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A DIÁSPORA COMERCIAL EXTENDE SUA REDE

No documento O trato as margens do pacto (páginas 159-167)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA COSTA DA MINA E NO DE ANGOLA (1681-1710)

4.16 A DIÁSPORA COMERCIAL EXTENDE SUA REDE

Em regiões densamente habitadas existentes nas proximidades do equador, redes de comerciantes especializados permanentemente estabelecidos, que em conjunto se fizeram conhecidas como a “diáspora comercial”, rapidamente conquistaram a hegemonia nos setores de transporte e de distribuição do tráfico. Essa “diáspora” prosperou, especialmente, nas regiões onde dívidas e condenações judiciais substituíram a violência em larga escala [a qual se manifestava através de guerras ou de incursões – razias (raids) – que objetivavam a captura de escravos] como os motivos mais comuns de escravização. Desses métodos inovadores resultaram contínuas permutas, que envolviam pequenas quantidades de escravos, promovidas especialmente por agentes permanentemente residentes no local, o que proporcionava grandes vantagens em termos de resultados relativamente aos obtidos através de negócios esporádicos, como os feitos pelas caravanas que, mesmo estando ocasionalmente de passagem pelo local, nunca perdiam qualquer oportunidade que se lhes oferecesse de acesso a cativos gerados pela guerra. Esta manifestação de oportunismo, no entanto, não dava a seus condutores qualquer garantia de continuidade de abastecimento, gerando apenas receitas de caráter circunstancial (MILLER, 1988:197-198).

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Estes números, geralmente apontados como sendo praticados na escala operacional típica dos pumbeiros, discrepa bastante dos que são apontados, com referência aos libambos conduzidos pelas caravanas, por Joseph C. Miller e Luiz António de Oliveira Mendes (que dimensionam os libambos como capazes de conduzir de 30 até 100 escravos).

A diáspora de escravização também se destacou por ter se expandido, no norte, como um conjunto de extensões de sistemas de comercialização regionais de commodities financiados por africanos, lá já existentes, ao mesmo tempo em que as caravanas de grande porte e outros métodos alienígenas de transportar bens importados, commodities africanas e cativos predominavam no sul, onde bastante raros competidores africanos estabelecidos tinham as condições materiais e a experiência necessárias para competir com o capital externo, que preponderava nos ramos do transporte e da comunicação de mais longa distância, onde, tradicionalmente, enormes e dispendiosas caravanas eram responsáveis pelo deslocamento até a costa atlântica de escravos e de outras mercadorias. Em geral, os comerciantes estabelecidos da diáspora se faziam sempre presentes, semeando novas aldeias nos vazios de mercado deixados pelas caravanas que, em outras regiões, atravessavam os amplos espaços de população rarefeita que separavam fontes concentradas de escravos dos portos de embarque ou dos centros comerciais a que eles eram destinados. Todavia, quando comparados às caravanas, os comerciantes-residentes da diáspora tinham, obviamente, menos competência militar e mobilidade (MILLER, 1988:198).

Apesar da falta de evidências documentais relativas à organização detalhada de instituições do tipo da diáspora, no século XVIII, na África central ocidental, há claras indicações, em termos gerais, da sua presença. Copiosa documentação é conhecida a respeito da organização, no século XIX, bem como sobre o comércio nos sertões da parte sul da costa de Loango e entre os bobangis do rio Zaire.

Os bobangi, da mesma forma que os vilis da costa de Loango (no atual Gabão) eram especialistas do comércio de longa distância com canoas, estando a chave do sucesso que eles alcançaram na organização de uma estrutura de armazenamento de suprimentos alimentares mantida ao longo da rota percorrida (OLIVER, 1994:161).

Blanchod aponta que os bobangis gostavam muito de carne, tudo para eles era caça comestível: aves, macacos, as grandes tartarugas e os caimões; podendo ser vistos, nas suas aldeias, crocodilos amarrados a uma árvore por um cinto de fibra, com um açaimo de cipós, para impedi-los de morder, sendo assim conservados como “provisões de boca” para os dias de fome, sendo considerado, na administração desta reserva de alimento, o fato de que estes sáurios não podem ficar muito tempo sem comer, pois emagrecem depressa. Outras vezes, furavam os cascos

das tartarugas para terem como amarrá-las, mantendo-as prisioneiras. Entre os banzaris do rio Ubangi, no curso médio do rio Zaire, o peixe era defumado logo que era retirado do rio, e, dessa forma, era vendido às populações não ribeirinhas que, em troca, lhes davam produtos por eles produzidos ou criados, como mandioca, inhame, batata-doce, cabras e galinhas. Afirma Blanchod que os cães eram localmente muito apreciados como alimento, e que havia ele, numa certa ocasião, visto, numa só piroga, dezessete deles, destinados a virarem comida, escolhidos, a partir da sua gordura, “com apalpadelas e manejos de peritos no assunto”. Eles eram bem-tratados, amimados mesmo, até chegar o dia em que seriam comidos. Eram eles, então, estrangulados, pelos banzaris, que tomavam esta providência “com a alegria voraz das hienas e dos chacais” (BLANCHOD, 1946:171).

A rede de contatos humanos montada pela hierarquia dirigente da diáspora comercial estendia-se cada vez mais longe, sobretudo graças à disseminação em sua rede de laços decorrentes de casamentos inter-étnicos, de modo que fosse sempre possível contar com a presença de aliados e de financiadores em portos distantes. Os vilis da costa de Loango, no Gabão atual, eram, como os bobangis, grandes especialistas do comércio a longa distância por canoa. Originalmente pescadores costeiros, eles passaram posteriormente a minerar e a distribuir os grandes recursos em cobre de que dispunham em Mindouli117, que se localizava no planalto de Teke, que ficava no interior, ao norte do baixo-Zaire, a uma distância de cerca de 480 quilômetros (SILVA, 1992:484). O cobre era, quando necessário, transportado por meio de caravanas, mas, normalmente seu transporte se fazia por meio de canoas, ou de uma conjunção de rotas de terra e de água através do Ogowe e do Alima rumo ao Congo- médio, a partir de onde subiam o Cuango e o Casai para poderem disputar, com os portugueses e com os seus aliados angolanos, o comércio de escravos praticado pelos lundas (OLIVER, 1994:161). A costa de Loango, cujo povo foi muito menos afetado pela evolução comercial verificada no século XVI do que o das áreas sulinas do Congo, pôde melhor preservar seus sistemas político e econômico. Essa área litorânea foi dividida entre os reinos de Loango, Cacongo e Ngoyo, centrada nos ancoradouros da Baía de Loango, de Malemba (ou Molembo) e de Cabinda. Na capital de Loango – que era o maior dentre esses reinos – situada no interior, o comércio já era bastante ativo desde muito antes de terem os europeus chegado à região. A mais importante atividade

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O minério de cobre extraído das minas da região de Mindouli, situadas a cerca de 150 quilômetros do litoral, era controlado pelos tekes, sendo o comércio para a costa da responsabilidade dos mercadores vilis de Loango. Ornamentos de cobre, conjuntamente com os panos de ráfia manufaturados pelos vilis, se constituíam entre os povos

manufatureira local era a tecelagem de panos com diferentes qualidades e padrões de fibras vegetais (The Cambridge History of Africa, 1997:344 - vol.4), constituindo-se os panos de ráfia vilis, que nada ficavam a dever aos apreciados panos similares manufaturados no reino do Congo. A vida econômica em Loango tinha por base a agricultura, sem que, entretanto, pudesse ser desprezada a parcela da produção gerada através da pesca e da caça. Explorava-se, ainda, o sal extraído na área costeira, sendo ele objeto de troca, com os bantos e os pigmeus que habitavam a floresta, por marfim e por produtos de origem animal e vegetal extraídos da floresta (SILVA, 1992:484).

A chave para o sucesso no desenvolvimento do comércio de longa distância era a organização de suprimentos alimentares ao longo da rota a ser seguida. Os vilis o faziam com maestria, de uma maneira muito parecida à empregada pelos dyulas, através da implantação de colônias entre os povos autóctones em cujas terras viajavam, promovendo casamentos locais e estabelecendo propriedades agrícolas para alimentar seus carregadores, as equipagens de suas canoas e os seus escravos em seu trânsito para a costa (OLIVER, 1994:160-161).

A diáspora comercial típica foi organizada para mover bens e escravos através de redes de canais coletores, de armazenamento e de circulação estabelecidas no seio de povoações dispersas. Ela se expandia por meio do posicionamento de novos agentes, que eram em geral parentes ou clientes de seus membros, para o exercício de um conjunto de atividades necessárias para o transporte e o armazenamento de bens em suas novas áreas de atuação. A coesão do sistema era mantida através do cada vez maior estreitamento de laços pessoais e de interesses entre os filiados à diáspora, e do fato de que seus integrantes tendiam a se casar principalmente entre eles próprios, e, também, de que, em paralelo, de forma análoga, estabeleciam outras conexões pessoais, envolvendo seus fornecedores e clientes, através de casamentos seletivos arranjados com membros de proeminentes famílias locais.

É importante lembrar que o casamento, no seio das sociedades negras, constitui um contrato que se estabelece não apenas entre dois indivíduos, mas entre duas famílias, sem que, em geral, ocorra qualquer consulta prévia aos nubentes (CARVALHO, 1963:27).

A instituição de “irmandades de sangue”, uma espécie de maçonaria que se tornou comum posteriormente, apesar de, em pleno século XVIII, não ter sido ainda a sua existência

comprovada diretamente através de registros, pode ter se constituído num outro meio de ligação de estranhos, como parceiros comerciais de seus hospedeiros, através da cunhagem de imaginários parentescos por consangüinidade, em cerimônias secretas118. Como posteriormente foi observado por pesquisadores europeus, por volta da metade do século XIX, as trocas comerciais com financiamento africano só se tornavam viáveis – exceto no caso do emprego de representações diplomáticas na capital, que, muitas vezes, as caravanas logravam estabelecer – através da constituição e do constante reforço, entre os diversos agentes envolvidos numa dada rede, de sólidos vínculos de parentesco, amizade, co-residência ou casamentos (MILLER, 1988:198-199).

A diáspora, cuja política econômica era apenas parcialmente mercantil, seguia o padrão típico do interior, estendendo-se a área de abrangência de sua atuação, inicialmente, até muito próximo da costa de Loango, onde os centros comerciais situavam-se nas praias, vindo mais tarde a se estender para o sul. Os comerciantes africanos filiados à diáspora comercial costumavam investir seus lucros em pessoas – os próprios habitantes das aldeias da sua diáspora – em vez de, alternativamente, construírem riqueza sob a forma de estoques de bens ou de créditos acumulados na economia atlântica. Economicamente, a diáspora era africana, também, no acúmulo patrimonial que ela parece ter consolidado largamente a partir de lucros comerciais, gerados localmente em vez de serem obtidos através de financiamentos externos, mesmo havendo suspeitas de que o crédito estrangeiro provavelmente possa ter sustentado a expansão de algumas das diásporas implantadas em novas áreas (MILLER, 1988:199).

Uma vez que os comerciantes integrantes da diáspora geralmente não empregavam os mesmos amplos poderes coercitivos usados pelas grandes caravanas ou pelos reis-mercadores para submeterem pessoas pela força119, os primeiros deles a tomar capital europeu emprestado investiram os seus bens, através de instituições comerciais já existentes, para redirecionarem commodities do sistema regional de comércio até a costa. Os relacionamentos íntimos entre bens e pessoas, na economia política africana, poderiam explicar como um simples contato comercial inicialmente bem-sucedido poderia criar uma relativamente pequena, mas crescente, comunidade

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Nessas cerimônias, o comerciante e seu cliente sentavam-se frente a frente, e então cada qual lancetava o seu próprio pulso, drenando sangue que era misturado com o do outro, jurando ambos passarem a manter entre si obrigações fraternais, do tipo das que têm lugar entre parentes próximos (MILLER, 1988:198).

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Miller (1988:199 – nota 57) cita o fato de que “as gangs de thugs que acompanhavam os bem-conhecidos comerciantes do Aro no interior do delta do Niger representam uma evolvida e militarizada diáspora especializada em extração forçada de escravos”.

de esposas, clientes, fornecedores e escravos ao redor de um complexo de comerciantes. Essas pessoas vieram a se tornar tão numerosas que os comerciantes que as dirigiam passaram a ter condições de enviar seus filhos e os escravos de sua confiança para fora de sua aldeia, para se estabelecerem entre os seus clientes mais habituais, em cujo convívio poderiam promover novas oportunidades para repetir o processo de segmentação e de expansão, estabelecendo-se, dessa forma, um novo elo de uma cadeia de interesses coligados amplamente espalhada que tipificava a existência de uma diáspora madura. A subseqüente adição de escravos a essa espécie de comércio, sem significativo emprego do crédito, pode ter sido resultante da habilidade com que os comerciantes da diáspora colocavam bens de troca importados à disposição de fornecedores que já mantivessem excedentes temporários de escravos ou com que ofereciam suporte material e apoio tático às aspirações políticas de autoridades locais, visando, em contrapartida, poderem vir, em determinados momentos que lhes parecessem oportunos no futuro, a usar o poder que essas autoridades detinham em favor dos objetivos de sua organização. Isto aconteceu com algumas diásporas, como a dos comerciantes vilis de Loango em áreas como o Congo, “onde as autoridades políticas locais já tinham se tornado dependentes da escravidão”. Confirmando esta assertiva, as ocasiões, na primeira metade do século XVII, em que os vilis chegaram no Congo e nas terras dos bundos no extremo-sul, foram coincidentes, em ambas regiões, com reviravoltas políticas favorecedoras da exportação de escravos (MILLER, 1988:199-200).

Na África central ocidental, a diáspora tendeu a aparecer, de forma mais evidente, fora dos limites das comunidades etno-lingüísticas reconhecidas, que se expandiram em razão das diferenças existentes entre as características ecológicas locais e através de relações produtivas que eram cimentadas por meio de casamentos entre pessoas de aldeias vizinhas. Fora de seus territórios, as pessoas ligadas à diáspora se diferenciavam, economicamente e de outras formas, dos aldeões com os quais conviviam, usando um idioma de identidade fortemente étnico, derivado de sua base doméstica, o que lhes permitia manterem a si próprios como uma espécie de comunidade fechada, semi-autônoma, mesmo durante a rápida expansão, que promoviam, de sua entourage de escravos, colaboradores, esposas e clientes. Os comerciantes do rio Bobangi, responsáveis pelo surgimento de uma longa cadeia de aldeias ribeirinhas, espalhadas para cima e para baixo do curso médio do rio Zaire, entre comunidades locais definidas por áreas segmentadas que se estendiam das margens do rio até as serranias interiores adjacentes, foram um exemplo regional típico de uma diáspora comercial definida etnicamente. Os comerciantes mubires, ou vilis, do reino de Loango, que se situava entre o Congo e o Mbundo, pareciam viver

em aldeias fechadas sobre si mesmas e etnicamente distintas, pelo menos ao sul do baixo-Zaire (MILLER, 1988:200).

Concomitantemente com a divisão dos mercados centrais por regiões, verificou-se um isolamento físico e cultural dessas comunidades mercantis etnicamente estranhas, com as quais a economia política africana ainda coexistia intacta. As suas diferenciações étnicas assemelhavam- se às separações, usualmente justificadas como sendo divergências de caráter religioso, que existiam nas savanas da África ocidental, onde os comerciantes eram com bastante freqüência descendentes de muçulmanos estrangeiros, que tinham migrado para o sul provenientes de regiões vizinhas ao deserto, e que mantinham contato direto com fontes de capital comercial localizadas na África do norte. Eram considerados, e provavelmente se consideravam, “estrangeiros” vivendo numa comunidade constituída de proprietários de terras animistas, e eram considerados como intrusos interessados apenas na obtenção dos lucros comerciais que pudessem extrair de uma economia política preocupada basicamente com a produção e a circulação de “valores de uso”. Portanto, a dependência financeira contínua dos emigrantes da diáspora relativamente às suas origens, cimentou, por razões de natureza econômica, os vínculos decorrentes de interesses compartilhados, de parentesco, de dependência e/ou de afinidade que mantinham-nos em estreita ligação com sua base comercial, através dos laços de toda ordem que os jungiam aos estabelecimentos que haviam disseminado (MILLER, 1988:200-201).

A diáspora comercial descentralizada apresentava, por essas razões, uma série de vantagens, como mecanismo produtor e condutor de escravos, quando comparada às caravanas centralizadas ou aos comerciantes que dedicavam toda a sua vida aos negócios que faziam nos recônditos dos mercados centrais, que era a forma típica de atuação do comércio financiado pelo crédito europeu. E essa preeminência da diáspora verificava-se em decorrência, especialmente, das maiores taxas de sobrevivência que ela obtinha entre as pessoas que ela movimentava – através da rede de tráfico que ela havia montado por meio de casamentos, do concurso de amigos confiáveis, da residência de membros da organização ou de seus parentes próximos em comunidades estrategicamente localizadas e das mutuamente vantajosas alianças comerciais que mantinha com fazendeiros – e do deslocamento menos desgastante que ela fazia dessas pessoas ao longo dos elos das cadeias de interesses que ligavam entre si as aldeias residenciais sob seu controle. Cada estabelecimento, na diáspora, exercia o papel de uma estação de acumulação intermediária, onde os comerciantes poderiam manter um número relativamente pequeno de

cativos adquiridos nas suas imediações, enquanto esperavam para despachá-los na direção da costa. Os lotes de escravos que armazenavam eram, em geral, pouco numerosos, e permaneciam fora das principais feiras até o momento da sua venda. Por estarem, por isso, menos expostos à contaminação do que se fossem incorporados a grupos mais amplos, esses cativos eram bastante menos propensos a sofrerem baixas por motivos de doença ou morte. As próprias roças de cada um desses locais de cativeiro, ou as dos fazendeiros das imediações, poderiam sustentar esse relativamente modesto número de cativos até que os comerciantes os enviassem para o elo seguinte da cadeia, uma vez mais em pequenos lotes, se deslocando de aldeia em aldeia até chegarem à costa. Os habitantes de qualquer uma dessas aldeias poderiam, ocasionalmente, pô- los a trabalhar nas suas roças, produzindo os alimentos necessários para que se sustentassem a partir do seu próprio esforço. Além disso, ao se aproximarem do oceano, em cuja orla eles teriam que esperar semanas ou meses pela chegada dos compradores europeus ou dos agentes dos mercados locais, eles poderiam, uma vez mais, ser sustentados pela agricultura regional, ou dela poderiam eles próprios retirar o seu sustento (MILLER, 1988:202-203).

Conjuntos de pessoas, de povoados, de instalações, de formas de proceder e de circunstâncias, articulados racionalmente, capacitavam os comerciantes da diáspora a entregarem escravos, na costa, com maior regularidade e em condições de muito menor desgaste físico do que as daqueles que eram conduzidos através das caravanas. Um exemplo disto era o deslocamento gradual de escravos que era feito para a costa através dos elos existentes na cadeia de aldeias e de pessoas da diáspora, que era efetuado em estágios relativamente curtos quando comparados com as longas e forçadas marchas das caravanas. Além disso, a qualidade da alimentação que eles recebiam ao longo de todo o caminho era muito superior, o grau de violência envolvido em todo o processo era muito menor e, conseqüentemente, a dose de stress que sofriam esses cativos era muito pouco expressiva diante das que experimentavam os escravos transportados pelas caravanas. Deve-se, também, levar em conta que os cativos que eram deslocados, guardados e mantidos pela diáspora estavam submetidos a muito menor risco de contágio, em casos de epidemias, por não se aglomerarem com outros escravos. Por outro lado, onde o transporte fluvial era responsável pelo sistema de comércio de mercadorias da região – que era em boa parte ribeirinho – o uso de canoas, tanto no caso dos bobangis como no dos

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