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Da cláusula geral da boa-fé objetiva

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 80-94)

3 O DIREITO DOS CONTRATOS

3.3 Dos contratos no Código Civil de 2002

3.3.1 Das cláusulas gerais

3.3.1.4 Da cláusula geral da boa-fé objetiva

Além das cláusulas gerais acima mencionadas, o artigo 422 do Código Civil prevê ainda que: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

Esse dispositivo trata, novamente, de uma cláusula geral: a da boa-fé objetiva que, como já foi dito acima, ao nosso ver e ressalvada a existência de posições contrárias, decorre diretamente do princípio da função social do contrato.

Parece-nos que não existem dúvidas com relação ao fato de que referido dispositivo consagra, efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva resulta do “dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura, honestidade, para, como veremos na exposição subseqüente, não frustrar a confiança legítima da outra parte ”220. Ou seja, por meio deste princípio tutela -se a confiança de quem acreditou que a outra parte procederia de acordo com os padrões de conduta comumente aceitos pela sociedade.

Esse dever de confiança ou de cooperação é subdividido pela doutrina. Flavio Tartuce221 cita os deveres de informação, de lealdade, probidade. Carlos Ferreira de Almeida222, ao tratar do direito português, que

assim como o brasileiro consagra o princípio da boa-fé objetiva na teoria contratual, acresce a estes o dever de sigilo e de diligência, salientando não ter esgotado o rol dos deveres anexos à boa-fé.

Ademais, da teoria da boa-fé objetiva também decorre a teoria da quebra da base objetiva do contrato, segundo a qual uma alteração nas condições naturalmente pressupostas pelas partes pode gerar a revisão ou até mesmo a rescisão do contrato firmado.

220 NORONHA, Fernando. O direito... cit., p. 136. 221 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 173.

Para Judith Martins-Costa223 esses deveres acessórios ao contrato

objetivam operacionalizar a solidariedade, fazendo com que o contrato atinja a sua função. Isto é, os deveres anexos à boa-fé encontram como limite referida função social, nas palavras de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber224.

Neste ponto, é importante consignar os ensinamentos de Otavio Luiz Rodrigues Junior225, no sentido de que, apesar deste caráter abrangente e, de forma geral, plurissignificante da boa-fé, ela “não pode se transmudar em remédio genérico, ministrável em toda e qualquer situação ao sabor do mais puro juízo da eqüidade”, sob pena de ter “as suas funções desnaturadas, transformando-na em um fetiche retórico”. Este mesmo alerta é feito por Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber226. Assinalam estes autores que, se

na vigência do Código de Defesa do Consumidor, o conteúdo da boa-fé objetiva era utilizado de forma indiscriminada, como referência ética genérica, sempre com o obje tivo de proteção ao consumidor hipossuficiente, tal uso no Código Civil de 2002, que trata, no mais das vezes, de relações paritárias, traz o risco de absoluta falta de efetividade nas soluções dos conflitos de interesses.

É importante deixar consignado, ainda, que a boa-fé não se confunde com a eqüidade227, consistente na possibilidade de, em situações excepcionais, o juiz decidir o caso concreto com fundamento em juízos particulares seus. A boa-fé é uma regra geral, consagrada pelo sistema. Antonio Lordi fa z igualmente esta distinção228. No “common law” a diferença

223 COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 634.

224 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé objetiva no código de defesa do

consumidor e no código civil (arts 113, 187 e 422). In TEPEDINO, Gustavo (Coord.).

Obrigações - Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,

p. 35.

225 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão... cit., p. 139. 226 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 33.

227 Neste contexto interessante menção deve ser feita ao Código Civil Holandês que,

segundo Antonio Junqueira de Azevedo, optou por se utilizar da expressão “exigências da razão e eqüidade”, como sinônima da boa-fé objetiva.” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências... cit., p. 154.).

entre lei (law) e equidade (equity) é tanta a ponto de existirem (hoje em menor número do que no passado) Tribunais separados para julgamento de questões por eqüidade229.

A boa-fé, ainda conforme ensinamentos de Judith Martins-Costa230 é comumente vista sob três aspectos: a) função interpretativa; b) fontes de deveres jurídicos, e; c) como limite do exercício de direitos subjetivos. Este também é o entendimento de Humberto Theodoro Junior231, para quem o artigo 113 do Código Civil232 teria consagrado a função interpretativa, o artigo 422233 consistiria

em fonte de deveres jurídicos (obrigação acessória de agir segundo os princípios de probidade e boa-fé) e o artigo 187234 caracterizaria a boa-fé como limite

do exercício de direitos subjetivos, ou seja, vedação ao abuso de direito. De qualquer forma, ainda com referência aos aspectos da boa-fé, vale mencionar que Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, embora compartilhem do ensinamento acima235, vão além, afirmando que a boa-fé como fonte de deveres anexos, na sua forma negativa, impede o abuso de direito (de modo que não haveria necessidade de se falar em coibição do abuso de direito como uma característica própria da boa-fé).

Estes dispositivos que denotam a função da boa-fé também se fazem notar na legislação estrangeira.

A título de exemplificação, vale mencionar que o artigo 239236 do Código Civil Português trata da função interpretativa da boa-fé, enquanto os

229 EMMANUEL, Steven L; KOWLES, Steven. Contracts. Nova York: Emmanuel Publishing

Corp, 1993, p. 242.

230 COSTA. Judith Martins. Mercado... cit., p. 634.

231 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato... cit., p.19-20.

232 Os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos do

lugar de sua celebração.

233 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em

sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

234 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes.

235 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 37.

236 Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia

com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.

artigos 227 e 762, sobre os quais trataremos mais adiante, tratam da boa-fé como obrigação acessória de agir, nas fases pré-contratual, contratual e pós contratual237. A vedação do abuso de direito, por sua vez, vem expressa no

artigo 334238, de redação semelhante ao nosso artigo 187. A legislação portuguesa também consagra a boa-fé em outros dispositivos, como o que atribui valor jurídico aos usos (art. 3º, nº1239), ao comportamento na

pendência da condição (arts. 272240 e 275, nº 2) e à admissibilidade da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias (art. 437º, nº1241). Como bem salienta Mario Julio de Almeida Costa242: “a moderna disciplina das obrigações – como aliás , o direito em geral- encontra-se muito imbuída da idéia de boa-fé”.

O Código Civil italiano também possui previsão da boa-fé como fonte de deveres (nas fases pré-contratual, de execução e pós-contratual), conforme artigos 1337243 e 1375244, bem como método de interpretação

237 Neste sentido também são os ensinamentos de Mario Julio de Almeida Costa (COSTA,

Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 267.).

238 É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites

impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

239 1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente

atendíveis quando a lei o determine.

240 Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou

adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.

241 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem

sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

242 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 100.

243 Art. 1337 Trattative e responsabilità precontrattuale (Tratativas e responsabilidade pré-

contratual)

Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo buona fede (1366,1375, 2208). (A parte, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato devem se comportar de açodo com a boa-fé).

244 Art. 1375 Esecuzione di buona fede (Execução segundo a boa-fé)

Il contratto deve essere eseguito secondo buona fede (1337, 1358, 1366, 1460). (O contrato deve seguir o princípio da boa-fé)

(artigo 1.366)245.

A legislação argentina não distoa deste cenário. O artigo 1198246 do Código Civil reconhece a boa-fé como fonte de integração do contrato ao prever que “los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de buena fe y de acuerdo con lo que verosímilmente las partes entendieron o pudieron entender, obrando con cuidado y previsión”.

Todas estas leis tiveram inspiração na doutrina e jurisprudência alemãs, desenvolvidas com fundamento no artigo 242 do Código Civil Alemão, segundo o qual: “O devedor está obrigado a realizar a prestação como exige a boa-fé aliada à atenção dos usos e tráficos”247. Apesar disso, como relata Carlos

Ferreira de Almeida248, a boa-fé pré-contratual somente passou a constar de lei, na Alemanha, em 2001, com a reforma do Código Civil (BGB, § 311, nºs 2 e 3). Também é este o ensinamento de Dário Moura Vicente249.

Note-se, contudo, que a existência de previsão da boa-fé objetiva na legislação não implica, necessariamente, a afirmação de que os paises acima citados adotaram sistemas semelhantes ao brasileiro, com a utilização das cláusulas gerais e aumento dos poderes do juiz para intervir nos contratos.

Comentando a legislação Argentina, Guido I Risso250 afirma, com fundamento no artigo 1137 do Código Civil, estar perante uma realidade fechada, que não torna possível a interação necessária para cumprimento

245 Art. 1366 Interpretazione di buona fede (Interpretação de boa-fé).

Il contratto deve essere interpretato secondo buona fede (1337, 1371, 1375) (O contrato deve ser interpretado de acordo com a boa-fé) (tradução livre).

246 Art.1198. - Os contratos devem ser celebrados, interpretados e executados de boa-fé, de

acordo com a intenção das partes, e com o que elas predeterminaram) - tradução livre.

247 Neste sentido PIZARRO, Thiago Rodrigues. Alteração da base objetiva do negócio

jurídico no código de defesa do consumidor [dissertação]. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica, 2005, p.84. e REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. Disponível em <http://www.miguelreale.com.br>. Acesso em 5 mai 2007.

248 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p.169.

249 VICENTE, Dário Manuel Lentz de Moura. Responsabilidade pré-contratual no código

civil brasileiro de 2002. In II Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos

Judiciários do Conselho da Justiça Federal, nos dias 17 a 25 de novembro de 2003. Disponível em <http://www.cjf.gov. br/revista/numero25/artigo05- artigo da internet>. Acesso em 23 mar 2007.

250 RISSO, Guido I. Economia y derecho acerca de la instrumentalización económica del

da função sócio-econômica do contrato. Este doutrinador segue fazendo uma análise crítica deste sistema e da forma como está estruturado o poder judiciário na Argentina.

Embora reconhecendo a importância do tema, por uma questão de corte metodológico, nos abstemos, neste momento, de tecer considerações detalhadas sobre o sistema adotado por cada país para intervenção do juiz nos contratos. Tratando-se de matéria de alta indagação e complexidade, seria necessária uma análise detalhada da legislação de cada país.

Vale também mencionar que, não obstante a boa-fé tenha aplicação nos países do “common law”, o seu alcance é menor do que aquele defendido nos do “civil law”, o que, em parte, justifica a já mencionada resistência à unificação da Teoria Contratual. De acordo com Steven L. Emmanuel e Steven Knowles251: a lei contratual segue a teoria objetiva dos contratos, ou seja, deve-se considerar o que seria razoável para uma pessoa aceitar em um contrato. Entretanto, Dário Manuel Lentz de Moura Vicente252 assinala que no sistema do “common law” rejeita-se a responsabilidade extracontratual, admitindo-se apenas a imputação de danos causados “in contrahendo” nos termos da responsabilidade extracontratual. Esta diferença é também sentida por Antonio Lordi253.

251 EMMANUEL, Steven L; KOWLES, Steven. Contracts... cit., p. C-1. 252 VICENTE, Dário Manuel Lentz de Moura. Responsabilidade... cit., p. 2.

253 “3. Problema che presenta anche risvolti di carattere pratico essendo stata recepita nel

Regno Unido la dirrettiva CE 93/13 in tema di contratti del consumatore, la qualse espressamente prevede che “a term is unfair if contrary to the requirement of good faith. 4. Tuttavia, a differenza del civilian, l’attenzione della dottrina inglese non si è soffermata tanto sul contenuto del concetto, quanto sulla sua stessa ammissibilità, in um ordinamento in cui il diritto dei contratti è visto como il portato della cd. Adversarial ethic di matrice mercantile che si fonda sul principio che lê parti sono i migliori giudice dei propri interessi e che si oppone ad uma ethic of co-operation di origine continentale e che autorizza interventi corretivi e perequativi del contenudo contrattuale”. (3. O problema que se apresenta, ainda que de resultado prático é a recepção, no Reino Unido, da diretiva CE 93/13 sobre o tema de contrato de consumo, que, quase expressamente prevê que: “uma cláusula é abusiva se contrária à boa fé”. 4. Todavia, diferentemente do civil law, a atenção da doutrina inglesa não se detém, tanto em relação ao conteúdo do conceito, como em relação à sua admissibilidade, em um ordenamento no qual o direito do contrato é visto como um retrato de adversidade ética de matriz mercantil, fundada no princípio de que as partes são os melhores juízes do seu próprio interesse e que se opõem a uma ética de cooperação de origem continental, e autoriza a intervenção corretiva e eqüitativa no conteúdo contratual- tradução livre) (LORDI, Antonio. Relazione...cit.).

Por sua vez, Carlos Ferreira de Almeida254 assinala que: “a

responsabilidade civil pré-contratual começa a vencer a resistência dos sistemas de “common law” (ainda que transfigurada em responsabilidade contratual), e vem logrando referências em textos de vocação transnacional”.

Cabe-nos fazer menção - novamente, sem pretender esgotar o assunto- a alguns institutos que a doutrina255 aponta como corolários à boa-fé objetiva, apesar de não estarem, na maioria dos casos, previstos em lei: a) a “supressio”, consistente da renúncia tácita ao exercício de determinado direito em razão da inércia em exercê-lo, b) tu quoque, consistente na situação instalada por um indivíduo que tenta tirar proveito de determinada situação estabelecida por ter violado uma norma jurídica. A título de exemplo, a doutrina cita um condômino que fere determinada norma do condomínio, e depois exige punição de outro condômino que violou a mesma norma, e; c) a vedação do venire contra factum proprium , consistente do dever de um indivíduo de manter o seu comportamento anterior em atenção ao princípio da lealdade. Esta tese tem sido amplamente aceita pela jurisprudência

254 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 169.

255 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 169-182. Carlos Ferreira de Almeida trata do

instituto do “venire contra actum proprio” ao se referir, no direito português, à responsabilidade civil pré-contratual em razão da violação do princípio da boa-fé objetiva (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p.186.). Thiago Rodrigues Pizarro inclui também a “exceptio doli”, consistente da “possibilidade de impedir o exercício de uma posição jurídica que em tese está de acordo com a norma jurídica, sob a alegação de que o seu autor incorre em dolo e viola a boa-fé”. Reconhece ele, no entanto, que tal doutrina está em decadência, não mais atendendo às necessidades do Direito. Enumera também a impossibilidade de alegação de nulidades formais quando a parte tenha participado do negócio (PIZARRO, Thiago Rodrigues. Alteração... cit., p. 107.).

brasileira256. Flavio Tartuce257 assinala ainda o conceito do “duty to mitigate

the loss”, ou seja, dever do contratante de mitigar a sua perda, como relacionado à boa-fé objetiva.

Observe-se que na classificação anteriormente citada, adotada por Judith Martins-Costa, a “supressio”, a “tuo quoque” e “venire contra actum proprium” poderiam ser colocadas como limites aos direitos subjetivos do indivíduo, enquanto o “duty to mitigare the loss” melhor se enquadraria como um dever anexo.

Não é demais repetir que, antes ainda da edição do Novo Código Civil (e antes mesmo da edição do Código de Defesa do Consumidor que igualmente consagrou esta cláusula geral em seu artigo 51, IV), o dever de boa-fé objetiva já era exigido por parte da doutrina e da jurisprudência.

256 PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO. JUNTADA. LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES.

SIGILO TELEFÔNICO. REGISTRO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. USO AUTORIZADO COMO PROVA. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA JUNTADA DE DOCUMENTO PESSOAL. ATOS POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESES. ROL EXEMPLIFICATIVO. DEFESA DA INTIMIDADE. POSSIBILIDADE. - A juntada de doc umento contendo o registro de ligações telefônicas de uma das partes, autorizada por essa e com a finalidade de fazer prova de fato contrário alegado por essa, não enseja quebra de sigilo telefônico nem violação do direito à privacidade, sendo ato lícito nos termos do art. 72, § 1.°, da Lei n.º 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações).

- Parte que autoriza a juntada, pela parte contrária, de documento contendo informações pessoais suas, não pode depois ingressar com ação pedindo indenização, alegando violação do direito à privacidade pelo fato da juntada do documento. Doutrina dos atos próprios.

- O rol das hipóteses de segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizado o segredo quando houver a necessidade de defesa da intimidade. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 605687/AM, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 02/06/2005). PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". BOA-FE. PREPARO. FERIAS.

1. (...)

2. A mulher que deixa de assinar o contrato de promessa de compra e venda juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo, expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de fornecimento de escritura definitiva. doutrina dos atos próprios. art. 132 do CC.

3. Recurso conhecido e provido.

(STJ, 4ª Turma, Recurso Especial 95539/SP, Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, j. 03/09/1996).

Judith Martins Costa258 e Arnoldo Wald259são expressos neste sentido.

Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber também notaram este fato, embora tenham assinalado que ele era mais comum em contratos nos quais as partes se encontravam em relação de desigualdade260. Flavio Tartuce261, por sua vez, diz que o princípio da boa-fé objetiva foi, pela primeira vez, consagrado pelo Código Comercial de 1850, em seu artigo 131, I262,

revogado pelo Código Civil de 2002, embora não tenha tido aplicação prática.

Otavio Luiz Rodrigues Junior263 faz referência à aplicação do princípio da boa-fé objetiva antes da vigência do Código Civil de 2002 ao tratar das formas de extinção do contrato. Para tanto, ele cita: a) a teoria do adimplemento substancial; que impede a rescisão do contrato pela exceção do contrato não cumprido, quando uma parte substancial da obrigação foi cumprida; b) a violação positiva do contrato, que prevê a possibilidade de rescisão, quando o objeto principal do contrato foi cumprido, mas em desrespeito com deveres anexos.

Estas duas teorias, inegavelmente, consagram o dever de respeito ao princípio da boa-fé objetiva. Aliás, o próprio julgado, proferido em 2001, antes da promulgação do Código Civil, mencionado pelo autor para exemplificar a teoria do adimplemento substancial da obrigação, faz

258 COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 639. 259 WALD, Arnoldo. O novo... cit., p. 48.

260 TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER. A boa-fé... cit., p. 34. 261 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 168.

262 “A inteligência simples e adequada que for mais conforme a boa-fé e ao verdadeiro

espírito e natureza do contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras”.

expressa menção ao princípio264. Neste sentido, é também o posicionamento

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 80-94)