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Breves considerações sobre o direito intertemporal A aplicação

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 109-113)

3 O DIREITO DOS CONTRATOS

3.5 Breves considerações sobre o direito intertemporal A aplicação

Temos insistido desde o início do trabalho, no sentido de que o Código Civil de 2002 consagrou um novo direito contratual. E, neste ponto, é de se perguntar: mas o que ocorrerá com os contratos firmados antes da entrada em vigor deste Código?

Com relação aos contratos já firmados e concluídos, a questão é de fácil resposta: não sofrerão qualquer influência.

Entretanto, o problema está nos contratos de trato sucessivo.

Sobre a vigência dos contratos de consumo firmados antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, Claudia Lima Marques307 apontou este como um dos temas mais polêmicos e interessantes do direito do consumidor.

Os contratos sob a égide do Código Civil constituem questão igualmente complexa, embora o artigo 2.035 do Código Civil tenha nos ajudado a solucioná-la, conforme se demonstrará a seguir. Dada à estreita correlação deste tema com o presente trabalho, não poderíamos ignorá-lo.

Assim, neste capítulo, pretendemos tecer algumas considerações sobre as linhas que vêm sendo seguidas pela doutrina e pela jurisprudência sem contudo, esgotar a questão.

Para tanto, novamente nos reportaremos às teorias construídas quando da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a fim de verificar a sua aplicação ao Código Civil.

Segundo Claudia Lima Marques308 existem algumas teorias que justificam ou não a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a contratos anteriores à sua vigência.

Em sentido contrário à sua aplicação, costuma-se suscitar o princípio da segurança jurídica, fundado na proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

Vale dizer, contudo, que para que um direito possa ser qualificado como adquirido, este deve estar em conformidade com a lei e com o ordenamento. Um direito obtido de forma abusiva não se enquadra nesta situação. O princípio da boa-fé objetiva já vigorava no ordenamento jurídico anteriormente à entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (e, por óbvio, do Código Civil de 2002). Portanto, com o objetivo de sustentar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a estes contratos é possível afirmar que um ato que viole o princípio da boa-fé objetiva não pode ser entendido como direito adquirido, não sendo passível de proteção. Trata-se de uma teoria inovadora e contraditória, principalmente por referir-se a conflitos entre princípios constitucionais. Além do que, como também assegura Cláudia Lima Marques309, a principal oposição à aplicação das

normas do diploma consumerista às relações já em curso não dizem respeito ao direito adquirido, mas sim ao ato jurídico perfeito.

O ato jurídico perfeito, com base na definição trazida pelo artigo 6º, § 2º, da Lei de Introdução do Código Civil, é aquele que já se consumou. Mas o que se deve entender por ato já consumado? A jurisprudência310 tem

considerado que o ato se consuma no momento da sua assinatura, dando

308 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 559-584. 309 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 567.

310 Novamente nos reportando aos ensinamentos de Claudia Lima Marques, a autora cita

como “leading case” o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Adin 493-0, na qual foi relator o Ministro Moreira Alves) (MARQUES, Claudia Lima.

assim, uma visão restritiva ao ato jurídico. Este também é o entendimento de Maria Helena Diniz311.

Entretanto, esta teoria pode, por ve zes, violar outro direito constitucionalmente garantido, que é o da proteção ao consumidor. Este ponto deve ser considerado, de modo a se aceitar a análise de cláusulas contratuais que violem os direitos do consumidor ainda que estabelecidas anteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor. Jorge Alberto Quadros de Carvalho312, ao tratar da validade de contratos de trato

sucessivo firmados anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, defende a possibilidade de aplicação de tal ordenamento.

Para ele, o princípio da segurança jurídica não pode ser utilizado sem levar em conta a ética, a moral e os princípios existentes no ordenamento jurídico.

Por fim, deve -se também citar a teoria da aplicação imediata das normas de ordem pública que viria ao encontro da nova visão social do direito, viabilizando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.

Após comentar exaustivamente estas teorias, Claudia Lima Marques313 conclui que a jurisprudência314 optou por uma posição

intermediária, ora aceitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em razão do seu caráter de norma de ordem pública, ora defendendo que os seus princípios já vigiam no ordenamento anteriormente a promulgação do CDC, de modo que devem ser aplicados (conforme já se demonstrou no item 3.3.1.4, quando tratamos da boa-fé objetiva).

Afirma também que a teoria da prevalência da ordem pública e do princípio constitucional de garantia ao consumidor é que devem ter aplicação.

311 DINIZ, Maria Helena. Comentários... cit., p.180.

312 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas... cit., p. 112. 313 MARQUES, Claudia Lima. Contratos... cit., p. 583-584.

314 Embora se perceba uma tendência à restrição da aplicação, conforme súmula 285 do

Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual: “nos contratos bancários posteriores ao código de defesa do consumidor incide a multa muratória nele prevista”. (grifamos)

Todas estas questões podem, sem sombra de dúvidas, ser novamente suscitadas em relação ao Código Civil. Assim como a Constituição Federal garante o direito de proteção ao consumidor, também garante o direito à solidariedade nas relações e a função social da propriedade (da qual a função social do contrato é tida como corolário).

Entretanto, quanto ao Código Civil, ao que tudo indica, a solução será mais fácil (apesar, é claro, de que nem sempre será pacífica). Isto porque o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil é expresso ao afirmar que não prevalecerão as convenções que contrariarem a função social do contrato e da propriedade. Este dispositivo fez com que Maria Helena Diniz315, que, conforme mencionado anteriormente, com relação a este tema, costuma adotar uma posição mais conservadora, após uma longa consideração sobre o princípio da segurança jurídica e impossibilidade de irretroatividade de lei – ainda nos contratos de trato sucessivo, concluísse: “Se assim é, incabível seria a existência de direito adquirido ou ato jurídico perfeito contra norma de ordem pública, aplicável retroativamente a atos anteriores a ela”. Também este é o entendimento de Flavio Tartuce316.

Ainda é cedo para definir qual posição que a jurisprudência adotará com relação ao tema. Parece-nos, no entanto, que caminha para a melhor solução- a sobrevalência das normas de ordem pública é a melhor solução317.

315 DINIZ, Maria Helena. Comentários... cit., p. 184. 316 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 3105-310.

317 RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPUGNAÇÃO

EXCLUSIVAMENTE AOS DISPOSITIVOS DE DIREITO MATERIAL. POSSIBILIDADE. FRACIONAMENTO DE HIPOTECA. ART. 1488 DO CC/02. APLICABILIDADE AOS CONTRATOS EM CURSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2035 DO CC/02. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS.

- (...) O art. 1488 do CC/02, que regula a possibilidade de fracionamento de hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2035 do CC/02.

- (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

3.6 Dos contratos de consumo antes e após a promulgação do Código

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 109-113)