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Da teoria contratual moderna ou social

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 61-65)

3 O DIREITO DOS CONTRATOS

3.2 Da teoria contratual moderna ou social

Como mencionado no item 3.1 acima, mesmo depois da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor - que trouxe uma nova roupagem ao direito contratual - renomados doutrinadores, talvez até mesmo por preconceito em razão do cunho social atribuído à legislação consumerista (e agora também ao Código Civil de 2002), resistiram em aceitar essas novas características do contrato154.

Fernando Noronha155 firmou-se de modo contrário a essa resistência. Segundo ele, a teoria da vinculação do contrato tem como pressuposto a premissa de que os interesses particulares contratados estão em harmonia com o direito coletivo. Entretanto, não é possível conceber o contrato sem os demais valores fundamentais da sociedade ocidental, que seriam a ordem e a justiça. Portanto, a liberdade, no direito dos contratos, constituiria o “núcleo essencial” do princípio da autonomia privada. A justiça, conforme o princípio da justiça contratual e a ordem seriam a segurança decorrente do principio da boa-fé contratual. São estes os três princípios básicos do direito dos contratos.

154 O caráter social do contrato foi bem percebido e explicado por Ronaldo Porto de

Macedo Jr.: “O Direito social é essencialmente contraditório e polêmico (no sentido

etimológico dospolemos gregos). Não há apenas um direito, tal como pensado pela doutrina liberal, mas sim direitos, visto que não há apenas uma Norma, mas um regime de normalidades provisória e flexivelmente integradas. Daí ser costume dizer-se que estamos na era dos direitos e não na era do direito. (...) O Direito social não completa as lacunas do Direito Civil ou de qualquer outro ramo formal do Direito. Neste sentido, o direito do consumidor não é um complemento dos Direitos Comercial e Civil tradicionais. Ele formaliza de maneira explícita a nova racionalidade típica do Direito Social. Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o consumerismo brasileiro introduz o conflito no interior do Direito de maneira jamais tão radicalmente explicitada, ao menos no âmbito do Direito Privado nacional. Por fim, o acordo também pressupõe sacrifícios e concessões mútuas. (...) Contrato, no âmbito do Direito Social, refere-se não a uma categoria bem definida, mas a uma ordem contratual, à medida em que se alteram os princípios e regras de julgamento que determinam a experiência jurídica contratual” (MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 87.).

Parece-nos que tem razão este jurista ao afirmar, ainda antes da entrada em vigor do Novo Código Civil, que os princípios relativos ao direito dos contratos já deviam ser vistos sob a ótica social. Ou seja, a autonomia da vontade, que na teoria clássica assumia posição central, foi substituída pela autonomia privada e passou a co-existir com os princípios da boa-fé e da justiça contratual, em constante equilíbrio e permanente tensão.

A adoção da teoria contratual moderna antes mesmo da promulgação do Novo Código Civil foi também compartilhada por Nelson Nery Junior156

que defendia a aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor – de cunho social – a todos os contratos:

“O Código Civil regula as relações jurídicas civis, vale dizer, as relações entre as pessoas naturais e jurídicas entre si e em face das coisas que possam ser de sua titularidade (...). Isto não significa, entretanto, que não possa ser aplicado a outras relações jurídicas, distintas da relação jurídica civil e comercial. (...). Frise-se que a recíproca também é verdadeira, pois os preceitos, por exemplo, do CDC, podem ser aplicados às relações civis e comerciais. Aliás, o direito das relações de consumo tem sido o responsável pelos notáveis progressos por que tem passado o direito civil desde o início da segunda metade do século XX, como anota autorizada doutrina”.

Ronaldo Porto de Macedo Jr.157 igualmente defendeu essa tese ao

afirmar que com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor tornou-se mais fácil o questionamento – que já havia surgido com os dois projetos de Código Civil e adquirido intensidade com a promulgação da Constituição Federal - dos princípios que dominaram a teoria contratual clássica. Este também é o entendimento de Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva158 e de Rogério Ferraz Donini159 que, especificamente em

156 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit., p. 403.

157 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos... cit., p. 279.

158 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas abusivas no código de defesa do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.

159 DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição federal e a concepção social do contrato. In

VIANNA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org). Temas atuais de

relação à boa-fé, ressalta-a como um princípio da teoria contratual clássica, embora fosse “pouco aplicada” e “raramente lembrada”, entre outros.

Aliás, a teoria de Rogério Ferraz Donini160 vai ainda além. Este jurista

reconhecia, já na vigência do Código Civil de 1916, a possibilidade de o juiz rever os contratos de modo a reestabelecer o equilíbrio entre as partes, o que seria feito com fundamento na Constituição Federal, no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, que equipara a consumidor todas as pessoas expostas a práticas abusivas, inclusive as contratuais.

De qualquer forma, parece-nos que com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, qualquer discussão sobre o fato da teoria clássica dos contratos estar desatualizada restou superada – apesar da resistência, ainda existente, como demonstrado acima – de parte da doutrina e da jurisprudência.

Isto porque, conforme será analisado nos itens a seguir, os princípios mencionados pelos doutrinadores adeptos da teoria contratual moderna foram positivados, tendo passado a exercer a função de cláusulas gerais161.

Logicamente, assim como ocorre com os princípios inerentes à teoria contratual clássica, na moderna também há dissenso entre os doutrinadores acerca da “classificação” e da “denominação” de tais princípios e/ou cláusulas gerais. Apesar disso, todos eles são unânimes sobre à essência destes com relação à sua função social e de eqüidade.

Essa conclusão torna-se flagrante na análise da posição de Ronaldo Porto Macedo Jr.162 que aponta o princípio do equilíbrio como o “novo princípio imprescindível para a compreensão da racionalidade jurídica do Direito Social”. Entretanto, o doutrinador demonstra que esse princípio baliza pelos mesmos valores constantes das cláusulas gerais da função social do

160 DONINI, Rogério Ferraz. A Constituição... cit., p. 78.

161 Destacamos que estarmos nos utilizando da classificação adotada por Rosa Maria de

Andrade Nery e Nelson Nery Jr. conforme item 2.3 supra. Reiteramos, contudo, que alguns doutrinadores ao se referirem às cláusulas gerais consagradas pelo ordenamento – como, por exemplo, a da boa-fé, denominam-nas princípios.

contrato, da autonomia privada e da boa-fé objetiva, que serão a seguir estudados. Segundo ele, as características principais do princípio do equilíbrio seriam a justiça das relações contratuais, o fato de que o juízo do equilíbrio deve ser flexível e adaptável às mudanças sociais e deve atender à função social do contrato.

Conseqüentemente, a necessidade de adaptação da teoria contratual clássica tornou-se inconteste163. Ademais, dado a técnica legislativa utilizada pelo referido ordenamento - com a utilização das cláusulas gerais, que, como se viu, aumentou os poderes do juiz - essa necessidade tornou-se, também, urgente.

É de se notar que como bem assinala Antonio Lordi164, a teoria contratual moderna é uma tendência mundial que abrange tanto os paises do “common law”165 como aqueles que adotam o civil law166, como é o caso do Brasil. Assinala o referido doutrinador, inclusive, que em que pesem as diferenças entre os dois sistemas, há necessidade de se estabelecer uma teoria contratual global como forma de incentivar as relações internacionais e propiciar maior segurança jurídica. O doutrinador assina , também, os esforços da União Européia neste sentido. É o caso da diretiva 93 da União Européia sobre os contratos de consumo, segundo a qual: “a cláusula não é

163 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit, p. 415-416: “Muda-se o perfil político ideológico

do Código Civil, de liberal (CC/1916) para social (CC 2002), com a utilização de técnica legislativa mista, principalmente com a adoção das cláusulas gerais, como são as da função social do contrato, a função social da empresa, a função social e ambiental da empresa e, por fim, a da boa-fé objetiva. Pode-se falar, com o nosso homenageado, em socialidade para caracterizar-se o perfil do novo Código Civil. (...) Em certa medida o sistema já exigia essa postura dos contratantes. Ocorre que na falta de disposição legal expressa, a submissão dos contratantes àqueles princípios gerais do contrato anotados pela doutrina e jurisprudência ainda era muito incipiente. Com a entrada em vigor do Código Civil, as regras tornaram-se expressas. Não há como negar-se a dar ao contrato a função social, observadas as demais cláusulas acima mencionadas, entre as quais avulta, pela sua importância e funcionalidade, a da boa-fé objetiva”.

164 LORDI, Antonio. Relazione sull’incontro buona fede. Equitá. Equity tunutosi il 5.5.1999

presso l’università Bocconi di Milano nell’ âmbito del seminário Autonomia Privata ed Equilíbrio Contrattuale. Disponível em

<http://www.jus.unith.it/cardozo/Review/Contract/Lordi1>. Acesso em 27 mai 2007 e LORDI, Antonio. Toward a common Methodology in contract law. Disponível em: <http://www.ec.europa.eu/consumers. com>. Acesso em 27 mai 2007.

165 Sistema jurídico que tem como base o estudo de casos. O “common law” é adotado

pela Grã Bretanha e por grande parte dos paises de língua inglesa.

justa quando contrária à boa-fé”167. No entanto, ele menciona a grande

resistência dos paises do “common law” em aceitar tal unificação, principalmente em razão das diferenças conceituais existentes sobre a boa- fé, e que serão abaixo referidas.

Carlos Ferreira de Almeida168 igualmente reconhece os esforços no sentido de se unificar o direito contratual europeu. Este doutrinador refere, inclusive, o interesse de alguns em se estabelecer um Código Civil europeu. Entretanto, mostra-se menos confiante com relação a este cenário. Segundo ele, a questão da unificação é eminentemente política e de difícil concretização.

3.3 Dos contratos no Código Civil de 2002

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 61-65)