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Os artigos 478, 479 e 317 do Código Civil – As teorias da

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 98-107)

3 O DIREITO DOS CONTRATOS

3.4 Artigos do Código Civil que tratam especificamente da

3.4.1 Algumas contradições existentes no Novo Código Civil e as

3.4.1.1 Os artigos 478, 479 e 317 do Código Civil – As teorias da

no Código de Defesa do Consumidor

Os artigos 478 e 479 do Código Civil prevêem que:

Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Art. 479. “A resolução poderá ser evitada, oferecendo- se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

Este dispositivo é objeto de várias críticas.

Em primeiro lugar, o referido artigo relaciona a onerosidade excessiva à extrema vantagem para a outra parte. Entretanto, uma parte da doutrina285, com razão, tem adotado a teoria da onerosidade excessiva com base na paridade inicial do contrato, independentemente da vantagem (excessiva ou não) para outra parte. É perfeitamente possível que em razão de acontecimentos supervenientes, determinada prestação torne-se excessivamente onerosa para uma das partes, sem que isso implique em

285 Ruy Rosado de Aguiar Junior (AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Projeto... cit., p. 28),

salientou que: “O artigo 478 do Código civil afastou-se da teoria da alteração da base

objetiva do negócio, que melhor satisfaz a exigência da justiça contratual, pois permite a intervenção judicial ainda quando inexistente a imprevisibilidade e a vantagem excessiva para o credor e está fundada no exame das condições concretas do negócio jurídico, o que exclui o perigo de um julgamento fundado apenas em considerações de ordem subjetiva”. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery defendem que

haverá quebra da base objetiva do negócio quando houver onerosidade excessiva, que nada tem a ver com teoria da imprevisão. Havendo quebra da base objetiva do contrato, o juiz poderá revê-lo (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., p. 340.). Regina Vera Villas Boas Fessel também destaca o fato de o legislador ter previsto “o requisito da vantagem excessiva, ocasionando modificação da teoria, diminuindo seu campo de incidência, posto que pode haver onerosidade para uma das partes, sem, contudo, haver vantagem excessiva para a outra” (FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos históricos relevantes à compreensão da vocação do instituto da

responsabilidade civil [Tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

2002, p. 141.). De acordo com Ilton Carmona de Souza: “A inteligência do art. 2035 amplia o poder do juiz nas relações contratuais, permitindo-lhe alterar o contrato além da teoria da imprevisão” (SOUZA, Ilton Carmona. O pedido genérico na ação de revisão contratual. In MAZZEI, Rodrigo (Coord). Questões processuais no novo código civil. Vitória: Instituto Capixaba de Ensinos, 2006... cit., p. 301.).

vantagem demasiada para a outra. E, neste caso, ocorrerá um rompimento na base objetiva do contrato, justificador da rescisão.

Em segundo lugar, afastando-se da teoria da base objetiva do contrato e da justiça contratual, este dispositivo exige a ocorrência de acontecimentos imprevisíveis, posição também criticada pelos mesmos doutrinadores acima citados. Nas palavras de Regina Vera Villas Boas286:

“devem (os aplicadores do direito) utilizar-se da proclamada onerosidade superveniente à formação do contrato, podendo, todavia, deixar de lado os pressupostos de extraordinariedade ou imprevisibilidade do fato para não afrontarem os princípios da Justiça, na solução do caso concreto”.

Por último, ele dá preferência à rescisão contratual, quando, na realidade, principalmente em razão do princípio da função social do contrato287, a manutenção do mesmo deveria ser privilegiada, conforme foi concluído no Encontro de Direito Civil (STJ 22):

“A função social do contrato, prevista no art. 421 do

Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas justas e úteis” e vem sendo defendido, com

acerto, pela doutrina288.

Estas críticas fizeram com que o Deputado Ricardo Fuiza apresentasse o Projeto de Lei 6.960 de 2002, que altera os artigos 472, 473,

286 FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos... cit., p. 140.

287 No tocante à relação entre a função social do contrato e o princípio da sua conservação

que será a seguir tratado, convém assinalar a lição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy no sentido de que a regra interpretativa da conservação não teve origem na sua função social, mas deve ser recompreendido à luz da função social: entre duas interpretações que mantenham os efeitos do contrato, deve-se dar prevalência à que mais se adeqüe à sua função social (GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 172.).

288 FESSEL, Regina Vera Villas Bôas. Marcos... cit., p. 140, Cláudio Luiz Bueno de Godoy

salienta que embora o Código Civil não tenha feito expressa menção à conservação dos contratos, tal qual ocorreu no Código Civil italiano (Art. 1367- a seguir transcrito), o mesmo tem sido tomado como princípio. Também cita como exemplos de positivação deste princípio os artigos 144 e 157, § 2º do Código Civil, que tratam respectivamente da manutenção do negócio feito com erro ou com lesão de uma das partes (GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função... cit., p. 170-171.). (artigo 1.367 do Código Civil italiano: Conservazione del contratto: Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono interpretarsi nel senso in cui possono avere qualche effetto, anziché in quello secondo cui non ne avrebbero alcuno (1424). – Artigo 1367- Conservação do contrato – Na dúvida, o contrato ou a sua cláusula devem ser interpretados de forma a produzir efeitos, ao invés de não ter efeito algum (tradução livre).

474, 474, 478, 479 e 480 do Código Civil289. Referido projeto, entretanto,

como já mencionado, foi arquivado em 31 de janeiro de 2007.

Observe-se que o artigo 317 do próprio Código Civil também trata da teoria da imprevisão. Entretanto, este artigo, embora tenha tido uma redação mais coerente ao prestigiar a manutenção do contrato, igualmente se afastou do princípio da boa-fé objetiva ao exigir a existência de motivos imprevisíveis. Segundo a redação legal:

“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

O Enunciado 17 aprovado pela I Jornada de Direito Civil do Conselho Superior da Justiça Federal teve por objetivo tentar relativizar o disposto no artigo 317 do Código Civil. De acordo com referido Enunciado:

“A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis”,

constante do artigo 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis”.

289 Se aprovados, referidos dispositivos passariam a vigorar com a seguinte redação: “Art.

472. Nos contratos de execução sucessiva ou diferida, tornando-se desproporcionais ou excessivamente onerosas suas prestações em decorrência de acontecimento extraordinário e estranho aos contratantes à época da celebração contratual, pode a parte prejudicada demandar a revisão contratual, desde que a desproporção ou a onerosidade exceda os riscos normais do contrato. § 1º. Nada impede que a parte deduza, em juízo, pedidos cumulados, na forma alternativa, possibilitando, assim, o exame judicial do que venha a ser mais justo para o caso concreto; § 2º - Não pode requerer a revisão do contrato quem se encontrar em mora no momento da alteração das circunstâncias; § 3º - Os efeitos da revisão contratual não se estendem às prestações satisfeitas, mas somente às ainda devidas, resguardados os direitos adquiridos por terceiros”. (NR)

“Art. 473. Nos contratos com obrigações unilaterais aplica-se o disposto no artigo anterior, no que for pertinente, cabendo à parte obrigada pedido de revisão contratual para redução das prestações ou alteração do modo de executá-las, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. (NR)

“Art. 474. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as prestações do contrato”. (NR)

“Art. 475. Requerida a revisão do contrato, a outra parte pode opor-se ao pedido, pleiteando a sua resolução em face de graves prejuízos que lhe possa acarretar a modificação das prestações contratuais.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação”. (NR)

Embora, ao nosso ver, a melhor posição seja a de excluir a exigência de acontecimentos imprevisíveis, não adotada pelo enunciado, tal enunciado ao menos relativiza o teor do dispositivo.

Posição interessante é a de Flavio Tartuce290, para quem o artigo 317 do Código Civil – e somente este- trataria da teoria da imprevisão para revisão do contrato, teoria esta que teria pressupostos distintos da teoria da imprevisão para rescisão do contrato.

Segundo o doutrinador, para a revisão não há como se exigir a ocorrência de fatos imprevisíveis, de modo que com relação a este ponto o artigo 317 deveria ter sua redação alterada, sob pena de violação ao princípio da função social do contrato. Sustenta ainda o estudioso que este entendimento teria respaldo no disposto no artigo 480291 do Código Civil.

Entretanto, em caso de resolução do negócio, nos termos do artigo 478 do Código Civil, a demonstração das causas imprevisíveis seria necessária.

Parece-nos, entretanto, que não existem razões para se distinguir a aplicação da teoria da onerosidade excessiva (e não da imprevisão na medida em que temos defendido não haver necessidade de demonstração de fatos imprevisíveis) para casos de revisão e resolução do contrato. Além disso, mais do que fundamentar a dispensa a fatos imprevisíveis no artigo 480 (que se aplica apenas a contratos nos quais as obrigações devem ser cumpridas apenas por uma das partes), seria melhor fundamentá -la nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

290 TARTUCE, Flavio, A função... cit., p. 255-268.

291 Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela

pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Os Códigos Civis italiano e argentino que também consagram o princípio da boa-fé objetiva trazem disposição no mesmo sentido da legislação brasileira292. Com relação a este ponto, todavia, a legislação

lusitana foi mais bem sucedida. De acordo com o artigo 437 nº 1 do Código Civil Português:

“Se as circunstâncias em que as partes fundaram a

decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do negócio”.

292 Italiano: Art. 1467 Contratto con prestazioni corrispettive.

Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall'art. 1458 (att. 168). La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell'alea normale del contratto.

La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modificare equamente le condizioni del contratto (962, 1623, 1664, 1923). (Contrato de prestação recíproca. Nos contratos de execução continuada ou periódica de execução diferida, se a obrigação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa em razão de acontecimento extraordinário ou imprevisível, a parte que deve tal prestação pode pretender a resolução do contrato, conforme artigo 1.458. A resolução não pode ser pedida se a onerosidade excessiva decorrer da álea normal do contrato. A parte contra quem for demandada a resolução pode evitá-la, oferecendo-se a modificar eqüitativamente o contrato- tradução live). Argentino: Art.1198.- Los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de buena fe y de acuerdo con lo que verosímilmente las partes entendieron o pudieron entender, obrando con cuidado y previsión.

En los contratos bilaterales conmutativos y en los unilaterales onerosos y conmutativos de ejecución diferida o continuada, si la prestación a cargo de una de las partes se tornara excesivamente onerosa, por acontecimientos extraordinarios e imprevisibles, la parte perjudicada podrá demandar la resolución del contrato. El mismo principio se aplicará a los contratos aleatorios cuando la excesiva onerosidade se produzca por causas extrañas al riesgo propio del contrato. (Os contratos devem ser celebrados, interpretados e executados de boa-fé e de acordo com a intenção das partes. Nos contratos bilaterais comutativos e nos unilaterais de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, por acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, a parte prejudicada poderá demandar a resolução do contrato. O mesmo princípio se aplicará aos contratos aleatórios quando a excessiva onerosidade decorrer de causas estranhas ao próprio risco do contrato” (tradução livre).

Ao comentar referido dispositivo Mário Julio de Almeida Costa293

ensina que são requisitos para a revisão do contrato por causas supervenientes, no direito português: a) que a alteração se refira às circunstâncias em que se basearam a vontade de contratar. Este requisito, em nosso entender, também se faz presente no direito pátrio, sob pena de violação à própria boa-fé objetiva, b) que haja uma alteração anormal: neste ponto, o doutrinador afirma expressamente que a alteração anormal não se confunde com a imprevisível. Uma alteração previsível pode ser considerada anormal (como por exemplo a “compra” de uma janela para assistir a um desfile e a desistência em razão do posterior cancelamento do desfile). Embora fosse melhor que o dispositivo não trouxesse este requisito - que pode ser objeto de dúvidas, até mesmo em razão do conteúdo indeterminado do vocábulo “anormal” - em uma interpretação sistemática parece-nos que ele não contraria o ordenamento. É que seria possível sustentar que em sendo uma alteração normal ela estaria incluída no risco do negócio, não podendo gerar a sua revisão sob pena de violação, novamente, à boa-fé objetiva, c) que a alteração envolva a lesão de uma das partes. Novamente o legislador português agiu melhor do que o legislador pátrio, ao não exigir a vantagem econômica da parte contrária, d) que afete gravemente o princípio da boa-fé. Parece-nos que sempre que houver uma alteração da base objetiva do negócio – que é a situação prevista pelo dispositivo- a boa-fé será afetada, e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, o que, conforme já afirmado e reconhecido também por Mário Julio de Almeida Costa294 decorre do próprio princípio da boa-fé, e por fim, f) a inexistência de mora do lesado. Carlos Ferreira de Almeida295 igualmente afirma que este dispositivo confirma a

adoção do princípio da boa-fé objetiva pelo Código Civil Português.

Retomando a análise dos dispositivos existentes no Código Civil brasileiro, além das críticas acima indicadas, parece-nos que o artigo 479

293 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 300. 294 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito... cit., p. 307. 295 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I... cit., p. 176.

também deve ser objeto de estudo. Isto porque da forma como foi redigido, este dispositivo dá efetivamente a impressão de que o contrato somente poderá ser modificado se ambas as partes concordarem com as alterações a serem efetuadas. Claudia Lima Marques296 prevê este ponto como sendo uma diferença entre o sistema escolhido pelo Código Civil e o adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, no qual, afirma, o juiz poderia sempre agir para revisar o contrato. Por tudo o que já se discutiu aqui, esta não nos parece a interpretação mais correta, principalmente em face do princípio da manutenção do contrato.

Entendemos que tanto na legislação consumerista como no Código Civil, o juiz pode agir para integrar o contrato, proferindo sentença determinativa. Este também é o entendimento de Cássio M.C. Penteado Jr.297, que acompanha as já citadas lições de Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery e Ruy Rosado de Aguiar.

Vale repetir que tal conclusão é fundada nos ensinamentos de Bobbio, para quem, em caso de conflitos, deve ser mantida apenas uma das normas conflituosas. Entendemos que em razão do caráter amplo das cláusulas gerais e da principiologia adotada pelo Código Civil de 2002 e já acima debatida, o melhor seria adotar a prevalência das cláusulas gerais da função social do contrato e da boa-fé objetiva e relativizar a aplicação dos referidos artigos 478, 479 e 317 do Código Civil.

296 MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio à obra Cristiano Heineck Schmitt. Cláusulas

abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 18.

297 PENTEADO JUNIOR, Cássio M. C. O relativismo da autonomia da vontade e a

Conseqüentemente, e na esteira do que já ocorre no Código de Defesa do Consumidor298, não haveria motivo, apesar de expressa disposição legal, para se exigir na aplicação da teoria da imprevisão prevista pelo Código Civil, a demonstração da vantagem excessiva para a outra parte

298 No sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não exigir a imprevisão, extrema

vantagem ou irresistibilidade (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa

do consumidor - O novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002, p. 215). Em outra obra, Claudia Lima Marques também defende que, de acordo com o Código Civil, em caso de onerosidade excessiva a rescisão deve prevalecer à revisão, que somente poderia ocorrer se oferecida pela outra parte, não podendo ser feita pelo juiz (MARQUES, Cláudia Lima. Prefácio... cit., p. 18). Judith Martins Costa embora em um primeiro momento dê a impressão de ser contrária a esta tese, posteriormente, a confirma: “O que se tutela é o risco extraordinário, a álea que excede o marco normal, típico do contrato, isto é aquela que supõe o “sacrifício econômico do devedor de modo desproporcionado em relação à correspondente vantagem do credor. (...) Observe-se, contudo, que a norma não exige que a desproporção tenha por causa acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, razão pela qual, apesar da referência, na lei, à excessiva onerosidade, mais proximamente se trata da adoção da base objetiva do negócio”. (COSTA, Judith Martins. Mercado... cit., p. 649). A jurisprudência também tem se posicionado neste sentido: Processual Civil e Civil. Revisão de contrato de arrendamento mercantil ("leasing"). Recurso Especial. Nulidade de cláusula por ofensa ao direito de informação do consumidor. Fundamento inatacado.

Indexação em moeda estrangeira (dólar). Crise cambial de janeiro de 1999 - Plano real. Aplicabilidade do art. 6º, inciso V, do CDC.

Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior. Recurso Especial. Reexame de provas. Interpretação de cláusula contratual. (...)

- O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.

- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.

- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial pela prestação do consumidor indexada em dólar americano.

- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (arts. 6°, III, 31, 51, XV, 52, 54, § 3º, do CDC).

- Incumbe à arrendadora desincumbir-se do ônus da prova de captação específica de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela sob pena de violar o art. 6° da Lei n. 8.880/94.

- Simples interpretação de cláusula contratual e reexame de prova não ensejam Recurso Especial. (STJ, 3ª Turma, AgReg. no Recurso Especial 374351/RS, Rel. Min. Nanacy Andrighi, j. 30/04/2002).

e nem mesmo de acontecimentos extraordinários. Ademais, a manutenção do contrato em razão da sua função social, sempre teria prioridade à sua rescisão299.

No entanto, este entendimento tem enfrentado diversas críticas, sendo que a maior parte da doutrina tem-se afastado dos referidos princípios (ignorando até mesmo as contradições expostas), preferindo dar aplicação aos artigos 478, 479 e 317 do Código Civil, distanciando assim as teorias previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Claudia Lima Marques300 e Arruda Alvim301, nem mesmo mencionam

No documento A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS (páginas 98-107)