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Considerações finais sobre o sistema de codificação

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 40-43)

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS

2.3 O sistema adotado pelo Novo Código Civil – O sistema móvel e

2.3.1 Considerações finais sobre o sistema de codificação

Vale reiterar que, acertadamente, parece-nos que grande parte da doutrina afirma que a utilização dos conceitos indeterminados87 e das cláusulas gerais confere um maior “poder criativo ao julgador” (novamente ratificamos a existência de divergências com relação a esta denominação). Aliás, deve-se exatamente a este poder a existência de diversas críticas à técnica adotada.

É curioso notar que essa discussão não é nova: tanto assim que ao final do século XIX, após as grandes codificações, quando se atribuía ao Estado o monopólio da criação do Direito e vigorava o dogma da completude, surgiu, em contraposição, a teoria da “Escola Livre do Direito”88,

que defendia uma maior liberdade ao seu aplicador89. Como leciona Francesco Ferrara90, os defensores deste método foram acusados de querer gerar uma situação de anarquia e insegurança jurídicas. Observe-se que essas críticas coincidem com as formuladas por parte da doutrina atual com

87 Como bem assinalado por Celso Antonio Bandeira de Mello, a moderna doutrina alemã

tende a afirmar que os conceitos indeterminados somente teriam esta característica “in abstrato”. Perante o caso concreto, eles seriam sempre facilmente definíveis. Celso Antonio Bandeira de Mello critica esta doutrina, sob o argumento de que nem sempre isto ocorre. Os conceitos indeterminados podem permanecer fluidos perante o caso concreto (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit., p. 22.).

88 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 122.

89 Conforme salienta Francesco Ferrara, ao tratar também do tema da Escola Livre do

Direito, não havia consenso entre os doutrinadores sobre a amplitude da livre criação do direito: se devia ser aplicada apenas em casos de lacuna, como forma de interpretação lógica ou em ambos os casos, dispensando, inclusive, o juiz de motivar suas decisões. Há também os que defendem que se trata apenas de uma nova denominação dada à interpretação lógica do direito, divergências estas que, conforme se demonstrou, também existem atualmente no tocante à aplicação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados, ressalvadas as peculiaridades de cada caso (FERRARA, Francesco.

Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis. Interpretação e aplicação das leis.

ANDRADE, Manuel A Domingues (Trad.). Coimbra: Armênio Amado, 1987, p. 166- 169.).

90 FERRARA, Francesco. Ensaio... cit., p. 167-174. O próprio Francesco Ferrara assume

posição bastante conservadora e contrária a esta Escola ao afirmar que: “o juiz pode aplicar princípios da lei a casos novos, dar a princípios da lei um sentido novo, desde que não vá ao encontro de novas normas. (...) Os dois poderes são divididos e assim devem estar. Decerto, o juiz nem sempre pode dar satisfação às necessidades práticas, limitando-se a aplicar a lei; alguma vez se encontrará em momentos trágicos de se sentenciar em oposição ao seu sentimento pessoal de justiça e equidade, e de aplicar leis más (p. 173-174).

relação às cláusulas gerais e conceitos indeterminados: o aumento da discricionariedade judicial pode acarretar em um poder excessivo do juiz e comprometer a segurança jurídica. Posteriormente, no início do século XX, Carlos Maximiliano igualmente tratou do assunto91.

Posição curiosa é a adotada por Antonio Junqueira de Azevedo92 que critica a estrutura do Código Civil de 2002, não porque este supostamente conferisse maiores poderes ao magistrado, mas sim porque ele teria surgido já defasado. Segundo este doutrinador, o Código Civil de 2002 foi elaborado sob o paradigma de que o juiz deveria ter um maior poder criador (em contraposição à escola da exegese anteriormente citada). Entretanto, segundo ele, o paradigma que vigora atualmente não é o de conferir maiores poderes ao magistrado, mas sim o de retirar do Judiciário algumas questões, com recursos à arbitragem e aos órgãos de classe específicos (como por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários, a OAB, o Conselho Regional de Medicina). Ademais, o doutrinador também salienta que de nada valem as cláusulas gerais sem que se dêem diretrizes para a sua aplicação, sob pena de as cláusulas se transformarem em um jogo retórico. Segundo ele, o Código Civil de 2002 não estabeleceu estas diretrizes.

Entendemos que o Código Civil trouxe uma série de inovações ao direito civil. Os benefícios trazidos pela utilização das cláusulas gerais e já

91 Já no início do século XX, Carlos Maximiliano escreveu: “Quanto melhor souber a

jurisprudência adaptar o Direito vigente às circunstâncias mutáveis da vida, tanto menos necessário se tornará por em movimento a máquina de legislar. Até mesmo a máquina defeituosa pode atingir os seus fins, desde que seja inteligentemente aplicada.

(...)

Com prescrever ao juiz, ora implícita, ora explicitamente (CC, antiga introdução, arts. 5º e 7º, hoje 3º e 4º) que em determinados casos recorra à equidade, ou aos princípios gerais do direito, de certo modo o elevam às funções de legislador. O mal possível, daí resultante, seria menor do que o anterior, causado pela antiga prática de sobrestar no julgamento do feito e esperar, em França - pelo refere às câmaras, no Brasil- pela intervenção autêntica...

Antes o arbítrio regulado, circunspecto e tímido, de magistrados, sujeito à revisão por um tribunal superior, do que o apelo a um tribunal independente, político e mais ou menos apaixonado (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16,ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 61).

92 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do

projeto de código civil (atualmente código aprovado) na questão da boa-fé objetiva nos contratos (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado

com remissões ao novo código civil (Lei 10.406 de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva,

mencionados93 são maiores do que os prejuízos que podem ser causados

pela utilização de tal método (desde que a magistratura, em especial e toda a comunidade jurídica, de forma geral, estejam bem preparadas). Aliás, como bem ressaltou Jorge Tosta94, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, tido como um sistema fechado, a criatividade do juiz não pode ser impedida, mesmo que contra legem. Tanto é assim, que a jurisprudência passou a reconhecer o direito de a companheira perceber alimentos e receber a meação dos bens, por exemplo. Muito melhor, portanto, a situação atual, na qual o poder criativo é claramente conferido ao magistrado, de modo a viabilizar a adaptação da legislação ao progresso social. Este posicionamento foi também adotado por Cláudio Luiz Bueno de Godoy95, para quem:

“a segurança jurídica não está, exclusiva ou

essencialmente na lei, na descrição de critérios normativos, porque sempre passíveis de interpretações diversas. (...) A segurança, nesses casos, o que garante é a necessidade de fundamentação das decisões do juiz e a possibilidade de sua revisão”.

Por outro lado, se a tendência atual é a da “fuga” do Judiciário, por meio de recursos a órgãos de “justiça privada” devidamente regulamentados, isto não impede que o Judiciário esteja aparelhado para julgar os casos que lhe forem submetidos. A presença das cláusulas gerais, princípios do direito e conceitos indeterminados não faz com que os cidadãos, querendo, não possam recorrer às câmaras arbitrais ou aos demais órgãos que, em cada caso específico, se utilizam do poder de

93 A edição do Novo Código Civil consistiu exatamente em uma resposta a parte da

doutrina que criticava o sistema fechado do Código Civil de 1916: Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr: “Um direito positivado, como é o atual, tende a estreitar, em nome

do valor e da certeza e do predomínio da lei como fonte básica, o campo de atuação do intérprete, dando-lhe poucas condições para recorrer com eficiência a fatores extrapositivos, como os ideais de justiça, o sentimento eqüitativo, os princípios do Direito Natural” (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência... cit., p. 84.).

94 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 18.

95 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função social do contrato de acordo com o novo

decisão. Ademais disso, novamente reportando-nos aos ensinamentos de Cláudio Luiz Bueno de Godoy96, em casos que envolvem partes em condições extremamente desiguais (como as relações de consumo e trabalhistas), as formas de mediação e arbitragem nem sempre alcançam a justa composição, havendo imperiosa necessidade de atuação judicial.

Por fim, com relação às diretrizes, deve-se salientar que o Código Civil, de fato, prevê diretrizes para interpretação das cláusulas gerais nele previstas. Tanto assim que, por exemplo, nos termos do artigo 413, o juiz pode reduzir eqüitativamente determinada penalidade, entendendo-a excessiva. A questão que se impõe e que Antonio Junqueira de Azevedo deixa sem resposta é: esses paradigmas serviriam para limitar a função dos juizes? Eles somente poderiam agir nos casos expressamente previstos em lei? Este é um dos pontos a ser debatido a seguir.

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 40-43)