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A EVOLUÇÃO DOS SETORES COMERCIAL E DE TRANSPORTES AFRICANOS NO DECURSO DO SÉCULO X

No documento O trato as margens do pacto (páginas 167-170)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA COSTA DA MINA E NO DE ANGOLA (1681-1710)

4.17 A EVOLUÇÃO DOS SETORES COMERCIAL E DE TRANSPORTES AFRICANOS NO DECURSO DO SÉCULO X

Os negócios mantidos pelos reis que dominavam o comércio do planalto do Ovimbundo – que eram os maiores promotores de guerras de escravização –, pelos líderes de caravanas e pelos comerciantes vinculados à diáspora comercial estavam, durante o século XVIII, todos articulados em torno dos mesmos mercados centrais, e, sempre que fosse conveniente, eram combinados os distintos estilos que essas três alternativas de organização dos negócios do tráfico ofereciam para o transporte de bens e de escravos através de Angola e do Congo. Em geral, eram construídas estradas justapostas às rotas principais de comércio que ligavam as múltiplas fontes de capitais e de bens de troca europeus, instaladas nas cidades portuárias situadas nas proximidades da costa, e o relativamente limitado conjunto de expressivos núcleos populacionais, que se constituíam, ao mesmo tempo, em mercados regionais consumidores de bens importados e em centros redistribuidores de importações, bem como nos locais aonde podiam ser adquiridos os cativos que, após terem tido que enfrentar uma longa e penosa marcha na direção da costa, iriam alimentar o comércio de exportação (MILLER, 1988:207).

O maior desses núcleos populacionais se localizava, sem margem a dúvidas, no cinturão de população densa existente entre 6º e 8º de latitude sul. No século XVIII, caminhos descendentes também se irradiaram de cima para baixo a partir das partes mais elevadas do populoso planalto central, fato este que também veio a acontecer posteriormente e de forma

menos expressiva rumo ao oeste, a partir dos bolsões de população que existiam nas beiradas um pouco mais úmidas do deserto do Kalahari. Onde as bordas exteriores, diagonalmente orientadas, de cada leque de distribuição de escravos se estendiam paralelamente à costa, os comerciantes que as seguiam arriscavam-se a perder escravos para compradores que a eles se antecipassem, cortando caminho, através de atalhos que conduziam diretamente aos vales dos rios, na direção do oeste (MILLER, 1988:207).

Em razão da maior ou menor intensidade das estações secas e/ou das transformações políticas e econômicas ocorridas nas fronteiras das zonas de escravização, desordenados movimentos migratórios eram promovidos para a fuga da estiagem e/ou das guerras e das práticas escravizantes por estas estimuladas, provocando, pelo menos temporariamente, o despovoamento de importantes regiões produtoras de escravos. Todavia, os vales do Cuango, do Cuanza e de outros rios nas proximidades da costa permaneciam como fontes constantes de escravos, porque neles eram retidos muitos dos cativos transportados nos libambos que por lá passavam, vindos do leste. As chegadas e partidas dos fornecedores europeus de bens importados, nos diferentes trechos da costa, poderiam, também, em certos momentos especiais, ensejar a movimentação de escravos através de uma das múltiplas rotas disponíveis de um dado leque120 de alternativas de roteiros (conjunto de rotas de tráfico que eram irradiadas a partir de um mesmo ponto de acúmulo de escravos) existente numa dada região (MILLER, 1988:207-208).

Situações complexas e mudanças no tocante à articulação das operações conduzidas paralelamente pelos três principais sistemas de transporte de escravos, resolviam-se por si próprias, num nível mais abstrato, dentro das distinções geográficas e estruturais estáveis existentes entre eles. No sistema comercial nortista de altos lucros, os comerciantes da diáspora africana extraíam escravos, nas relativamente populosas e acessíveis regiões a leste do Congo, e expunham seus cativos a riscos apenas moderados de mortalidade durante a longa e difícil viagem rumo ao oeste (para a costa de Loango).

Thornton, em seu artigo As guerras civis no Congo e o tráfico de escravos, pondera não ser o Congo a única fonte de escravos dos portos do norte, e é possível que muito do acréscimo de oferta que neles ocorreu tenha se dado a partir de novas fontes de suprimentos e de uma

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Representantes comerciais que fazem vendas, em determinadas regiões brasileiras, geralmente se hospedam num hotel da cidade principal da região e, a partir de lá, “fazem o pião” (isto é, abrem o seu “leque”, visitando clientes em múltiplas direções), como dizem em seu jargão.

escravização mais intensa, como, aliás, ocorreu em outros locais da ampla região que habitualmente negociava com a costa de Loango. As terras do interior próximas de Loango ou dispostas ao longo do rio Zaire, além do enorme lago de Malebo, contribuíram para esse aumento, como o fizeram as áreas postadas rumo ao leste, onde o império Lunda causou, ao se expandir, um enorme impacto ao longo de todo o curso do Cuango, mesmo depois da metade do século XVIII. Aponta Thornton que, em 1794, Raimondo de Dicomano descreveu uma pequena rota de tráfico entre o Kimbangu e os mercadores portugueses instalados em Mbwela; todavia, ele acredita que a maioria dos cativos do Kimbangu e todos os do império Lunda e do Zaire eram carregados pelos mubiris (vilis), que levavam-nos para serem vendidos no porto de Cabinda, no Soyo e em outras localidades (THORNTON, 1997:59).

No sistema de transporte central, caravanas de escravos financiadas por portugueses tinham que suportar enormes perdas materiais e arcar com pesadas despesas no seu caminho em direção a Luanda. Isto deu ensejo para que um complexo de caminhos existentes na zona seca sulina, com sua principal saída em Benguela, florescesse, em razão dos baixos custos pelos quais podiam ser adquiridos os cativos de guerra da região montanhosa do Ovimbundo, até a década dos 70 do século XVIII, continuando depois a prosperar, durante todo o resto do século, com base nas desordens provocadas pela renitência da seca e por sua costumeira seqüela de escassez de alimentos. Os comerciantes que atuavam através da network do meio, em Luanda, movimentando caravanas, disputavam com os negociantes de Loango, o acesso à densa população assentada nas fímbrias das florestas, sofrendo porém uma pronunciada desvantagem no que tange aos custos de transporte, o qual era feito através de encorpadas e lentas caravanas e, acima de tudo, eles ainda tinham que absorver os efeitos de um considerável handicap adicional que era o custo elevado que pagavam por sua mercadoria, comparativamente ao apresentado pelos escravos de baixo custo, que eram obtidos como presas de guerra pelos traficantes concorrentes que operavam no sul. Além disso, do lado atlântico de suas operações eles tinham que fazer negócios conforme os termos ditados pelo sistema mercantilista português, sediado em Luanda, que se encontrava articulado de forma parcial e desonesta contra eles. Como conseqüência, para não serem alijados do mercado, eles se viam obrigados a tentar superar as enormes dificuldades comerciais e operacionais que enfrentavam por meio da oferta, aos seus agentes comerciais, para que não fossem totalmente alijados do mercado pelos seus concorrentes,

de bens de troca importados em condições creditícias ruinosamente liberais121 (MILLER, 1988:208).

4.18 A GUERRA SEM TRÉGUAS POR ESCRAVOS QUE ERA TRAVADA AO LONGO

No documento O trato as margens do pacto (páginas 167-170)

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