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O CONTRABANDO E OUTRAS FORMAS DE BURLA AO CONTROLE COMERCIAL METROPOLITANO

No documento O trato as margens do pacto (páginas 57-59)

DE CAPITAIS MERCANTIS, APROVEITANDO-SE DAS BRECHAS EXISTENTES NO “PACTO COLONIAL”

2.3 O CONTRABANDO E OUTRAS FORMAS DE BURLA AO CONTROLE COMERCIAL METROPOLITANO

O contrabando de ouro e de diamantes veio a se tornar, no altiplano das Geraes, “um modo de vida e uma organização”, uma vez que “nem o cipoal de leis, alvarás, cartas régias e provisões, nem os seqüestros, devassas, registros, prêmios prometidos aos delatores e comissões aos soldados puderam por freio a este duplo contrabando, interno e externo do ouro”, pois voltavam-se contra as tentativas de controlá-lo feitas pelo governo, além da “inflexibilidade das leis econômicas” e do arraigamento das práticas de burla do “exclusivo metropolitano”, as dificuldades de policiamento das dilatadas fronteiras, irrealizável com os escassos contingentes de tropas disponíveis (PALACIN, 1976:63).

Todavia, por serem as lavras distantes e dispersas, os caminhos difíceis de vencer e cheios de perigos, os custos decorrentes de viagem elevados, era muito pouco provável que se dispusessem os possuidores de ouro a, em sã consciência, “ir levar fielmente o seu ouro para ser quintado” (VASCONCELOS, 1974:155). Além disso, seria utópico esperar dos produtores de ouro que, “espontaneamente, só por amor de Sua Majestade e temor de Deus, viessem trazer à circuncisão dolorosa o seu rico metal”; sendo que aqueles que assim agissem “bem se poderiam comparar aos pastores do Presepe [sic] guiados por uma estrela milagrosa...” (VASCONCELOS, 1974:155).

Como conseqüência disto, diante dos abusos que vinham sendo praticados pelos responsáveis pela arrecadação do quinto, sentia-se, em 1728, que crescia “a avareza dos extraviadores, inventando novos meios de fraudar impunemente os quintos”, atingindo o ouro

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Instrucções de Martinho de Mello e Castro a Luiz de Vasconcellos e Sousa, acerca do Governo do Brasil, datada de 27 de janeiro de 1779. Revista Trimensal do Instituto Historico Geographico, e Ethnographico do Brasil, tomo XXV, 1º trimestre de 1862. p. 479-483.

desviado tal nível que praticamente só uma mínima parcela do mesmo era apresentado por conta dos comerciantes às casas de fundição, sendo voz corrente que, no Rio de Janeiro, excedia a 200 arrobas a quantidade do ouro em pó que lá se encontrava escondido (VASCONCELOS, 1974:156).

Apesar de toda a severidade com que era procedido, nos registros, o exame dos passantes para verificar se portavam ouro, não se conseguia evitar as burlas. A este respeito, Luis Palacin (1976:64) cita o caso do Padre Inácio de Santa Teresa, que, em 1769, passou, pelo registro de São Domingos, com mais de trezentas oitavas de ouro escondidas no oco de uma imagem, fato este que ele revelou quando se confessou in articulo mortis.

Entretanto, diante da existência de centenas de léguas de fronteiras desertas, era mais racional que os contrabandistas procurassem evitar os registros e os guardas. No mais das vezes, entretanto, este tipo de descaminho se processava através de pequenos fraudadores, tratando-se de contrabando de pouca monta, sendo que o contrabando efetivamente expressivo era praticado pelos grandes comerciantes controladores do comércio de importação, os quais o praticavam “a pleno sol”, contando para isto com a conivência dos guardas dos registros ou subornando os soldados que protegiam o transporte dos quintos reais (PALACIN, 1976:65).

Tinha o escravo negro papel de relativa importância no contrabando de ouro e de diamantes – agenciado pelos “comboieiros”, que abasteciam de escravos as áreas de mineração, ou pelos “cachaceiros”, que trocavam a sua cachaça, com os negros, por ouro ou diamantes35–, uma vez que ele, “nas catas, empalmava diamantes, engolindo-os, ocultando-os na boca, nos dedos dos pés, no ânus, ou escondia ouro na carapinha, com o que pagou a sua liberdade e a das mulheres e amigos.” (CARNEIRO, 1964:20-21).

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Antonil afirma que, dentre os negros, “com vender cousas comestíveis, água ardente e garapa, em breve tempo [muitos] acumularam quantidade considerável de ouro”, e observou, também, que, significativa quantidade de negros e índios escondiam bastantes oitavas quando catavam nos ribeiros e que, nos dias santos e nas últimas horas do dia, extraíam ouro para si próprios, cuja maior parte era gasta em comer e beber, propiciando grandes lucros ao pequeno comércio local, “como costuma dar a chuva miúda aos campos, a qual, continuando a regá-los sem estrondo os faz muito férteis” (ANDREONI, 1967:271). Mafalda Zemella, referindo-se ao texto de Antonil, afirma que “vendendo comestíveis, aguardentes e garapa, tecidos, roupas, calçados e ferramentas, podia-se juntar grandes porções de ouro, sem o trabalho rude de extraí-lo dos tabuleiros, grupiaras e faisqueiras. Afirma, ainda, a mesma autora, que “o comércio de gulodices e aguardente era animadíssimo pois que os negros e negras, quando mineravam, escondiam bastante ouro em pó nas carapinhas, e, roubando-o aos seus senhores, iam gastá-lo em tudo quanto lhes despertasse o apetite.” (ZEMELLA, 1990:163).

Se significativo era o contrabando interno, crescente ao longo de todo o século XVIII, ainda mais expressivo era o contrabando externo – com o qual, aliás, em grande parte, se articulava o interno – sendo ineficazes os ingentes esforços da Coroa no sentido de evitar que os portos do Brasil fossem um alvo cada vez mais constante dos contrabandistas. Ao mesmo tempo os colonos, em função do próprio desenvolvimento da colonização, apresentavam cada vez maior resistência à prática do exclusivo metropolitano (NOVAIS, 1979:187). E isto decorre de uma conjunção de fatores bastante difícil de ser contornada pelos portugueses, uma vez que nações poderosas, como a Inglaterra, a França e a Holanda, ao mesmo tempo que tinham condições de produzir manufaturados da melhor qualidade e que eram vendidos a preços relativamente baixos, dispunham, também, de frotas mercantes eficientes para, através de contrabando, entregarem aos comerciantes estabelecidos no Brasil, em condições muito mais vantajosas que as praticadas pelos comerciantes metropolitanos, uma variada gama de produtos de sua própria fabricação (OMEGNA, 1971:292).

A perspectiva de disporem de melhores produtos por preços mais favoráveis levava os consumidores brasileiros a se acumpliciarem aos contraventores ligados ao tráfico clandestino, aos comerciantes não especializados, que iam encontrar junto aos contrabandistas as mercadorias que lhes eram sonegadas pelos monopolistas, e a um número expressivo de autoridades que também queriam a sua parte nos lucros do comércio clandestino, o qual foi responsável por um eficiente processo de acumulação de capitais mercantis na Colônia. Se assim não agissem, os agentes econômicos residentes nos redutos coloniais ver-se-iam privados de compartilharem os lucros gerados pelo comércio transatlântico. Além disso, embalados pelo seu envolvimento no tráfico africano, negociantes estabelecidos nos portos do Brasil obtinham, junto aos contrabandistas holandeses, ingleses e franceses, em troca de produtos brasileiros importantes no tráfico de escravos – especialmente o tabaco baiano e a cachaça do Rio de Janeiro que eram, respectivamente, mercadorias privilegiadas de troca na Costa da Mina e em Angola –, mercadorias européias que iam vender aos peruanos, mediante pagamento em prata, através de Buenos Aires. Assim, grandes fortunas puderam ser acumuladas no Brasil durante o período colonial (OMEGNA, 1971:293).

2.4 O TRÁFICO DE ESCRAVOS COMO BASE DA DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA

No documento O trato as margens do pacto (páginas 57-59)

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