, sobretudo, sua relação com as condições de existência‖ (Althusser 1968: 125).

73 Remete ao movimento que Michel Maffesoli (2005) descreveu como a ―transfiguração da política‖

bairros de Buenos Aires (Frydenberg, 1998, 2009). Os clubes e associações de futebol foram tomando seus respectivos lugares em uma estrutura referencial claramente constituinte das identificações em disputa sobre o conceito de ―argentinidade‖ (Alabarces 2002: 35-52), como também formularam coordenadas para estruturação simbólica dos imaginários locais (Gil 2002: 23-39); tal como, um século depois, era exprimido por Sr.Fuentes no depoimento destacado na parte introdutória desta tese.

Integrando-se à articulação entre modelos políticos e esporte ao longo do século XX, nos começos da história do futebol argentino, e apesar de perceber-se uma relação de origem entre o mundo da empresa e o futebol - a empresa ferroviária, mas também com o aparelho de Estado -, a prática deste esporte será um espaço primáriamente reservado à realização pragmática de valores ―não mercantis‖ que ―tentavam‖ entrar na construção de uma ―tradição nacional‖ e da ―pátria‖ que interessava aos grupos de elite. Quanto ao papel dos clubes, Julio Fyrdenberg (2009), com originalidade e historiografia, interpreta os sentidos culturais e semânticos desta tensão partindo da adoção dos nomes dos clubes populares74 até 1930 (dos ingleses, passando pelo universo imigrante e dos bairros, até os próceres).

Si el vinculo identitario no quedó asociado a las colectividades nacionales, si primó el sentimiento y la razón de la defensa del pequeño espacio local, vecinal, de cuadra o de esquina. Sumado a éste aparecerá desde 1910 un recurrente apego a la simbología patria emblematizada en los próceres nacionales. Es decir, este desacople temporal entre la fundación de la tradición patria defines del siglo XIX y comienzos del XX y su plena adopción talvez nos remita al pasaje de la formación del discurso patrio y a su recepción, en ese caso vehiculizada en el fútbol (p.11).

A ―tradição‖ não é um segmento histórico inerte75

. Tanto Archetti (2005) como Gil (2002) advertem que o modelo de competição que formulava a

74 Refiro-me aqui, uma única vez, aos clubes com o adjetivo de ―populares‖ (com o objetivo de

distingui-los daqueles ―exclusivos‖), onde era permitida a entrada de todas pessoas.

75 Basta lembrar que Raymond Williams explicou - com Antonio Gramsci zombando nos arredor es –

que a tradição é sempre uma tradição determinada por algo, "uma versão intencionalmente seletiva de um passado configurativo e de um presente pré-configurado, que resulta poderosamente operativo dentro do processo de definição e identificação cultural e social." (Williams 2000:56). Se muitas nações de América Latina têm-se visto identificadas no futebol como ―cultura‖, esse "artefato histórico bem fundado" - dirá Pierre Bourdieu, parafraseando Durkheim -, isto se deve ao fato de que este evento ofereceu também um princípio de demarcação útil à razão prática: isto sim e isto não; uma convenção, um modo de organização social cujas costuras se põem ao contrário e desaparecem, uma linguagem compartilhada e reconhecível por todos os participantes da conversação.

prática do futebol se desenvolveu como linguagem e prática na chamadas ―zonas livres‖ urbanas, lugares de liminaridade e hibridação das identidades pré-constituídas, ―áreas de criatividade‖ que, de certa forma, entravam em ressonância singular com o discurso dominante sobre a disciplina, a saúde, e a produtividade como elementos centrais do modelo de progresso e modernidade (Archetti 2005: 340-341). Archetti viu como a particularidade da gênese do futebol na Argentina tinha a ver com uma hibridez característica dos clubes que permitia pensá-los como espaço de invenção cultural singular de fenômenos históricos, sociológicos, e antropológicos.

Esta liminaridade tinha a marca de uma rápida modernização econômica cuja metáfora era a expansão da vias férreas, ao longo das quais, tal como aconteceu entre as ferrovias de Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil (Miller 2007) cresceram velozmente. Até 1915, surgiram ―inumeráveis clubes e associações com objetivos esportivos e circuitos de competição‖ (Lupo 2004: 28). Assim como Toledo refere-se, no futebol brasileiro, aos processos de internalização - ―aclimatações e interpretações‖ - de prescrições sociais coletivas que deram estímulo a ―experimentações e manejos culturais originais‖ ancorados numa amplitude étnica em conflito e interação (Toledo 2002: 32), Archetti vê, na Argentina, este mesmo fenômeno etnogênico na interface do futebol com o gênero; na ―invenção‖ de um gênero masculino ―híbrido e inacabado‖. O estilo ―criollo‖ do jogo, construído como narração das imagens do ―pivete‖, da ―várzea‖, do ―drible‖ e do ―talento‖ versus o estilo ―inglês‖, ―estrangeiro‖, ―organizado‖, ―solidário‖ e ―científico‖ (Archetti 2003, 2005).

Grupo de jovens de classe operária praticando futebol com uma imagem da fábrica “Armour” de Berisso nos fundos. No canto inferior esquerdo, a bandeirinha denota os limites das regras da disputa.

(Desenho anônimo, „Gimnasia, 100 años‟, 1988, página 56).

Entre 1900 e 1910, ocorreram as insurreições radicais e as grandes greves operárias que ―tendiam‖ a resolver a ―anomalia argentina‖ por meio de

uma guerra civil. O país mostrou reservas institucionais para favorecer um acordo através de reformas políticas que permitiram canalizar a tensão política concentrada na demanda de universalizar a cidadania política. Tal compromisso foi a lei Sáenz Peña, de 1912, que permitiu à União Cívica Radical (UCR) chegar pacificamente ao governo em 1916. Não era suficiente para o vigoroso movimento sindical ideologicamente pluralista de esquerda e a ação dos partidos socialista e comunista. A demanda de cidadania social estará presente, como grande linha de força, durante os anos ‘20 e ‘30 do século passado. Durante aquele período, a União Cívica Radical, primeiro partido moderno e democrático no país, foi se constituindo como um partido liberal-populista organizado por um complexo sistema de caciques e ―punteros‖ de comitês assistencialistas e clientelistas. A impressionante entrada, na história política argentina, de Hipólito Yrigoyen76, viu-se ofuscada por um estilo partidário que fazia com que este líder nacionalista democrático tivesse uma visão estratégica da democracia política ampla, mas também sucumbisse às suas tendências uni- personalistas e de estímulo a práticas clientelistas. Entre 1916 e 1928, estendeu- se a democracia política, mas ao mesmo tempo, o partido oficial reproduziu práticas partidárias antidemocráticas encobertas por um populismo ―simplista‖. Por sua vez, também as organizações operárias careceram das ferramentas teóricas para operar em um cenário sócio-político complexo gerado por linhas de força que tendiam ao corporativismo setorial e que oscilavam entre ―ser ou não ser‖ partícipe da modernização e da mobilidade social (Godio, J. 2000). Em síntese, a elite politica da UCR era, na sua maioria, composta por advogados pertencentes à classe média alta que estavam em uma ambivalente posição de equilíbrio entre serem fiéis à sociedade agrária, ou serem executores de sua superação e posterior desaparecimento.

Seguindo Eric Hobsbawm, foi a revolução francesa que dominou a história, a linguagem e o simbolismo da política ocidental moderna desde seus começos até os finais da Primeira Guerra Mundial; ―incluindo a política das elites do que hoje conhecemos como o Terceiro Mundo, as quais viam as esperanças dos seus povos em vias de modernização, seguindo o exemplo dos estados europeus mais avançados‖. (Hobsbawm 1992: 57). Porém, durante o período de entreguerras, vai ter lugar uma mudança significativa neste modelo universalista, no mundo do esporte em nível global, quando se passa de um ―esportivismo cosmopolita‖ para o ―nacionalismo esportivo‖ (Hobsbawm 1991: 10). Esse fenômeno está em conexão direta com a interseção entre práticas das camadas altas e baixas, e nos permite apontar necessidade de evitar a simplificação dos assuntos aqui tratados.

76 Presidente da República por eleições entre 1916 e 1922, e novamente entre 1928 e 1930 quando foi

No caso argentino, trata-se de um nacionalismo impulsionado por uma elite dirigente que controlava o Estado no final do século XIX, associado com a criação de um novo paradigma educativo laico e estatal amplo, mas também ―especializado‖ na produção de ―camadas intelectuais dirigentes‖ - os Colégios Nacionais e as Universidades Nacionais- a partir das reformas educativas de 1904 (Puigrós 1993: 73). Estruturada sobre a busca da superação da ‗barbárie‖ no final do século XIX, a dimensão da Dirección de

Escuelas da Província de Buenos Aires,77 no início do século XX, era a estrutura educativa (professores e administração) mais importante do país e da América Latina (idem 1993). Era um nacionalismo marcado pela busca do disciplinamento e da integração de um país dinamizado, fundamentalmente, pela chegada, em massa, dos imigrantes.

Todavia, sabemos que a ―integração‖ não significa necessariamente inclusão em sentido positivo. Ao contrário, historicamente, ―o advento de um novo nível de integração tem significado a exclusão ou perda relativa de poder de diferentes segmentos sociais‖ (Lins Ribeiro 1997: 4). No horizonte dos esportes, este nacionalismo dominante exprimirá a tentativa de compatibilizar- se como prática pedagógica com os valores liberais dos setores que dominavam o Estado. Junto com o crescimento de numerosos clubes e instituições esportivas, incipientemente amparados pelas políticas educativas oficiais, o futebol foi sendo incorporado, aos poucos, como parte da pedagogia dos influentes meios de comunicação da época – rádio, jornais e revistas -, controlados pelas elites nacionalistas, mas baseados em uma ênfase nas práticas igualitárias, homogeneizadoras, democráticas e promotoras de ―ascensão social‖ dominante do modelo político integracionista argentino daquele período (Bejar 2005; Rapoport 2006). Isto significava uma vontade manifesta de impor certas crenças comuns, certos relatos sobre as origens, símbolos de identidade e mitos moralizadores aos habitantes de um ―território independente‖ (Devoto 2002). Através da incipiente participação em eventos mundiais crescentemente mediatizados, os esportes, especialmente o futebol, permititiam a constituição de ―um espaço de intercâmbio internacional que faz com que o nacional seja contraposto em espaços competitivos‖78

(Archetti 2005: 340).

Do ponto de vista do suporte cultural da elite política, os anos ‘20, assistiram a transformação de uma aristocracia liberal sofisticada em uma

77 Instituição que centraliza a educação básica na Provincia de Buenos Aires. Fundada em 1876, seu

primeiro diretor foi Domingo Sarmiento.

78 Já em 1903, o time do Gimnasia realiza uma série de jogos contra os marinheiros de barcos

ingleses atracados no porto de Ensenada. Nesse contexto de competição, incorpora as cores da bandeira argentina na camiseta. Ver La história de Estudiantes. La Plata: Ediciones El Día, 2006b. p.22.

oligarquia ―rentista‖. A sociedade de massas estava em conformação, tendo em vista que a população era um caleidoscópio de nacionalidades estrangeiras no qual começava a interagir uma população ―criolla‖ com uma comunidade vigorosamente ―cosmopolita‖; carecia ainda de uma clara identidade nacional unificada (no ato do 1° de Mayo de 1890, os oradores falaram em sete línguas diferentes). Se em 1885, os estrangeiros representavam 37,5% da população economicamente ativa, em 1914, eram do 46,1% (Svampa 2006: 76). Tratava- se de uma nova classe em formação cuja vantagem sobre os setores ―telúricos‖ nativos era contar com experiências sindicais e políticas socialistas da imigração européia, mas que eram frágeis pelo seu estranhamento ―nacional‖ para com a política argentina. Anarquistas, socialistas, comunistas e os sindicalistas ―puros‖ eram tributários ―acríticos‖, por seus parentescos filiais, com as grandes correntes ideológicas européias (Godio, J. 2000: 221-305).

A assimilação migratória externa e interna ―real‖ de uma ―nova‖ e tumultuosa comunidade nacional ―imaginada‖ (vislumbrada sabiamente por Raúl Scalabrini Ortiz em El hombre que está solo y espera) e a formação daquela burguesia nacional, entre outros aspectos, eram formas culturais de um processo etnogênico que se colaram nos interstícios de um integrismo nascente pela pressão da urbanização e da marginalidade periférica, dando início a uma espécie de revolução cultural promovida por intelectuais que se associavam à busca de um povo com ―identidade nacional integradora‖. Aos temores da burguesia quanto à formação de núcleos de intelectuais nacionalistas- industrialistas somava-se a emergência, dentro da Igreja Católica, de correntes religiosas social-cristãs incipientes mas convergentes com um programa de maior justiça social. O crescente interesse da emergente burguesia industrial pela política convivia com a presença de correntes nacionalistas identificadas com os fascismos da época. Se configurava assim um potencial nacionalista democrático e popular, tributário da ―razão histórica‖ subjacente à anomalia etnogênica. Os vínculos da construção material e simbólica das oposições com as identificações futebolísticas na Argentina tomavam forma.

A rápida expansão da suas diferentes práticas entre vastas camadas sociais, na maioria das nações do planeta, foi acompanhada da criação de um gigantesco espetáculo de massas construído em torno – e sobre - a emergente instituição clubística e suas identificações de classe. Na Argentina, durante esse período, criaram-se aqueles que se converteram nos ―cinco grandes‖ clubes no futebol argentino: Boca Juniors, River Plate, San Lorenzo, Racing

Clube, Independiente, etc. O futebol se situava rapidamente como instância de

produção simbólica de identificações em que se aplicam coordenadas do mencionado ―esquema cultural‖. Um esquema que, de modo geral, a sociedade burguesa, como aponta Marshall Sahlins, tende a tingir com os simbolismos econômicos toda a ordem cultural:

En el sistema occidental, las relaciones de producción constituyen una clasificación reiterada en el esquema cultural entero, en la medida en que las distinciones de persona, tiempo, espacio y ocasión desarrolladas en la producción se comunican a todo, al parentesco, a la política y al resto, a pesar de las discontinuidades de la cualidad institucional (Sahlins 1997: 210).

Tendo como foco o caso argentino, Archetti (1997, 2003, 2005) subscreveria a importância deste fenômeno - o simbolismo econômico, ―advertência‖ de Sahlins sobre a aparente universalidade da conduta econômica racional - que liga as representações inscritas pela economia- política nos sujeitos como parte do processo de formulação do ―ser nacional‖ veiculado no futebol argentino. Mas ―tender‖ não significa ―ser‖, gostava de lembrar Tarde (2006). Como antropólogo, Archetti compreende a centralidade das ―ambigüidades‖ deste processo no fato dele instaurar uma dissociação inicial entre modelos de produção do corpo e da sociabilidade como razão prática deste último, face às estruturas educativas criadas em finais do século XIX, no emergente Estado argentino (com uma ênfase na ginástica).

Entre 1922 e 1928, a Argentina atravessou anos de bonança econômica, fruto do aprofundamento do seu papel de produtor e exportador de produtos agropecuários. Os setores trabalhadores viveram um período em que o custo de vida baixou, com um pequeno aumento do tempo disponível para o desenvolvimento de atividades recreativas. Desse modo, houve uma maior presença das camadas populares no papel de consumidores de produtos massivos como, por exemplo, os periódicos e os estádios de futebol, esporte já instalado como a maior atração popular nacional. O circuito do time do

Boca Juniors pela Europa, em 1925, se transformará no primeiro grande

acontecimento esportivo da construção nacional de um clube de futebol como ―parte‖ da sua identidade. Ao mesmo tempo, mostrará a importância que o futebol de espetáculo irá adquirindo, como ocorreu na elaboração de uma veiculação, através da imprensa, de sentimentos e coordenadas culturais que interpretavam a sociedade argentina da época. Tal como Benedict Anderson (2000) tem destacado, este primeiro fenômeno que se dá na ordem mediática e em relação à construção nacional de uma comunidade imaginada nacional. Neste sentido, novamente Frydenberg aponta que...

…queda claramente demostrado cómo Crítica parte activa en la formación del campo deportivo, y no sólo como mediador: se transforma en actor de primer nivel en la construcción de ese espacio social. Se encarga de mostrar las virtudes y los costados mas corruptos del fútbol y tomó partido activamente. Emite un discurso moralizante que siempre ha acompañado al deporte (…) es decir, no se aparta de las líneas ideológicas básicas

presentes en el deporte moderno desde su creación, asociándolo a la salud, a la ética y a la disciplina. Sin embargo, a diferencia de otros medios, actúa, acciona en la política interna del fútbol, llegando su director, Natalio Botana, a convertirse en presidente de la Liga, en 1926…Los límites propuestos por Crítica a los males del fútbol se vinculan con la propia lógica del crecimiento del espectáculo de masas: apuntalar y corregir las in conductas del público y de los actores principales (Frydenberg 2003: 94).

O futebol continha a tecnologia necessária do ponto de vista espetacular e do ponto de vista lúdico para transformar-se em cenário das várias identidades que ―precisavam‖ dele para ―resolver-se‖ como fontes e signos de uma formulação cultural nacional. Como vemos, o futebol inscrevia rapidamente sua participação como prática espetacular no interior de uma problemática histórica que remetia a uma duplicidade implícita nos processos locais e globais ao mesmo tempo. Por um lado, tendia à homogeneização de certas condutas dos participantes, permitindo incluí-la como o signo da nação, mas protagonista em um ―jogo global‖, e por outro, assimilava constantemente os pertencimentos locais em disputa de modo mobilizador e reprodutor de identificações territoriais menores (Giulanotti & Robertson 2007). No Brasil, o triunfo do Vasco da Gama, no Campeonato do Rio, em 1923, utilizando mulatos e jogadores negros, provocou lutas pelas tentativas de expulsar, literalmente, os jogadores das classes baixas (Leite Lopes 1997: 62-67). Mitos de fundação da integração brasileira, construídos, entre outros, nas páginas do reconhecido jornalista Mário Filho, em finais da década dos 40, são testemunhos da vitalidade com que o futebol de massas permitia manipular estas coordenadas.

Como foi dito, a partir dos anos ´20, também na Argentina, o futebol havia assumido sua principal figuração como fenômeno global vinculado à tarefa de elaboração de coordenadas nacionais, explicitando-se como estruturação metafórica de uma sociedade imaginada como ―integrada‖ e fortalecendo o processo etnogênico de conflito a ser resolvido entre ―bárbaros‖, ―civilizados‖, ―nativos‖, ―estrangeiros‖, etc. A forma singular em que se territorializou o futebol prefigura a retícula de uma teatralização da ordem cultural nacional; trata-se daquilo que Laclau & Mouffe caracterizam como o antagonismo fundador e mobilizador dos projetos nacionais baseados na idéia da experiência cotidiana ritualizada de um ―nós‖ elaborado como ameaça de uma ―agência agressiva‖ externa (Laclau & Mouffe 1985: 93).

As ―etnicidades‖ futebolísticas resultarão de um contato intercultural objetivo que por sua vez que regularia as caraterísticas deste contato mediante a formulação de emblemas ―de contraste‖. A simbolização seletiva dos

emblemas supõe a reificação de diferenças relativas, dado que ―o próprio da lógica do símbolo é transformar em diferenças absolutas, de tudo ou nada, as diferenças infinitesimais‖ (Bourdieu 1991: 231). A alquímica formulação cultural deste ―jogo de espelhos‖ e sua razoável eficácia simbólica através do futebol é claramente indicada por Alabarces quando afirma:

Frente a una idea de nación anclada en el panteón heroico de las familias patricias y la tradición hispánica, el fútbol reponía una nación representada en sujetos populares e hijos de inmigrants pobres. Frente a un arquetipo gauchesco construido sobre as clases populares suprimidas por la organización económica agropecuaria, os héroes nacionales que os intelectuales