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Poder, “elitidades” e identificações

1.4. Das instituições da civilidade à expansão da multidão

Julio Cortazar lembra um episódio da sua infância em um dos seus ensaios de La vuelta al dia em ochenta mundos. Conta que, quando, em uma noite de 1923, se enfrentaram num ring em Nova York, pelo Campeonato Mundial de Box, Luis Angel Firpo, o ―torito das pampas‖, e o norte-americano

Jack Dempsey, junto ao bairro reunido em torno a um pequeno aparelho de rádio que seu tio possuía, assistiria, ao mesmo tempo, ―ao nascimento do rádio e à morte do box‖. Foi este, o primeiro grande evento esportivo transmitido por rádio na Argentina. Morte do box como ―nobre arte‖ do corpo. Morte do pacto do esporte com a escritura e com a forma épica de apropriar-se dos acontecimentos esportivos, que, ―anunciava ao mesmo tempo o nascimento de uma arte plebéia do ring‖ (Godio 1994: 80). Desde os primeiros anos de existência do futebol de massas, o jornalismo escrito, primeiro, e o rádio, depois, transformaram cada domingo em um grande espetáculo que apontava para a cristalização de um contexto ritual das diferenças e das identidades, do lugar do particular e daquele reservado aos universais. Parafraseando Adorno & Horkheimer, futebol – o film, dizem os autores -, o rádio e os semanários – cada vez mais influenciados pela estética comunicativa do rádio - constituem um sistema que suporta a indústria cultural do novo período de massas que está nascendo (Adorno & Horkheimer 1969:146).

Tinha ficado para trás a grande efervescência social das primeiras duas décadas do século XX, alimentada pelo protesto social de uma massa imigrante que se volta contra ―uma realidade proletária que a aguarda ao final da viagem empreendida para escapar da pobreza de seus lugares de origem‖ (Torre 1990, p. 40). Todavia, do ponto de vista econômico, acompanhando o período de substituição de importações e a posterior tentativa frustrada de industrialização, durante o período de governo do peronismo, trata-se dos primórdios de uma ―virada‖ histórica que finalmente assentará as bases para a um formato de espetáculo que caracterizará o futebol argentino como fenômeno de massas nas próximas décadas.

Em sintonia com este processo de expansão, encontram-se também os clubes platenses. Lembremos que, em 1929, Gimnasia y Esgrima se consagra campeão do que é considerado, nas estatísticas, o último campeonato nacional amador organizado pela Asociación Amateurs Argentina de Football. Em 1931, ano do primeiro Campeonato Profissional de Futebol e da gênese da Associação do Futebol Argentino (criada definitivamente em 1934), o Estudiantes de La Plata faz uma campanha superlativa79, perdendo na última rodada o primeiro campeonato profissional organizado pela AFA, para o já poderoso Boca Juniors, um dos ―cinco grandes‖ da Argentina80. Durante esse período, o Presidente do Estudiantes de La Plata era um médico reconhecido da cidade, de orientação conservadora e ex-jogador do time, o Dr. Jorge

79 Seus cinco atacantes, apelidados ―os Professores‖, conseguem o maior recorde de gols a favor do

profissionalismo (104 gols).

80

Curiosamente, estes perderão sua hegemonia nos campeonatos profissionais em 1967, frente ao Estudiantes. Fato que quase acontece cinco anos antes, em 1962, quando Gimnasia termina em segundo lugar.

Hirchi (1927-1932)81, enquanto o Gimnasia era presidido pelo ex-Deputado Nacional pelo partido UCR, Sr. Juan Carlos Zerrillo (1929-1931). Sendo estes os anos em que se realizaram as mais importantes obras de infra-estrutura para adaptá-los à nova situação do profissionalismo, ambos, ―casualmente‖, são os nomes que levam os estádios dos dois clubes.

Durante esses períodos „dirigenciais‟ se reformam os estádios de Gimnasia e Estudiantes. A construção de arquibancadas cobertas (conhecida como “la techada”) tem como finalidade melhorar as comodidades para os espectadores, acolher os dirigentes em um espaço diferenciado e acomodar as equipes de imprensa, rádio e TV em cabines próprias. Este setor também será denominado genericamente como o das “cadeiras de sócios (Foto: Dirigentes I).

A dimensão econômica do espetáculo começava a estar presente no relato jornalístico, já 1929:

El cotejo entre albirrojos y boquenses promovió un nuevo record de ―borderaux‖ al percibirse $ 14.296,00. Llegando la recaudación neta del año para Estudiantes a $ 38.141,40 y para Gimnasia a $ 16.062,30. Fue el monto ingresado por Boca Juniors de $ 64.164,12.82

Estas informações sobre a renda obtida nas partidas se repetem ao final de quase todas as crônicas de futebol que têm como protagonista o Estudiantes

81

Sendo vereador da cidade, será eleito Prefeito provisional de La Plata em 1932.

82 Bionda, Miguel. 1944. História del fútbol platenese.1887-1943. La Plata: Círculo de Periodistas

e o Gimnasia no Diário El Dia83 daqueles anos. Como aconteceria com outras ligas de futebol no mundo (Brasil, Espanha, Itália, etc.) a profissionalização definitiva do futebol sucederia durante esses anos. A data oficial é 1931, e foi o resultado direto da primeira grande greve de jogadores no país, ―fartos dos manejos dos dirigentes, e do amadorismo dissimulado‖ como lembra Bayer (2009: 31). Consolidava-se assim um ―modelo esportivo que afirmava novas formas de sensibilidade‖, e, ―com as classes trabalhadoras forçando a monetarização‖ (Damo 2005: 320), a criação da Asociación Argentina de

Fútbol (AFA) não foi mais do que a confirmação de um movimento irreversível

de explicitação de sua dimensão mercantil, associado com o vertiginoso crescimento de aportes financeiros e a construção de estádios para a nova demanda de consumo cultural dos setores populares no contexto significativo marcado pela crise dos anos de ‗30 (Alabarces 2002: 53-60). Simultaneamente, pensemos que são também os anos em que surge a figura do treinador. Até esse momento, os times, eram formados no campo de jogo pelo capitão. Contudo, a espetacularização do evento futebolístico e sua expansão, em termos da suas virtudes como receptáculo cultural mencionado anteriormente, já abriam caminho para o desenvolvimento de novos especialistas nos vários níveis da organização, tanto dentro como fora do campo de jogo. Trata-se de um movimento semelhante ao do Brasil, neste universo que Damo considera como uma ―transição da prática para a administração‖ no universo de ação da condução e da liderança que favorecerá a presença de ―agentes sociais egressos da elite política e econômica‖ (Damo 2005: 320).

Nos clubes de futebol da elite competitiva nacional, a profissionalização tinha por objetivo estabilizar um negócio, criando certa lógica de retribuição econômica capaz de impedir a gigantesca fuga de talentos nesses anos. Especialmente para a Itália que, em 1934, tinha sido campeã da Taça do Mundo, formando quase a metade do time titular com jogadores argentinos, emigrados no período de crise do amadorismo.

Como aconteceu recorrentemente na história da Argentina (1890 e 1930), o cup d´etat de junho de 1943 proclamou suas intenções manifestas, mas não as latentes. De fato, as intenções manifestas eram quatro: enviar ao exílio interno as antigas forças conservadoras, que tentavam continuar governando com a chamada ―fraude patriótica‖84

, legitimar a instalação de um Estado católico fundado nos anos 30, terminar com o Estado liberal e assegurar a neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a revolta

83 O jornal mais importante e influente de La Plata. Foi fundado em 1884 pela família Klaiselburg,

até hoje proprietária do mesmo.

84

Termo cunhado pelos governos da década de 1930, para denominar a necessidade de manter no poder as forças conservadoras ao preço de realizar eleições fraudulentas destinadas a conter os perigos comunista e socialista.

militar de 1943 respondeu à necessidade latente de refundar o Estado como base para reconhecer que, agora, suas substâncias sociais fundamentais eram a sociedade industrial e a sociedade do salário (Godio & Mancuso 2006: 54).

Tratar-se-á de um período agitado, também para o futebol argentino, do ponto de vista organizacional. Durante aquele periodo, os representantes dos ―cinco grandes‖ na AFA tinham três votos, enquanto o resto, apenas um. Entrava em cena um ―desvio oligárquico‖ para uma organização clubística nacional que, como vimos, estava fortemente ligada –idealmente - em seu início, ao associativismo e a um campo de participação cidadã de abertura em termos de representação dirigencial. Junto com a elaboração de grandes identificações antinômicas entre os times de futebol que encarnavam os clubes nas batalhas futebolísticas, o negócio operava sobre as noções de justiça, mérito e igualdade – a ―dramaticidade democrática‖, como diz Alabarces (2002: 53) - em que ele sustentava seu imaginário, e que era a fonte de uma metonímia com capacidade estruturante em relação aos termos deliberativos em que tinha criado a imagem do clube-ínstituição a partir da noção de ―pares‖. Mas como apontávamos com Sahlins (1997) no capitulo precedente, tende a tingir com os simbolismos econômicos toda a ordem cultural.

Contudo, os dirigentes não estavam ainda incluídos, de forma efetiva, na especialização de tarefas, em termos de produtividade, remuneração, etc. A maioria deles eram personagens mais interessados em adquirir - ou reafirmar - certa respeitabilidade pública que podia ser associada e alimentada mais na ―glória e dignidade‖ da instituição do que em gerir, de forma mercantilista, o futebol, no contexto de expansão deste evento. Em todo caso, a especialização se vincula com certas qualidades burguesas associadas com a de campos profissionais localmente reconhecidos como adequados à tarefa administrativa e política. Entre 1929 e 1955, em Gimnasia foram 11 as pessoas que passam pela presidência da CD. Durante esse período do clube intensifica-se a presença de profissionais liberais (tres) frente aos políticos (quatro) e funcionários de estado (dois) locais que dominavam o período anterior85. No Estudiantes, entre 1927 e 1955, um total de nove foram os presidentes em exercício efetivo, sendo quatro os profissionais liberais, e três os funcionários de estado vinculados com o aparelho da saúde e da educação86. Em ambos os clubes, verifica-se a aparição do primeiro empresário local reconhecido, durante esse período. Assim mesmo, na soma dos presidentes de ambos os clubes, observa-se

85 Não se acharam dados confiáveis sobre a atividade profissional de Sr. Roberto Campodónico,

presidente do Gimnasia no ano de 1941.

86 Não consideramos profissão do Dr. Mario Sbuscio, por ser ele ―presidente-interventor‖ do clube

maioria de médicos e advogados (nove) neste recorte temporal que engloba desde a profissionalização do futebol até a finalização do governo peronista em 1955 (ver pontos 1 e 2 do Anexo).

Entrada a década de 1940, a projeção nacionalista e ―criolla‖ que se solicitava do futebol – entre outras expressões culturais - em um ―estilo‖ pícaro, habilidoso e individualista frente à utopia modernista e cosmopolita que o pensava como forma de integração dos imigrantes a um ethos cultural (Alabarces 2002, Archetti 2003), baseado em uma espécie de ―falanstério industrializado e cidadão‖, sofrerá uma ―implosão quântica‖. Com o surgimento do Peronismo, através do ingresso das massas no universo da política, a cidadania tinha sido instituída no povo histórico. O esporte, durante o governo peronista, colocou-se como ―dispositivo eficaz de construção de uma nova referencialidade nacional‖ (Alabarces 2002: 72), um processo de inclusão que coincidirá com a incorporação definitiva das torcidas – os ―hinchas‖- como elemento disjuntivo no ritual futebolístico.

Praticamente até 1948, dois anos depois da ascensão do peronismo ao poder - ano de outra grande greve de jogadores -, os diversos presidentes da AFA, integrados por dirigentes dos maiores clubes, não conseguiam se manter no cargo por mais de dois anos (Lupo 2002). Cabe aqui imaginar que os critérios de excelência destes dirigentes nos clubes não se vinculavam com os critérios de especialistas na gestão esportiva e sim com o fato de serem pessoas com apetites públicos que foram veiculados nos cargos pelo seu pertencimento a profissões ―destacadas‖ e valorizadas socialmente na época. Assim, junto com o processo de incorporação das massas operárias e marginais como atores sociais com visibilidade na política - paradoxalmente instituídos como ―campo social antipolítico‖ (Svanpa 2006:287) -, esta é a característica mais relevante do período peronista (Torre 1990, Smith 1969, Murmis & Portantiero 1971); o futebol irá se incluindo na vida política argentina como apresentação de um fenômeno estético em que as massas assumem um lugar de protagonistas, junto com as problemáticas da sua condução associadas com um imaginário nacional ligado aos valores de mobilidade social e de prestigio burguês ancorado em certas profissões.

Foi só no início da década de ‘60 que o mundo empresarial chegou efetivamente a participar da dirigência dos clubes argentinos. Entre as agremiações de La Plata, até aquela década, apenas cinco (5), dos 79 presidentes de que temos registro, eram empresários (na maioria dos casos, comerciantes locais), sendo os restantes altos funcionários de estado, profissionais liberais (médicos, contadores, engenheiros, etc.) ou políticos (ver pontos 1 e 2 do Anexo). Associada com ―algo mais que caráter nacional‖ - como descrito nos reinos de Baú e de Rewa, em Fidji, por Sahlins (2005) -, a

lado organiza-se como o reverso do outro‖ (Sahlins 2006: 71), realiza sua tarefa nas representações do poder dirigencial. Desloca, assim, fundamentalmente, a demanda que surgira de um lado - a relação entre emoção, massa e liderança política durante os anos do peronismo - para a exigência de uma condução ―desinteressada‖ - e não politicamente identificada - dos assuntos de uma sociedade civil agora vista mais próxima ao papel de ―consumidores‖ fragmentados.

Vale lembrar que, durante os anos do peronismo, como aconteceu com as principais organizações corporativas não estatais, especialmente as sindicais, os clubes – cuja origem mútua os conserva no mesmo plano de consistência - construíram laços de dependência com as instituições políticas – e os homens - de Estado, chegando a ser considerados uma extensão do mesmo. De alguma forma, tratava-se de um ―espírito de época‖ em que as coordenadas ―sociais‖ dos clubes formaram parte de um quadro de questionamento mais amplo de um passado irrealizado, e cujo acontecimento, na política desses, se traduz na disputa entre educação ―livre ou laica‖ em 1958. Durante aquele evento de mobilização, se produz a atualização de uma disputa ideológica do papel do Estado como ―pedagogo social‖ –também questionado a partir da forte intervenção discursiva do peronismo durante seus anos no poder -, e se colocaram em cena dois modelos antagônicos: aqueles que defendiam o monopólio do Estado de uma educação - pública ou privada - universal e laica, e aqueles que defendiam a introdução da liberdade religiosa nas escolas e nos estados regionais.

Nesse sentido, Roberto Di Giano (2005) explica como as derrotas que padeceu o combinado Argentino, no Campeonato Mundial de Suécia, em 1958, serviram para incentivar um processo "modernizador" de um futebol que supostamente tinha permanecido ―retrasado‖ a respeito do idealizado modelo europeu. De fato, durante o decênio de 1960, das 17 presidências dos ―cinco grandes‖ somados ao Estudiantes e o Gimnasia, nove eram, agora sim, empresários (de distintos ramos, como a construção, a coleta de lixo, etc), sendo que apenas seis eram profissionais liberais ou funcionários públicos. Junto com a política de ―empatia‖ de consumo, desenvolvida nesta época de importações de novas tecnologias, foi também a década das grandes contratações de jogadores estrangeiros vividas pelo futebol argentino. Será precisamente durante este período que se considera necessário incorporar técnicas de formação de jogadores tendentes ao fortalecimento corporal dos atletas nativos, considerados ―frágeis‖ frente aos europeus. O aprendizado de movimentos especiais, o tipo de alimentação e o consumo de energizantes e vitaminas prescritos por especialistas das organizações esportivas, estavam orientados a que estes incrementassem sua força e seu vigor. Um modelo que passa ―oficialmente‖

da honra, da ética esportiva e das virtudes do trabalho coletivo para a busca da eficácia e para a ganância como lembra Bromberger (1995, 2005).

Este modelo, porém, entra em crise novamente, em 1966. A Argentina tinha formado um time ―moderno‖ para a Taça do Mundo daquele ano. Porém, uma derrota frente à Inglaterra, nas quartas de final, determina um episódio singularmente significativo para a política argentina como um todo. O meia do time nacional, Ratin, líder e principal figura daquele time, sofre a expulsão, considerada pela imprensa como ―humilhante‖ para a Nação. O relato vai ser miticamente construído desde então. Durante sua expulsão, Ratín detém sua caminhada rumo aos vestiários, ameaçante, e olhando para o público que o insulta e lança objetos – animals! animals!87-, amassa com a mão a bandeirinha inglesa presa ao marco do escanteio e imediatamente depois deste ato, sai do campo, irreverente, pelo tapete vermelho reservado à rainha, que estava no estádio assistindo. A consciência nacional reverdece frente ao inimigo inglês com este mito e já se anuncia a Copa do Mundo de 1978.

Evidentemente, o Campeonato Mundial de 1978, na Argentina, transformou-se no foco e exemplo extremo da busca de uma compreensão comum entre futebol e poder político. Todavia, com a mistura de espetáculo de massas e terrorismo de estado ele ficará, para sempre, na memória e na análise, como um capítulo exemplar da escuridão e submissão da crítica política de um país. O sociólogo Robeto Di Giano (2005) observa corretamente que a exigência política, que aparentemente pesa sobre o futebol, está, na realidade, relacionada com um desejo de apropriação dos discursos nos meios de comunicação de massa, em que o futebol é pensado como um instrumento. No entanto, as simplificações e os reducionismos encontraram, neste episódio trágico, terreno fértil para crescer. Os eventos trágicos de 1978, na Argentina88, servirão, então, para compreender e explicar os significados culturais do futebol em relação aos objetivos políticos de uma hegemonia social no marco de uma disputa política com os maiores níveis de violência conhecidos na história Argentina. A conquista do Estado de uma elite econômica agro-exportadora e financeira encarnava nos representantes do regime militar ―pacificador‖. Há pouco o que acrescentar. Um novo

87 ―Animals!‖ foi a expressão utilizada pela imprensa inglesa para descrever o estilo severo,

forte e tático do Estudiantes. Atualmente, este adjetivo intitula a revista oficial editada pelo clube.

88 Diferente do caso brasileiro, em que a Copa do Mundo de 1970 teve o mesmo efeito

―catalizador‖ para o regime militar, mas foi reconstruído como parte de uma história nacional ―orgulhosa‖ de si, o Mundial argentino pareceu encarnar da pior forma o que Eduardo Archetti afirmava quando dizia que ―detrás‖ do futebol argentino habitam os projetos e as desventuras da nação. Desse modo, a desventura futebolística consistirá em ser vista como cúmplice dos piores anos de repressão política e, ao mesmo tempo, como um universo diretamente afetado pela crise econômica e pelo desmantelamento das redes de sociabilidade da vida cotidiana.

capítulo da relação entre nação e futebol; um novo capítulo da ―invenção de tradição‖ através de uma ritualidade patriótica futebolística construída por meio do apelo discursivo na midia89 a um ―nós‖, ―os argentinos‖, os quais...

…aparecen en relación polémica con una alteridad múltiple: el pasado, el atraso, los extranjeros, los subversivos, los que no tienen fe, los terroristas… Sin ser contradictorias entre si, su superposición y solapamiento no implica su reducción a la unidad: si todas ellas se funden en la definición futbolística, ello se debe a la plasticidad de esta última dimensión para articular elementos diversos, así como a la relevancia que tiene en la particular configuración que adoptó en nuestro país la construcción identitaria nacional. (Sazbón & Ferrero 2007:148).

Estudos e ensaios históricos e sociológicos têm procurado se afirmar através de um registro próprio a este respeito (Zirin 2007). Se trata da reedição de um passado mítico, marcado por lutas violentas que resultaram na transformação de um mundo prometido, em tragédia de caos e excesso; na ordem atual, haveria necessidade de um controle sobre os comportamentos ―excessivos‖; assim, as práticas rituais estabelecem um eixo vertical do universo que liga o passado com o presente, com os ritos e com o sagrado que vive na alma ―dos argentinos‖. Essas práticas garantem a reprodução física e simbólica da sociedade e a congruência entre o comportamento de seus membros e os padrões morais vigentes.

Como grande parte da sociedade civil platense, os clubes de futebol aqui tratados tornaram-se espaços ―não-políticos‖ e desinteressados da violência política; apenas se consideravam vítimas de um processo paulatino de deterioração social, produto das crises econômicas que vivia o país. Porém, percebe-se até que ponto os clubes atuavam secretamente, dando continuidade micro-política aos debates ideológicos da época. Uma vez desatada a crise institucional no clube Gimnasia, como consequência dos