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A FORMA PELA QUAL O ESCRAVO ERA PRODUZIDO COMO MERCADORIA NA COSTA DA MINA

No documento O trato as margens do pacto (páginas 87-90)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ESCRAVOS SEGUNDO SUA ORIGEM (1701-1810)

3.1 A FORMA PELA QUAL O ESCRAVO ERA PRODUZIDO COMO MERCADORIA NA COSTA DA MINA

O levantamento que é feito a seguir a respeito do comércio direto que faziam – contornando os meandros estabelecidos pelo “pacto colonial”, cuja fórmula clássica para o comércio colonial era a do comércio triangular –, nos portos africanos da Costa da Mina, os comerciantes soteropolitanos, está fundamentalmente apoiado em informações divulgadas na importante obra de Pierre Verger, intitulada Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos62, o qual, laboriosa e pacientemente, recolheu em seu

62

livro um volume incrível de informações, obtidas através de pesquisas diretas que fez em inúmeros arquivos europeus, brasileiros e africanos.

Desde o início do século XVII, os comerciantes lusitanos mantinham, no castelo de São Jorge da Mina – fundado, em 1482, por Diogo de Azambuja, a mando de D. João II, e perdido para os holandeses em 1637 –, localizado na Costa do Ouro, um ponto de troca com os régulos e comerciantes locais, em que permutavam por ouro, avidamente buscado pelas potências européias, fortemente impregnadas então pelo espírito mercantilista, escravos que obtinham, em troca de barras de ferro, no Congo. Realizavam eles, ao agirem dessa forma, “uma assaz brutal transmutação de ferro em ouro” (VERGER, 1987:10).

A respeito desse castelo, implantado pioneiramente na costa do Ouro pelos portugueses, bem como de outros que foram, posteriormente, construídos por companhias de comércio, em grande parte com participação direta das casas reais européias, comenta Catherine Coquery- Vidrovitch (1965:110): “Os mercadores portugueses juntavam-se em torno de castelos fortificados, que desempenharam simultaneamente o papel de feitorias comerciais e de postos militares, protegendo os navios de passagem das pilhagens indígenas ou dos ataques de flibusteiros; as outras nações em breve os imitaram: os holandeses expulsaram-nos de S. Jorge da Mina, os ingleses instalaram-se na Gâmbia e em Cape Coast Castle, os franceses em São Luís do Senegal e em Uidá, no Daomé; os dinamarqueses e os brandenburgueses possuíam igualmente fortalezas com a ajuda das quais demarcavam as costas de África. Essas fortalezas, todavia, garantiam aos seus donos uma ‘zona reservada’ bastante precária porque, entre outras razões, os castelos ficavam bem próximos uns dos outros: só na costa do Ouro, havia treze fortes holandeses, nove ingleses e um dinamarquês”.

Visando tornar mais efetivo o escambo que faziam na Costa do Ouro, uma vez que os negócios de escravos em troca de ouro estavam decaindo, os portugueses (então sob domínio espanhol) estabeleceram que, numa distância de dez léguas em direção ao interior e ao longo do litoral, nenhum negro poderia ser capturado ou vendido.

litteris a grafia usada por ele nas reproduções que apresenta em sua obra, especialmente em razão de terem os

referidos textos oficiais sido vertidos para o francês na obra original e depois traduzidos para o português, resultando que, em muitos desses textos, seja apresentada uma mescla de grafia em português coevo e no português atual do Brasil, não sendo seguido para isso qualquer padrão específico.

Por se restringirem, até então, os interesses que tinham os portugueses na região do Golfo da Guiné à obtenção de ouro, o abastecimento de escravos de suas dependências americanas era preponderantemente feito a partir dos domínios de Portugal em Angola. Isto pode ser evidenciado pelo fato de que, quando a Bahia foi tomada, durante um curto lapso de tempo, em 1624, pelos holandeses, estes encontraram fundeados no porto soteropolitano seis navios provenientes de Angola, com uma carga total de 1.440 escravos, e apenas um procedente da Guiné, que trazia somente 28 (VERGER, 1987:11).

Com a tomada de Angola, em 1641, pelos holandeses, iniciou-se um período, que se estendeu até a retomada de Luanda por Salvador Correia de Sá (1648), durante o qual a Bahia enfrentou seriíssimos problemas de reabastecimento de sua força de trabalho escrava, uma vez que os holandeses, que também se achavam instalados em Pernambuco, para lá desviaram os cativos angolanos que antes eram usados para a reposição, ou mesmo expansão, da força de trabalho mancípia da Bahia.

Nas últimas décadas do século XVII e nas primeiras do seguinte, apesar dos ingentes esforços da Coroa portuguesa no sentido de encaminhar as naus dos traficantes soteropolitanos para negociarem nos portos das conquistas portuguesas da Guiné, de Angola ou do Congo, verificou-se uma crescente tendência de se dirigirem as mesmas para fazer o tráfico na Costa da Mina, também conhecida como Costa a leste (a sotavento) da Mina, constituída pela parte do golfo de Benin situada entre o rio Volta e Cotonu. Isto se deveu especialmente ao fato de que os baianos eram detentores de uma mercadoria de troca privilegiada nos negócios realizados nos portos da Costa da Mina, que era o tabaco de terceira categoria, cuja introdução em Portugal era proibida e que não era aceito como componente do pacote de troca nos demais portos de tráfico lusitanos acima referidos. Assim, os negros provenientes da Costa a Sotavento – que corresponde hoje ao litoral do Togo e da República Popular do Benin – eram conhecidos, na Bahia, como “negros de Mina”.

Curiosamente, como já foi dito, foi o fato de poderem dispor de tabaco de terceira qualidade, refugado pelo mercado europeu, do qual era a Bahia de longe a maior produtora, que deu aos negociantes soteropolitanos enormes vantagens comerciais nos portos de tráfico da Costa

da Mina, tal era o grau de apreciação que tinham por essa mercadoria63 as populações nativas daquela região.

Pierre Verger (1987:12-13) mostra, através da tabela 2, a seguir apresentada, para o período que vai de 1681 a 1710, a existência de uma progressiva tendência no sentido de se concentrar o tráfico praticado pelos baianos nos portos da Costa da Mina e de se tornar praticamente nulo o tráfico por eles feito em Angola.

TABELA 2

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA

No documento O trato as margens do pacto (páginas 87-90)

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