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ESTRATÉGIAS DE TRANSPORTE E DE COMERCIALIZAÇÃO

No documento O trato as margens do pacto (páginas 148-159)

O TRÁFICO DE ESCRAVOS

NÚMERO DE NAVIOS BAIANOS ENVOLVIDOS NO TRÁFICO DA COSTA DA MINA E NO DE ANGOLA (1681-1710)

4.15 ESTRATÉGIAS DE TRANSPORTE E DE COMERCIALIZAÇÃO

As formas institucionais através das quais os traficantes transmitiam crédito e moviam escravos diferiam de acordo com a densidade demográfica das áreas das quais eles eram extraídos e conforme a proximidade dos clientes e das fontes produtoras de escravos relativamente aos centros nodais da estrutura comercial. Nas imediações dos centros comerciais, vendedores ambulantes – os pombeiros105 – tomavam em consignação quantidades geralmente pouco expressivas de bens, que mascateavam, nos povoados dos arredores e nos mercados locais (pumbos), procurando obter, através das trocas que promoviam, os escravos que lhes haviam sido encomendados por seus clientes. Por distribuírem bens importados fora dos enclaves de investimentos estrangeiros, propiciavam os pombeiros, aos importadores europeus a que serviam, a possibilidade de, por seu intermédio, poderem estabelecer contatos mais diretos com os consumidores dos produtos que distribuíam, com eles conversando em seus próprios dialetos, demonstrando os conhecimentos que tinham sobre os gostos e as necessidades locais e, eventualmente, falando sobre contatos de parentesco ou de amizade que mantinham nas aldeias da região ou, mesmo, contando-lhes casos picarescos. Basicamente, essa era uma estratégia de distribuição dos bens importados aos consumidores locais que era conduzida de acordo com as típicas formas africanas de efetuar trocas. As vendas feitas dessa forma eram processadas nos mesmos moldes do primeiro método de distribuição que havia sido desenvolvido no Congo, no século XVI. Naquela época, “os pombeiros atuavam em grande escala, ligando o centro de distribuição em São Salvador ao grande mercado de Mpumbu, no reservatório natural de Malebo, e o termo genérico (pombeiro) que passou a ser usado para designar esses consignatários africanos derivou do nome da principal praça comercial em que atuavam naquele tempo” (MILLER, 1988:189).

Durante o século XVIII, os pombeiros continuavam se empenhando no sentido de trocar, no varejo, por escravos ou commodities africanas, os bens europeus a que podiam ter acesso através de consignações. Todavia, a enorme expansão da área de comercialização e a crescente

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Sobre a origem etimológica da designação pombeiro, Kátia de Queirós Mattoso parece ter outra opinião. Para ela, “a etimologia do nome (...) faz lembrar o pombo-correio, ave com anel, portadora de mensagem, que torna fielmente ao pombal abandonado” (MATTOSO, 1988:40). Também Boxer tem uma versão um tanto equivocada, especialmente no tocante às escalas em que eles normalmente operavam, para a origem da palavra pombeiro (ou pumbeiro), que segundo ele, eram “agenciadores de escravos (...) [que] percorriam o interior, comprando escravos dos chefes locais e levando-os para Luanda, de onde eram transportados para o Brasil. Os pombeiros eram mulatos (...) que deviam ser mandados pelos seus patrões portugueses de Luanda, levando consigo um total aproximado de cem ou cento e cinqüenta escravos negros (!!!), usados como carregadores (...) no transporte de (...) mercadorias (...) usadas no pagamento dos escravos comprados no interior. Esses pombeiros demoravam-se no interior um ou dois anos, antes de mandarem para a costa, ou trazerem consigo, filas de quinhentos ou seiscentos escravos (!!!).”

agressividade comercial dos agentes do capital estrangeiro nos mercados mais fartos de escravos, reduziram a importância relativa desses bufarinheiros. O pombeiro era, geralmente, visto como um agregado, com uma posição social humilde, a quem os comerciantes comissionavam para vender, em troca de algum escravo que pudessem conseguir, negociando de porta em porta, nas vizinhanças de centros comerciais importantes, quantidades relativamente pequenas de artigos de troca. Por outro lado, cada vez mais freqüentemente, cruzavam pelas trilhas que recortavam o sertão, em sentido contrário ao percorrido pelos libambos106 pululantes de escravos que estavam sendo encaminhados aos portos de tráfico, caravanas provenientes do litoral financiadas com capital europeu, que transportavam bens de troca (banzos) em direção a bem providos viveiros de escravos. Os reis africanos procuravam limitar toda e qualquer modalidade de negócios que fossem realizados fora de seus centros comerciais, mesmo aquelas que envolviam o emprego de escalas de atuação reduzidas, como acontecia com os pombeiros, uma vez que ela poderia possibilitar, para comerciantes imigrantes, perigoso acesso a potenciais fornecedores, em determinados povoados aos quais os reis prefeririam contatar diretamente eles próprios, através de agentes de sua confiança. Os pombeiros, por operarem em pequena escala, pairavam às margens do comércio em Luanda, mas eram especialmente proeminentes nos centros comerciais dominados pelos portugueses ao longo do Cuanza – onde os colonos portugueses haviam construído uma série de fortalezas, começando por Muxina, vindo em seguida, na confluência entre o Cuanza e o Lucala, Massangano (posição esta que se demonstrou ser das mais estratégicas na guerra contra os mafulos107), e, depois, em Cambambe e em Ambaca – onde estavam os pombeiros livres do risco de sofrer restrições às suas perambulações por parte de fidalgos africanos poderosos (SILVA REGO, 1948:7-9). Os escravos que eram negociados por esses mascates provinham de um grande número de pequenas fontes, a maioria delas fechadas para os mercados principais e nenhuma delas com condições de poder reunir, isoladamente, recursos suficientes para prestar seus serviços através de pontos de tráfico permanentes (MILLER, 1988:190).

No comércio do século XVIII, o termo caravana (que tinha como sinônimo, no português da época, conduta; no Congo meridional era conhecida como kibuka; e chamava-se libambo no interior da região de Luanda) significava uma expedição relativamente grande, composta

(BOXER, 1973:242).

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Caravanas que transportavam escravos provenientes do interior rumo aos portos de tráfico. Conduziam, geralmente, entre trinta e cem escravos jungidos uns aos outros através de ajoujos.

especialmente por numerosos carregadores – que conduziam a carga que cabia a cada um deles, previamente dividida e acondicionada em volumes que pesavam cada qual em torno de 25 quilogramas, apoiada geralmente sobre suas cabeças – e guardas, que vigiavam e conduziam escravos reunidos em grupos de tamanho substancial, transportados a longa distância, usualmente entre dois mercados centrais de importância significativa ou entre os estabelecimentos comerciais existentes no interior, onde eram comprados os cativos, e os portos de embarque na costa. As caravanas, em termos de porte e de alcance, podiam oscilar numa faixa de tamanho que abrangesse desde as operações de pequena escala dos pombeiros, que podiam ser acompanhados por no máximo cinco até oito carregadores, até as mega-operações, que chegavam a durar, ocasionalmente, mais de um ano e tinham muito longo alcance, como, por exemplo, caravanas que empregavam em torno de 1.000 carregadores, que no decurso do século XIX – quando ganhou enorme expressão o comércio de commodities, como a cera, o marfim e a borracha – foram organizadas pelos ovimbundos, pelos imbangalas e por comerciantes africanos de outras etnias, por sua própria conta. Libambos que envolviam de vinte até cem escravos, além dos carregadores, eram empreendimentos de porte médio, que poderiam ser considerados corriqueiros entre as expedições comerciais do século XVIII (MILLER, 1988:190-191).

A escala relativamente modesta em que operavam essas expedições era, sem dúvida, resultante do ganho, em termos de velocidade, que podiam obter pela limitação do seu tamanho, mas, além disso, sua escala de operação, por não ser exagerada, permitia a centralização da propriedade dos bens transportados e, algumas vezes, também dos próprios carregadores – o que aumentava o grau de flexibilidade na tomada de decisões –, criando-se, então, as condições para que, com essas escalas operacionais relativamente mais reduzidas, fosse possível suportar os custos decorrentes da expedição através do investimento de um montante de recursos que um único comerciante de bom cabedal pudesse ter condições de reunir, ou que aqueles que davam a ele retaguarda financeira nos portos não fariam grandes restrições para arriscarem nas mãos de um único agente. De modo totalmente distinto, as imensas caravanas do século XIX eram geralmente financiadas através de uma joint venture composta por um grupo grande de produtores e de vendedores africanos distintos, e conduziam mercadorias de exportação que eram muito menos perecíveis do que os escravos. Através dessas mega-caravanas, muito mais do que visando somente unificar a estrutura financeira do negócio, dúzias de empreendedores africanos 107

juntavam suas forças para melhor poderem se proteger contra saqueadores. As caravanas do século XVIII, cuja propriedade era centralizada, eram mais densamente capitalizadas, mas, ao mesmo tempo, muito mais dependentes de adiantamentos financeiros externos, e, conseqüentemente, poderiam ser mais diretamente controladas pelos agentes costeiros dos comerciantes europeus. A única exceção que pode ser apontada era a do comércio que partia do Congo para Luanda, na década dos noventa, o qual, destacando-se dos padrões da época, surgiu pela iniciativa de um grupo de vendedores africanos de escravos, que chegaram a transportar, de uma única vez, verdadeiros cortejos de escravos, reunidos em contingentes, situados muito acima dos habitualmente formados, que oscilavam entre duzentos e mil escravos (MILLER, 1988:191).

Por ocasião do retorno de uma jornada, o proprietário dos bens, se estivesse acompanhando a caravana, ou, mais geralmente, o agente por ele designado, costumava se manter bem à frente do grupo principal para negociar os termos de passagem através das barreiras fiscais que, freqüentemente, bloqueavam as trilhas, ou para arranjar canoas, através de um barqueiro que controlasse a travessia num determinado trecho do rio, ou, ainda, para iniciar o acerto de contas com os seus financiadores no ponto de destino da caravana. O corpo principal da caravana avançava, muito lenta e desorganizadamente, sempre quebrado em diversas secções, separando-se em grupos suficientemente pequenos para que pudessem acampar nas clareiras existentes nos lados das trilhas que cortavam o sertão. Os carregadores marchavam em uma fila única, portando fardos, cuidadosamente embalados, sobre suas cabeças ou amarrados em estacas de bambu posicionadas sobre seus ombros. Os pacotes eram envolvidos, de forma a serem os seus conteúdos protegidos contra a umidade, o pó, o roubo e a manipulação pouco cuidadosa, ou balanceados para facilitar o transporte, e eram, freqüentemente, equipados com alças-para- segurar, feitas com pedaços de madeira, o que tornava mais fácil levantá-los de onde estivessem apoiados ou baixá-los para o chão (MILLER, 1988:191-192).

Cada secção da caravana movia-se, diariamente, por cerca de três horas e meia ou quatro horas, durante a metade ou um terço dos dias de marcha que haviam sido programados para que ela completasse o seu percurso. O tempo remanescente era utilizado para reempacotamento de cargas e preparo da comida. A ocorrência de situações imprevistas, como negociações demoradas com barqueiros para a travessia de rios, postos de pedágio estabelecidos pela nobreza local, ou rumores de que grupos de bandoleiros que assaltavam nas estradas estivessem espreitando à frente, poderiam motivar a parada de toda a caravana durante dias a fio. Raramente cobria ela

mais do que dez quilômetros de marcha diária e, ordinariamente, avançava menos do que cento e cinqüenta quilômetros num mês. A tal ritmo de deslocamento, podia-se dizer que Cassanje ficava a quatro meses de viagem de Luanda, e a capital da Lunda ficava de quatro a cinco meses para além do Cuango108 (MILLER, 1988:192).

Nesses termos, distintas avaliações do tempo de jornada para uma mesma distância podiam sofrer a influência de um considerável número de variáveis, como, por exemplo, os distintos ritmos de marcha, as condições atmosféricas, o estado de conservação dos caminhos, o peso e a forma de acondicionamento ou de embalagem da carga transportada, etc. (PARREIRA, 1989:22-24).

Uma vez que, ao longo do percurso, o mato previamente roçado muito rapidamente se recuperava e recobria as estradas, diversas doenças atingiam e flagelavam homens e animais e as inúmeras travessias de rios que precisavam ser vencidas representavam obstáculos que inviabilizavam o emprego de tração animal no deslocamento de pessoas e de mercadorias, o transporte em geral só podia ser viabilizado através do emprego de força muscular humana.

Os carregadores normalmente suportavam fardos, barris e caixas de 25 a 30 quilogramas cada109. As cargas mais pesadas, incluindo, por vezes, o próprio líder da caravana no seu leito coberto, eram suspensas por meio de longas varas para dividir o peso em porções toleráveis entre grupos de dois ou de quatro homens. Grandes presas de marfim, que poderiam pesar cem quilogramas ou mais, apresentavam especiais problemas desse tipo na viagem em direção ao oeste, mas importações volumosas, como as vastas pipas de vinho, engradados de armas de fogo110 ou fardos de tecidos, eram reembalados em menores volumes, nos centros costeiros, para maior facilidade da marcha que estava sendo encetada rumo ao interior (MILLER, 1988:192).

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Nas palavras de Duarte Lopes, registradas por Filippo Pigafetta, os congoleses determinavam as distâncias a serem percorridas não através de medidas correntes de extensão (quilômetros, milhas, etc.), mas, sim, através do número de jornadas percorridas por homens carregados ou ligeiros (PIGAFETTA & LOPES, 1989:95). Pode-se, sem dúvida, estender para toda a região de Angola e seus entornos a utilização de conceitos correlatos de distância.

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O volume médio de carga indicado por Miller está dentro do padrão apontado pelo Prof. Robert Capot-Rey, que estabelece, como adequada, para cada portador, uma carga de 25 kgs. Considera ele, ainda, como sendo razoável, um percurso diário de cerca de 25 quilômetros (CAPOT-REY, 1946:76). Roland Oliver considera que, conforme avaliação feita por Robert Harms, um carregador teria condições de transportar uma carga de 27 kgs. a uma distância entre 16 a 25 quilômetros por dia (OLIVER, 1994:160). Adriano Parreira, cometendo provavelmente algum equívoco, indica que os carregadores chegavam a percorrer 30 léguas – cerca de 200 quilômetros – por dia (!!!), em viagens que poderiam durar vários meses (PARREIRA, 1989:81).

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As armas de fogo eram parte indispensável em todos os carregamentos de mercadorias de troca que partiam da Inglaterra para a África. Enquanto Manchester ganhou notoriedade como o centro do comércio do algodão,

Via de regra, os organizadores das caravanas incluíam o mínimo de provisões possível às suas cargas, para tentarem maximizar a proporção de carga paga que era conduzida por cada portador. Assim sendo, com freqüência, os carregadores e os guardas paravam em determinados povoados para comprar o seu alimento e outros suprimentos. Alguns desses pontos de parada viraram, com o tempo, às custas de seu próprio esforço, núcleos comerciais, cercados por plantações de mandioca e de outros produtos alimentícios cultivados ou extraídos para serem vendidos para integrantes das caravanas que por lá passavam. Na prática, entretanto, uma vez que as caravanas eram muitas vezes empregadas para atravessar vastas zonas desabitadas existentes entre os centros de comércio mais importantes, através de savanas mais secas, os carregadores costumavam amarrar às suas costas, por baixo da carga que eles equilibravam sobre suas cabeças, pequenas mochilas111 em que transportavam, para uso próprio, carne seca e farinha de mandioca (MILLER, 1988:193).

Roubos praticados por carregadores aumentavam os custos dos condutores de caravanas, a despeito dos esforços que estes últimos despendiam para proteger os fardos contra furtos reembalando-os. Essas perdas eram, em parte, o reflexo das divergências de interesses existentes entre os ricos proprietários dos bens transportados pela caravana e os escravos e carregadores assalariados que os carregavam. Além disso, como um problema adicional, era importante ter-se em conta, como um outro possível entrave ao livre curso da caravana, o temor do sobrenatural típico dos cultos africanos, uma vez que os carregadores e os guardas que integravam a caravana, à medida que penetravam por terrenos desconhecidos, passavam a proceder de forma deveras relutante e cuidadosa, dando asas à sua imaginação, portando amuletos protetores e observando o caminho, ressabiados, em busca de presságios que permitissem predizer os perigos que estivessem à espreita, como, por exemplo: uma tora caída atravessada na trilha, o vôo espalhafatoso sobre a caravana de uma ave tida como de mau agouro, ou certas espécies de antílopes saltando através do caminho na frente do grupo poderiam ser interpretados como sendo

Birmingham tornou-se famosa como o centro do comércio de armas. Se no século XIX as armas de Birmingham eram objeto de trocas pelo dendê, no século XVIII a permuta envolvia menor grau de inocência, uma vez que as armas eram então trocadas por pessoas, sendo voz corrente, na época, que o preço de um negro era uma arma de Birmingham, sendo a África, no seu conjunto, tida como o cliente mais importantes dos fabricantes de armas daquela cidade, cuja exportação anual para lá era de 100.000 a 150.000 unidades, em troca de outro tanto de escravos (WILLIAMS, 1975:90-91).

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Luiz António de Oliveira Mendes (1977:45) chama a essa pequena mochila que os carregadores levavam às costas, por baixo da carga que portavam em suas cabeças, em que carregavam sua própria alimentação ao passarem por regiões mais desabitadas e secas, de carapetal (“saco do farnel”, que o sertanejo adquire para poder se sustentar até chegar a uma nova fonte supridora de alimentos).

formas de manifestação do Além, indicadoras de prováveis atribulações a serem sofridas pela caravana e/ou por seus integrantes112, ou, muito mais raramente, portadoras de bons alvitres para o empreendimento. Por exemplo, um ramo de palmeira que se quebrasse sem motivo aparente pressagiava a ocorrência de quedas, ou de falta de honra e não cumprimento da palavra (PARREIRA, 1990:46). Os temores por sua segurança pessoal, diante do sobrenatural, que tinham os supersticiosos carregadores, guardas e escravos, em territórios estranhos, fundiam-se com os esforços que eles faziam para resistir às pressões dos proprietários da caravana no sentido de que fosse acelerada a marcha, sendo que, em certos momentos críticos, tornava-se tão grande a instabilidade emocional reinante que ela ia se difundindo entre os nativos que integravam a expedição. Nessas condições, o pânico poderia se estabelecer de repente, podendo provocar até mesmo o abandono das cargas e a fuga desabalada e desordenada de todo o grupo de serviçais e de escravos (MILLER, 1988:193).

Considera Miller que grupos compostos por algumas dezenas de amedrontados, doentes, desanimados, famintos, quase desidratados, cansados e enraivecidos escravos, cada qual deles buscando aproveitar a mais remota possibilidade de fuga que encontrasse, e todos preparados para ferir ou assassinar os captores que tentassem anular seus esforços para recuperar a sua liberdade, poderiam se tornar extremamente perigosos. Os condutores, então, preventivamente, agrilhoavam os escravos agrupados em libambos113 de cerca de trinta cada qual, separando-os, sempre que o conjunto comportasse subdivisão, em grupos de machos, de fêmeas e de crias (crianças). Um anel de ferro em torno do pulso direito de cada indivíduo vinculava-o à corrente principal e, no conjunto, esta prática inibia o uso, pelos escravos, das suas destras em eventuais tentativas de abrir os grilhões que os jungiam. Em certos momentos críticos ou de pânico, cativos que, por qualquer motivo viessem a obstruir a marcha dos demais ou, mesmo, os que caíssem extenuados de cansaço ou de fraqueza, acabavam sendo arrastados pelo chão pelos demais integrantes do grupo (MILLER, 1988:193-194) e, à medida que isto acontecesse, estariam correndo o risco de ter os seus pulsos direitos – ou as cabeças, se estivessem também vinculados por grilhões colocados em torno de seus pescoços, o que era uma forma de se restringir os

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O médico e missionário alsaciano Dr. Albert Schweitzer apresenta como tabus entre os africanos do Gabão, onde esteve radicado por longo tempo, entre outros: tocar num camaleão, encher um buraco com terra, bater pregos, presenciar a agonia de um animal ou de um homem, pisar em cima de um formigueiro existente no caminho e ter que mexer por qualquer motivo num cadáver (SCHWEITZER, sd:111).

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Segundo Luiz António de Oliveira Mendes: “Libambo, é uma corrente de ferro de meia polegada de grosso; na qual vão se prendendo os escravos, que se vão permutando. Há libambo, que traz cem escravos; porém os ordinários são de trinta escravos” (MENDES, 1977:44).

movimentos de escravos que inspiravam maiores temores a seus captores e guardas – decepados, o que desimpediria os demais cativos de poderem acelerar o seu passo, dando, assim, maior

No documento O trato as margens do pacto (páginas 148-159)

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