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Algumas considerações sobre o Direito Alternativo

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 43-47)

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS

2.4 Algumas considerações sobre o Direito Alternativo

Conforme ensinamentos de Paulo Luiz Neto Lobo97, diferentes escolas, correntes e tendências jurídicas atribuem às suas teses a denominação de direito alternativo. Todas têm em comum a insatisfação com o Direito estatal e a rejeição ao positivismo jurídico e jusnaturalismo tradicional.

Referidas escolas podem ser assim classificadas da seguinte forma: a) direito alternativo em sentido estrito , que baseando-se no pluralismo jurídico, considera jurídicas emanações normativas reconhecidas da comunidade (como os costumes); b) uso alternativo do direito, que parte de normas jurídicas reconhecidas pelo Estado, aplicando-lhe uma função social. Trata-se, na realidade, de um esforço de aplicação e hermenêutica, e; c) crítica do direito total, que vê o direito como um obstáculo a ser removido na luta de classes.

96 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 189.

97 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil alternativo. In CHAGAS, Silvio Donizete (Org.).

No Brasil, a Escola do Direito Alternativo ganhou ênfase à época da ditadura militar, principalmente no Rio Grande do Sul.

De acordo com os seguidores deste movimento, não se trata de conferir poderes ilimitados ao juiz, que estaria sempre vinculado aos princípios constitucionais; ou seja, de acordo com os próprios seguidores do Direito Alternativo, este consiste de uma prática hermenêutica que , de “alternativa”, efetivamente nada tem. Trata-se, em síntese, da crítica ao positivismo e formalismo exacerbados.

Conforme ensinamentos de Luiz Vicente Cernicchiaro98: “O juiz precisa tomar consciência de seu papel político; integrante de poder. Impõe- se-lhe visão crítica. A lei é meio. O fim é o Direito. Reclama-se do magistrado, quando o necessário, é ajustar a lei ao Direito”.

Segundo esta linha de raciocínio, parece-nos que o movimento do Direito Alternativo acolhido e divulgado no Brasil mais se assemelha ao uso alternativo do direito, mencionado por Paulo Luiz Neto Lobo99.

Vale salientar, de qualquer forma, que este uso “alternativo” do direito encontra, inclusive, respaldo no ordenamento pátrio. Nelson Nery Junior100

afirma, com razão, que o que existe de real e concreto neste movimento é a utilização dos instrumentos legais atribuídos ao magistrado com o objetivo de tornar as normas menos rígidas. Tais mecanismos consistem na possibilidade de o magistrado controlar a inconstitucionalidade das normas no caso concreto , e de interpretar a lei com o objetivo de alcançar o seu fim social, nos termos do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (e do princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previsto).

Salienta o autor101 que esta realidade se distingue da encontrada na Itália, por exemplo, onde os poderes do juiz são muito mais restritos do que no Direito Brasileiro. Este fato fez com que teses contrárias ao direito

98 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito alternativo. Disponível em

<http://campus.fotuneciti.com/clemson/493/jus/m07-011.htm>. Acesso em 22 Out 2005.

99 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit,, p. 11-20.

100 NERY JUNIOR, Nelson, Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 151.

alternativo, que afirmam que este viola o estado de direito, tenham surgido no direito pátrio de forma descabida.

Aliás, como anotam os doutrinadores, desde sempre a jurisprudência tem feito uso do direito alternativo. Arnoldo Wald102, após discorrer sobre as dificuldades encontradas pela jurisprudência brasileira em razão das desigualdades existentes nas mais diversas regiões do país, conclui que tais desigualdades fizeram surgir o Direito Alternativo facultando que, em alguns casos, os Tribunais Superiores julgassem mais com base na eqüidade103 do

que no direito. José Fernando Vidal de Souza104, sem fazer qualquer menção ao direito alternativo (não obstante o seu artigo esteja em coletânea sobre o tema), defende a aplicação do poder criativo do juiz e o recurso à eqüidade como forma de se atingir a verdadeira Justiça.

Nelson Nery Jr.105 aponta como exemplo deste uso, o entendimento de que o recibo de sinal é considerado justo título para fins de aquisição do imóvel por usucapião ou a validade do compromisso de venda e compra sem registro106. Paulo Luiz Neto Lobo107 também constata esta realidade, apontando como exemplo a aceitação à tese da desconsideração da personalidade jurídica (antes da sua positivação pelo Código de Defesa do Consumidor e mais recentemente pelo Código Civil) e a aceitação da sociedade de fato, também antes da sua positivação.

102 WALD, Arnoldo. O novo código civil e a evolução do regime jurídico dos contratos.

Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, v.

130, 2003, p. 45.

103 Sobre a noção de eqüidade, faremos breves comentários no item 3.3.1.4, embora

reconheçamos que um completo entendimento de seu alcance e de suas variantes exija um complexo e dedicado estudo ao tema.

104 SOUZA, José Fernando Vidal de. Justiça e eqüidade. In CHAGAS, Silvio Donizete

(Org.). Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 120.

105 NERY JUNIOR, Nelson, Princípios... cit., p. 151.

106 “(...) Detém o “gaveteiro” legitimidade ativa para postular em nome próprio a revisão

judicial das cláusulas contratuais, não importando a data em que foi celebrada a transferência, uma vez que de referidos negócios jurídicos decorrem direitos aos cessionários, que não podem ficar à margem de qualquer regulamentação. Não é viável que o Poder Judiciário ignore uma prática utilizada em larga escala e aceita pela sociedade em geral que, diariamente, centenas de pessoas celebram os chamados “contratos de gaveta” (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 755140/SC, Min. Rel. Gomes de Barros, DJ 29.06.05).

Visto deste modo, parece-nos que o Direito Alternativo foi, realmente, acolhido pelo Novo Código Civil que previu de forma bastante evidente as cláusulas gerais e, principalmente, foi elaborado com fundamento nos princípios da socialidade, eticidade e operacionabilidade.

É interessante notar que ao concluir o seu artigo Direito Civil Alternativo, Paulo Luiz Neto Lobo108 sustentou que a visão não conformista

do direito se deparava com três alternativas: a) o uso ao direito alternativo, nos moldes acima expostos; b) o desenvolvimento crescente da regulação de condutas por associações, câmaras de arbitragem e convenções coletivas, ou; c) “a efetivação de novas leis editadas na direção emancipadora e da cidadania participativa, de um direito material vincado pela justiça social, para que o exercício desses direitos se torne realidade crescente”.

Parece que com a edição do Código Civil de 2002, o legislador optou pela terceira hipótese. Ou seja, o direito alternativo deixou de ser alternativo. A busca da justiça social e da dignidade da pessoa humana passou a ser um imperativo decorrente do próprio Código. Não obstante, vale lembrar o já citado ensinamento de Antonio Junqueira109, no sentido de que a segunda opção também têm sido posta em prática no ordenamento pátrio.

O curioso é que esta positivação dotada de normas abertas tenha surgido justamente (mas não apenas) no ordenamento civil, o ramo do direito mais refratário a mudanças e transformações, em razão da sua tradição que remonta ao direito romano110.

108 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito... cit., p. 11-20. 109 ver item 2.3.1 supra sobre o assunto.

3 O DIREITO DOS CONTRATOS

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 43-47)