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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A REDE HIDROGRÁFICA E O LITORAL DE ANGOLA

No documento O trato as margens do pacto (páginas 109-112)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA COSTA DA MINA E NO DE ANGOLA (1681-1710)

4.6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A REDE HIDROGRÁFICA E O LITORAL DE ANGOLA

Em toda uma enorme extensão da franja costeira angolana, que chega a alcançar cerca de oitocentos quilômetros, somente o rio Zaire consegue vencer os obstáculos que se lhe antepõem para que possa desafogar os rios da bacia central, armazenando suas águas (no reservatório Malebo) e despejando-as posteriormente no oceano Atlântico, dando, para tanto, constantes saltos para baixo através de trezentos quilômetros de cachoeiras que se situam em planos menos elevados que o do reservatório natural de Malebo, onde as águas dos rios vindos do interior do continente africano repousam placidamente, recuperando o fôlego, antes que retomem sua desenfreada corrida rumo ao mar. O rio Cuanza desemboca no oceano a uma latitude aproximada

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Segundo Claude Meillassoux, a razia (o raid) “foi praticada em quase toda a África submetida ao tráfico. Sem que seja possível dizer em que proporção ela contribuiu para o fornecimento de escravos em relação às guerras, os testemunhos que indicam a sua existência ou descrevem suas modalidades são numerosos. A surpresa, a astúcia, a rapidez da intervenção e da retirada, o ataque a posições aldeãs mal protegidas, principalmente às mulheres e crianças, são as suas características.” Prossegue este autor a fazer a sua caracterização da forma como ela era desfechada: “A razia exigia tropas pequenas e um armamento relativamente sumário, em relação à guerra como veremos. Os fuzis, ruidosos demais para praticar os raptos de mulheres e crianças nos descampados, longe dos olhos dos aldeões, não eram indispensáveis. Em compensação, eram necessários meios de transporte rápidos (cavalos, dromedários ou pirogas), que permitiam levar os cativos para fora do alcance de eventuais perseguições.” (MEILLASSOUX, 1995:120).

de 10º sul, drenando os declives do nordeste do planalto central através de um grande arco curvado para o noroeste, recebendo na sua parte mais baixa seus principais afluentes de pequenos platôs situados à sua direita, na margem norte. As partes localizadas a sudeste do planalto central descaem em direção ao rio Cunene, que, como o Cuanza, forma-se no interior do maciço central antes de voltar-se para o lado do oeste, através de uma brecha nas montanhas, até atingir o oceano no limite extremo sul das regiões que, até o início da segunda metade do século XIX, ainda continuavam a ser exploradas pelo tráfico de escravos. Todos os demais pequenos rios, que desembocam no oceano (entre os quais estão: Ogowe, Mbrije, Loje, Dande, Bengo, Cuvo, Quicombo, Catumbela e Cuporolo), nele escoam as águas que manam das vertentes ocidentais das cadeias de montanhas mais próximas da costa que se vêem significativamente engrossadas durante a estação chuvosa (MILLER, 1988:15).

O curso médio do Zaire, que é considerado um dos mais caudalosos rios do mundo, acompanha a linha do equador, percorrendo uma extensão de 4.200 quilômetros. A sua navegabilidade é, porém, prejudicada pela existência de grandes corredeiras no trecho da descida do planalto central. Tem ele afluentes nascidos tanto acima quanto abaixo da linha do equador, o que justifica a excepcional descarga de águas que recebe de sua rede de afluentes, uma vez que, enquanto as enchentes dos rios situados no hemisfério norte (como, por exemplo, o Ubanji) coincidem com o verão europeu, as cheias dos rios situados ao sul do equador (o Casai, entre eles) acontecem no verão do hemisfério austral (GIORDANI, 1985:34).

Somente na direção do rio Zaire, e além dele, conseguiam as precipitações chuvosas mais intensas das latitudes equatoriais dar suporte a uma população de fazendeiros relativamente mais densa, numa faixa distante poucos quilômetros do oceano, onde atalhos que vinham dos rios menores das encostas ocidentais convergiam em direção a diversas baías ou barras de rios onde as embarcações transoceânicas podiam encontrar ancoragem segura para, além de terem maior tranqüilidade para receberem suas cargas humanas, poderem se abastecer de alimentos, lenha e água potável. Partindo-se do cabo Lopes em direção ao sul, muito próximo da área mais densamente povoada situada numa grande extensão de áreas florestais recobertas por um mosaico floresta-savana, convergia ao litoral uma quantidade bastante expressiva de escravos que eram conduzidos a um grupo de três baías bastante abertas para o oceano: Loango, Molembo e Cabinda, todas situadas na costa existente imediatamente ao norte do estuário do rio Zaire, ao longo da qual se localizava um conjunto de enseadas que eram freqüentemente singradas por

canoas sempre bem recheadas de pessoas, enseadas essas entre as quais muitas poderiam ocasionalmente ser usadas como pontos secundários para o embarque de cativos (MILLER, 1988:15-16).

Ao sul do rio Zaire, aparecem sucessivamente diversas barras de rios, especialmente as do Mbrije, do Loje e do Dande, que se constituíam em pontos de embarque bastante convenientes. Na barra do Dande localizava-se um espichado promontório, atrás do qual poderiam os navios buscar proteção durante o embarque dos cativos. Em seguida vinha o rio Cuanza, o qual, apesar de ser o mais largo rio depois do Zaire, nunca foi um ponto focal para as rotas de escravos que atravessavam vagarosamente o seu vale, devido a um traiçoeiro banco de areia que bloqueava a sua foz. Luanda acabou se tornando o ponto central de uma rede de tráfico envolvendo escunas e canoas que navegavam ao longo do litoral, trazendo cativos de todas as partes das costas adjacentes, alguns do rio Bengo, que ficava logo ao norte da baía, e outros das desembocaduras do Quicombo e do Cuvo que ficavam ao sul do Cuanza. A maioria dos cativos que eram extraídos do platô interior descia rumo aos diversos portos de embarque estabelecidos ao longo dos quatrocentos quilômetros de faixa litorânea existentes entre Loango e Luanda, dos quais era despachada. Nas proximidades das fozes dos rios Catumbela e Cuporolo situavam-se os portos do Lobito e de Benguela, que eram abastecidos para o tráfico neles praticado através da grande massa de cativos produzidos pelas infindáveis guerras que tinham por palco o planalto central (MILLER, 1988:16-17).

Era prática corrente entre os negros, como estratégia de inibição à fuga de escravos, que os guerreiros de duas tribos africanas distintas, que mantivessem ambas plantéis de escravos, trocassem seus cativos com os aprisionados em outras regiões com características geográficas e costumes distintos daqueles existentes no local onde eles habitavam e haviam sido capturados. Por exemplo, os habitantes das fímbrias das florestas tendiam a comprar presas de guerra provenientes das savanas ou da borda do deserto e vendiam para povos relativamente distantes os cativos que haviam nascido e crescido nas vizinhanças de suas aldeias, o que reduzia significativamente, para ambas tribos envolvidas no negócio, o risco de fugas (OLIVER, 1994:157-158).

No extremo-sul do litoral angolano, a barra do Cunene, situada entre terrenos ressequidos e estéreis, ou as costas ao sul deste rio, eram as partes do litoral angolano que estavam mais

próximas tanto do Brasil quanto da Europa. Ventos soprando constantemente do sudoeste e a corrente marítima que circulava, renteando a costa rumo ao norte, conduziam os navios nesta direção, passando por uma série de portos de embarque, cujo grau de importância se alternava ao longo das décadas, mas cuja distribuição geral ao longo da costa, para quem se dirigia no sentido sul-norte, era marcada pela crescente freqüência com que iam aparecendo ancoradouros seguros localizados nas proximidades de regiões cujas densidades demográficas internas eram crescentemente expressivas. Muito próximos uns dos outros nas imediações do equador, esses ancoradouros iam rareando em direção ao sul, “até que eles desapareciam na arenosa não- existência [que podia ser constatada] ao sul do Cunene” (MILLER, 1988:16).

No documento O trato as margens do pacto (páginas 109-112)

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