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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEMOGRAFIA ANGOLANA

No documento O trato as margens do pacto (páginas 107-109)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA COSTA DA MINA E NO DE ANGOLA (1681-1710)

4.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEMOGRAFIA ANGOLANA

Conforme Miller, as amplas terras de onde provinham os escravos que eram traficados para o Brasil e para outras colônias americanas eram relativamente pouco populosas. Os cativos que eram embarcados, em portos situados ao longo dos 1.200 quilômetros da costa ocidental da África que ficavam ao sul do cabo Lopes, provinham de bolsões de população dispersos através de uma área que se estendia por uma distância, medida a partir da costa, de cerca de 2.500 quilômetros em direção ao Sol-nascente, em que se entremeavam florestas, regiões semi- desérticas, clareiras, savanas cobertas de capim e bosques. Esta ampla região, no seu limite ao norte, compreendia grande parte da floresta equatorial que recobria a região ocidental da bacia central do rio Zaire (ou rio Congo), e, nos seus pontos mais altos, aproximava-se dos limites das savanas que estavam localizadas além da mata. Nos bosques e savanas situados ao sul da floresta, a zona de captura de escravos ultrapassava o rio Casai, e se estendia, em direção ao leste, até atingir as verdejantes planícies onduladas cortadas pelos afluentes da parte central da margem esquerda do rio Zaire. As cabeceiras do rio Zambeze, situadas ainda mais para o sul, também eram, no final do século XVIII, tributárias da escravização atlântica. As fronteiras da zona da

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O grifo é nosso e visa destacar a forma como, ao longo de todo o seu livro, Miller (1988) figuradamente indica o destino que aguardava as legiões desesperadas de cativos que seriam embarcados para a América.

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qual eram extraídos os cativos demandados pelos comerciantes europeus dissipavam-se, no extremo-sul, somente a partir do ponto aonde a terra arável cedia espaço a solos arenosos impróprios para a produção agrícola, e, até mesmo, para o pastoreio, localizados nas redondezas das capoeiras ralas e ressequidas que bordejavam o deserto do Kalahari. Consideradas em seu conjunto, as áreas abrangidas pela caçada de presas humanas estendiam-se por cerca de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, o que corresponde a quase um terço do atual território brasileiro.

Observa Miller (1988:8) que ninguém poderia fazer uma exata idéia do número de pessoas, exercendo as mais distintas atividades e falando dialetos bantos etimologicamente “bastante aparentados, mas, apesar disso, mutuamente ininteligíveis”84, que podem ter ocupado aquelas terras no decurso do século XVIII. Todavia, na sua visão, apesar de haver entre os dados comparados uma defasagem temporal de cerca de duzentos anos, uma avaliação aproximada da população de uma área mais ampla de florestas e pradarias, feita numa região com condições ambientais similares às que deveriam ter então existido em Angola, parece sugerir como podendo ter sido plausível, naquela época, para esta área em referência, a existência de uma densidade populacional que se aproximasse dos 5 habitantes por quilômetro quadrado. Se considerarmos como possível a ocorrência dessa densidade demográfica, na área e na época em estudo, isto poderia significar, então, a existência de 12,5 milhões de pessoas que teriam vivido naquele espaço físico de onde o tráfico atlântico extraiu os enormes contingentes de escravos com que supriu a necessidade de trabalhadores forçados dos eitos, das minas e dos lares americanos. Entretanto, se for considerada como base a densidade demográfica (em torno de 4 habitantes por quilômetro quadrado) que se acredita tenha prevalecido, entre 1650 e 1700, na região próxima da costa, logo ao sul do baixo-Zaire – com referência à qual existe uma única estimativa populacional documentada anterior ao século XX –, cerca de dez milhões de pessoas viveriam, na época, na extensa região acima mencionada, em condições bastante vulneráveis que as tornaria

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A designação banto foi pela primeira vez aplicada, em 1862, por W. H. I. Bleek, relativamente a um enorme grupo de falas aparentadas (mais de 300; talvez algo em torno de 450) que eram empregadas no cotidiano por povos que se espalhavam por uma superfície, de cerca de 9.000.000 de quilômetros quadrados, situada ao sul de uma linha quase horizontal, a cortar o continente africano, da baía de Biafra a Melinde.” O termo banto é, hoje, também aplicado aos povos que empregam algum daqueles idiomas. Banto, semanticamente, significa “povo”, ou “os homens”, sendo o plural de munto, “o homem”. As línguas bantas são bastante assemelhadas, tanto quanto o são os distintos idiomas neolatinos (SILVA, 1992:183). A constatação da existência de um relativamente elevado grau de similitude existente entre as mais de trezentas línguas bantas provavelmente existentes, que seriam tão próximas uma das outras, conforme o erudito lingüista Malcolm Guthrie, quanto as línguas germânicas do norte da Europa (OLIVER, 1994:62), reitera as conclusões acima apontadas de W.H.I. Bleek a respeito da similitude que guardam entre si as numerosas línguas bantas.

passíveis de serem, a qualquer momento, capturadas e vendidas aos traficantes europeus (MILLER, 1988:8-9).

As condições geográficas variavam bastante, tanto localmente como em mais ampla escala, em termos de topografia, solos, pluviosidade, vegetação, recursos, facilidades de transporte e de comunicação, bem como de segurança contra os raids85 promovidos para a captura de escravos. Fazendeiros, comerciantes, pescadores, outlaws, participantes dos raids, pastores e fugitivos, entre outros prováveis ocupantes da região, agrupavam-se conforme as vantagens que pudessem usufruir dessas variegadas características da terra. Suas tendências para congregarem-se ou dispersarem-se – apesar de a nível individual serem definidas pelas suas preferências pessoais sobre o tipo de relacionamento a ser mantido com vizinhos ou parentes –, naquilo que se refere ao conjunto da população local, eram resultantes de oportunidades básicas oferecidas pelas características materiais existentes em cada um dos múltiplos ambientes ecológicos que, em determinadas passagens de suas vidas, se lhes apresentaram, ou foram-lhes impostos, como única alternativa para neles viverem.

4.6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A REDE HIDROGRÁFICA E O LITORAL

No documento O trato as margens do pacto (páginas 107-109)

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