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A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS

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Academic year: 2018

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CARLA TURCZYN BERLAND

A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS

Mestrado em Direito

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A INTERVENÇÃO DO JUIZ NOS CONTRATOS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação da Profª. Drª. Patricia Miranda Pizzol.

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Banca Examinadora

______________________________________________

______________________________________________

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Sidnei e Clarice, e ao meu marido Fabio, pelo

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho não teria se concretizado se não fosse pela

colaboração de vários amigos e professores. Para não cometer injustiças,

agradeço, de forma geral e do fundo do meu coração, a todos aqueles que

colaboraram direta ou indiretamente para a produção deste trabalho.

Dedico um especial agradecimento à minha orientadora, Dra. Patrícia

Miranda Pizzol, por todo o conhecimento passado, seja durante as aulas de

processo civil na graduação, seja pelas oportunidades que me foram

conferidas como sua assistente do próprio curso de processo civil, e pelas

produtivas aulas tidas durante o mestrado.

Agradeço também às Professoras Dra. Rosa Maria de Andrade Nery

e Dra. Regina Vera Villas Boas Fessel, responsáveis por despertar o meu

interesse pelo tema objeto do presente estudo.

Mais um agradecimento à Professora Suzana Maria Pimenta Catta

Preta Federighi, que me aceitou como ouvinte em suas aulas de “práticas

(6)

Ao meu pai e eterno professor, um exemplo de advogado e jurista,

que sempre acreditou e me incentivou a seguir a carreira jurídica e à minha

mãe, que me ensinou acreditar, buscar e conquistar os meus objetivos, os

meus mais sinceros agradecimentos.

Um agradecimento especial ao meu marido Fabio, pelo incentivo nos

momentos de “crise”, pelo incentivo nos momentos de “euforia”, por estar

sempre presente, se dispondo, inclusive, a discutir comigo “teorias jurídicas”.

Sem o seu apoio, o presente trabalho não seria possível.

Aos meus sogros, Bela e Abram, que também me incentivaram e me

propiciaram o mais perfeito ambiente para que eu pudesse estudar e redigir

(7)

SUMÁRIO

Resumo Abstract

1 INTRODUÇÃO...011

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DOS SISTEMAS DE CODIFICAÇÃO – SISTEMAS ABERTOS, FECHADOS, MÓVEIS E IMÓVEIS ...014

2.1 O conceito de sistema ...014

2.2 O desenvolvimento dos sistemas jurídicos e a sua classificação....017

2.3 O sistema adotado pelo Novo Código Civil – O sistema móvel e a adoção das Cláusulas Gerais, dos Conceitos Indeterminados e dos Princípios Gerais do Direito ...020

2.3.1 Considerações finais sobre o sistema de codificação adotado pelo Novo Código Civil...040

2.4 Algumas considerações sobre o Direito Alternativo ...043

3 O DIREITO DOS CONTRATOS ...047

3.1 Da teoria contratual clássica ou liberal ...049

3.2 Da teoria contratual moderna ou social...061

3.3 Dos contratos no Código Civil de 2002 ...065

3.3.1 Das cláusulas gerais...065

3.3.1.1 Da cláusula geral da autonomia privada ...066

3.3.1.2 Da cláusula geral do respeito à ordem pública ...068

3.3.1.3 Da cláusula geral da função social do contrato ...070

3.3.1.4 Da cláusula geral da boa-fé objetiva ...080

3.4 Artigos do Código Civil que tratam especificamente da intervenção do judiciário nos contratos ...094

3.4.1 Algumas contradições existentes no Novo Código Civil e as formas de solução das questões delas decorrentes ...097

(8)

3.4.1.2 A anulação do negócio jurídico por lesão ...107

3.5 Breves considerações sobre o direito intertemporal. A aplicação do Código Civil aos contratos firmados anteriormente a 2003 ...109

3.6 Dos contratos de consumo antes e após a promulgação do Código Civil de 2002...113

3.7 Considerações sobre a intervenção “ex officio” ...115

3.7.1 Das matérias de ordem pública no Código de Defesa do Consumidor ...123

4 DA INTERVENÇÃO DO JUIZ (COMO REPRESENTANTE DO ESTADO) NOS CONTRATOS – CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PROCESSUAL ...126

4.1 A classificação das ações...126

4.1.1 As sentenças proferidas em ação de conhecimento ...128

4.1.1.1 As sentenças determinativas ...135

4.2 Instrumentos processuais que permitem a intervenção do juiz...140

4.2.1 Ações de revisão de cláusula contratual...143

4.2.2 Ações relativas às cláusulas abusivas ...148

4.2.2.1 Da possibilidade da revisão das cláusulas abusivas ...152

4.2.2.2 O reconhecimento da nulidade da cláusula contratual, a ação declaratória incidental e a coisa julgada...160

4.2.2.2.1 Questão argüida por meio de ação declaratória incidental...161

4.2.2.2.2 Questão reconhecida, no dispositivo, de ofício pelo juiz...162

4.2.2.2.3 Questão alegada na inicial como causa de pedir ou em contestação e decidida como fundamento da decisão ou questão não alegada e não decidida...163

4.2.3 Das ações coletivas ...169

4.2.3.1 Do microssistema das ações coletivas ...169

4.2.3.2 Do objeto das ações coletivas ...170

4.2.3.3 Das ações coletivas para revisão de cláusulas contratuais...175

4.2.3.4 Da legitimação ativa nas ações coletivas...178

4.2.3.5 Da coisa julgada nas ações coletivas ...184

4.2.3.6 Algumas considerações sobre o compromisso de ajustamento de conduta e o inquérito civil...188

5 CONCLUSÃO ...192

(9)

RESUMO

A teoria contratual passou, nos últimos anos, por uma profunda transformação, motivada, principalmente, pela migração do pensamento liberal, predominante quando da edição do Código Civil de 1916, para o pensamento social.

Esta evolução, que já se fazia sentir na Constituição Federal e em alguns ordenamentos, como o Código de Defesa do Consumidor, adquiriu um enfoque especial com a edição do Código Civil de 2002.

Além de consagrar, de forma definitiva, a teoria contratual moderna ou social, o Código Civil de 2002, utilizando-se de métodos como as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados, conferiu um maior poder ao magistrado para, inclusive, intervir nos contratos.

Por meio do presente trabalho, objetivamos estudar os atuais contornos da teoria contratual moderna, tal como foi consagrada pelo Código Civil de 2002, com a previsão expressa das cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como analisar as formas de intervenção do juiz nos contratos.

Concluimos que realmente esta intervenção é possível, inclusive, com o objetivo de integrar o contrato, sempre objetivando a sua manutenção à sua rescisão.

(10)

ABSTRACT

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1 INTRODUÇÃO

A edição do Código Civil de 2002 constituiu um importante marco no direito pátrio, principalmente em razão dos valores e princípios por ele consagrados, como os da justiça social1 e da solidariedade2.

Esses princípios e valores já vinham, há muito tempo sendo incorporados pelo nosso direito em leis especiais, como a lei de locações, a lei de condomínios e incorporações imobiliárias e, mais modernamente, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, entre outros. Todavia, ao serem adotados pelo Código Civil, lei que regula a maior parte das relações sociais e que está, inevitavelmente, presente na vida de todos os cidadãos, adquiriram eles especial relevância.

Entretanto, se a adoção desses princ ípios e valores constitui-se em relevante avanço que não pode e nem deve ser ignorado ou menosprezado, a sua simples previsão em lei mostra-se inócua ou, até mesmo, perigosa.

1 Consta da própria exposição de motivos do Anteprojeto do Código a preocupação social do Código Civil de 2002: “Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente, reconhecendo-se cada vez mais que o direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo”.

2 NERY, Rosa Maria Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no

(12)

Faz-se necessária a real compreensão de seu significado, para fazer com que passem a ser efetiva e corretamente aplicados. Esta necessidade torna-se ainda mais imperiosa em razão da moderna técnica de codificação escolhida pelo legislador brasileiro, consistente na adoção das cláusulas gerais, dos princípios gerais do direito e dos conceitos indeterminados.

Se por um lado estes mecanismos conferem maior mobilidade ao sistema, mantendo-o sempre atualizado, por outro lado, conferem um poder muito maior ao julgador a quem cabe o preenchimento do conteúdo das normas.

A aplicação do Código Civil tal como foi idealizado, portanto, depende da divulgação e do estudo dos valores por ele trazidos; mas que, infelizmente, ainda são ignorados por muitos juristas e aplicadores do direito, que insistem em balizar o seu pensamento nos mesmos valores individualistas decorrentes do liberalismo econômico que pautavam o Código Civil de 1916 e que tinham a autonomia da vontade como princípio fundamental.

Complementarmente, até mesmo em decorrência da técnica legislativa utilizada, a aplicação equivocada do Código Civil pode resultar em grandes prejuízos a toda a sociedade, principalmente em razão da insegurança jurídica daí decorrente. Dada a sua importância e as conseqüências que a insegurança jurídica pode trazer, este tema tem sido objeto de debate também fora dos meios jurídicos.

(13)

Por meio do presente estudo pretendemos dissertar sobre esses valores e princípios trazidos pelo Novo Código Civil, e, em especial, sobre sua aplicação ao direito dos contratos.

Para tanto, dividimos o trabalho em três (3) partes.

Da primeira há um breve estudo sobre a forma de codificação adotada pelo legislador brasileiro na edição do Código Civil de 2002 e os mecanismos a ela inerentes (princípios, cláusulas gerais e conceitos indeterminados).

Em seguida, passamos à análise da teoria contratual. Fizemos um estudo dos princípios inerentes à teoria contratual clássica (ou liberal) e demonstramos a sua evolução até a teoria contratual moderna (ou social). Com base nos princípios e valores consagrados por esta última, estudamos os dispositivos do Código Civil de 2002 relativos aos contratos, expondo as virtudes deste ordenamento e alguns pontos que, em nosso entendimento, contradizem a sistemática adotada pelo legislador. Fizemos também uma breve comparação entre a teoria contratual adotada pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil de 2002.

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2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA

DOS SISTEMAS DE CODIFICAÇÃO – SISTEMAS

ABERTOS, FECHADOS, MÓVEIS E IMÓVEIS

2.1 O conceito de sistema

“Sistema” é usualmente definido pelas ciências como um conjunto de conhecimentos e/ou conceitos ordenados de um ponto de vista unitário. Suas características principais são, portanto, a unidade e a ordenação. Nas palavras de Bobbio3, “sistema” (é) uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem.”

Além dessas duas qualificações comumente adotadas, várias outras características específicas da Ciência do Direito foram sendo paulatinamente, apontadas por diversos doutrinadores com o intuito de formular uma definição de sistema jurídico. Com isso, formularam-se muitos conceitos de sistema jurídico, de conteúdos distintos entre si.

Canaris, por exemplo, recorre a várias “teorias do sistema”: o sistema lógico-formal, que inclui o sistema da jurisprudência de conceitos4 e o sistema axiomático-dedutivo5, o sistema como conexão de problemas, relações da vida ou ordem teleológica. Em seguida, conclui que o sistema jurídico deve ser entendido como uma ordem teleológica de princípios gerais do Direito.

3 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4ª ed. Brasília: Unb, 1999, p. 71. 4 Tem como base o positivismo e a idéia de que o Direito é formado com fundamento na

matemática e na ciência. Segundo este pensamento, a unidade interna de sentido do Direito que opera o erguer em um sistema não corresponde a uma derivação da idéia de justiça de tipo lógico, mas antes do tipo valorativo ou axiológico.

(15)

Bobbio, por sua vez, após discorrer sobre a teoria dos sistemas estáticos e dinâmicos de Kelsen - para Kelsen6, o sistema jurídico seria um sistema estático - discorda desta teoria, argumentando que o sistema estático não necessariamente pressupõe a coerência das normas (visto que é essencialmente formal) e conclui:

a existência de um sistema normativo também não significa que se saiba exatamente que tipo de sistema é esse. O “termo” sistema é um daqueles termos muito significativos, que cada um usa conforme suas próprias conveniências”7.

Em seguida, cita as “teorias dos sistemas” mencionando: a) o sistema dedutivo, b) a jurisprudência sistemática, e; c) o sistema como a inexistência de normas incompatíveis.

Embora Bobbio adote8 esta última teoria, ele reconhece a impossibilidade de um ordenamento jurídico9 sem nenhuma antinomia e defende que a existência de antinomias é um defeito que o intérprete tende a eliminar. Segundo este autor, a inexistência de antinomias não é condição de validade das normas, mesmo sendo condição de justiça e de ordem do ordenamento (ou seja, uma necessidade). O raciocínio de Bobbio parece-nos um tanto contraditório, uma vez que ele próprio defende a existência do ordenamento e a necessidade de ordem como uma de suas características essenciais e, no entanto, afirma a inexistência da ordem (dado que sempre existem contradições) em tal ordenamento .

6 Segundo Kelsen existem dois tipos de sistemas de normas: o sistema estático, no qual o conteúdo de todas as normas já estão contidos na norma pressuposta e dela decorrem (daí porque não há incompatibilidade entre as normas) e o sistema dinâmico, no qual a norma fundamental é uma ordem jurídica e não uma norma material. O seu conteúdo não é imediatamente evidente (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 217-221.)

7 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 76-77. 8 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 92.

(16)

Maria Helena Diniz10 também argumenta que todo sistema pode e deve alcançar uma coerência interna.

De qualquer forma, a análise de cada uma dessas teorias sobre os conceitos dos sistemas é estranha ao objeto do presente estudo. Na realidade, o que se pretende aqui é, considerando as características de

unidade e ordenação do sistema, demonstrar que a Ciência do Direito pode

e deve ser sistematizada, bem como apontar quais são os métodos à disposição do legislador e do jurista para alcançar essa sistematização.

A possibilidade de sistematização do Direito resta cristalina. Basta que se verifique a estrutura do Direito pátrio e estrangeiro para que se chegue à conclusão de que a legislação, os princípios gerais e os valores estão, de fato, na maioria das vezes, organizados em um todo unitário. Existe, pelo menos na maior parte das sociedades organizadas, um mecanismo que dispõe de saídas previsíveis para determinados conflitos (não obstante a existência de lacunas e normas conflitantes, passíveis de serem solucionadas pelos próprios mecanismos previstos pelo ordenamento), o que faz com que impere, ao menos em tese, os princípios da justiça e segurança social.

Antonio Menezes Cordeiro11 chega até mesmo a afirmar que somente se pode falar em Direito em uma determinada sociedade, quando houver referido mecanismo que suponha saídas previsíveis para determinados conflitos. Isto porque, o Direito se assenta em relações estáveis, firmadas entre fenômenos que se repetem.

A ordem, como foi dito, decorre da ausência de normas incompatíveis (ou da existência de mecanismos previstos para sanar tais incompatibilidades, na medida em que, como já mencionado, a total coerência das normas, principalmente em um sistema complexo, pode ser tida até mesmo como impossível).

10 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 6.

11 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução à edição portuguesa de

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2.2 O desenvolvimento dos sistemas jurídicos e a sua classificação

O direito assumiu, pela primeira vez, uma ordenação (elemento essencial para a caracterização do sistema), com o humanismo, na fase da segunda recepção do Direito Romano12.

Entretanto, de acordo com Maria Helena Diniz13 foi com a Revolução Francesa e com a edição do Código de Napoleão14 que o direito passou a ser visto como um sistema.

Novamente reportando-nos a Antonio Menezes Cordeiro15, convém ressaltar que embora o Código de Napoleão seja, com freqüência, assimilado a um diploma que reflete as intenções e idéias externadas na revolução liberal e pela burguesia industrial nascente, essa visão é bastante simplista. A codificação é, de fato, o ponto de chegada de uma evolução complexa, que veio de encontro aos anseios políticos e sociais da época.

Em fins do século XIX, contudo, o domínio do Código de Napoleão perdeu espaço, com a promulgação do Código Civil Alemão (BGB), que teve sua base científica fundada no pandectismo. Os alemães

foram levados a confeccionar todo um sistema civil: as proposições jurídicas singulares, os institutos, os princípios e a ordenação sistemática sofreram remodelações profundas, aperfeiçoando-se, evitando contradições e desarmonias e multiplicando o seu tecido regulativo de modo a colmatar lacunas”16.

12 Novamente Antonio Menezes Cordeiro explica que o Direito Privado Continental resulta de três recepções sucessivas do Direito Romano: a recepção das universidades medievais, que se deu por meio das glosas e comentários, a recepção humanística e a recepção pandeística. O humanismo seria fundado em experiências empíricas e periféricas e consideraria o Direito Romano como elemento pré-dado, abrangente de uma base histórico-cultural de toda a elaboração posterior. Foi a recepção humanística que procurou sistematizar o direito, conforme já mencionado. E, a essa primeira sistematização se contrapôs a sistematização jus-racionalista, formulada com base do Discurso de Descartes, e, portanto, fundada em premissas centrais e racionais. Da síntese dessas duas, surge o fenômeno da terceira recepção, que é o sistema do pandeitismo (CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Introdução... cit., p. LXXXVI.).

13 DINIZ, Maria Helena. Conflito...cit, p. 2.

14 Conforme será demonstrado adiante, a existência de uma legislação codificada não é pressuposto para que o direito seja visto de forma sistemática.

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Não obstante, nem todas as sociedades optaram por codificar o seu direito. Como exemplo, pode-se citar os países do “common law”17 que, ainda hoje, fundam as suas decisões em entendimentos jurisprudenciais ou em leis esparsas.

Isso fez com que alguns doutrinadores classificassem os sistemas codificados como sistemas fechados e os sistemas baseados no “common law” como sistemas abertos.

Esta classificação, contudo, não é pacificamente aceita. Canaris18 salienta que um sistema codificado pode ser aberto, na medida em que se entenda a abertura como possibilidade de modificação e evolução em razão da não completude do conhecimento. E, para que se verifique se o sistema é ou não aberto ele propõe que se estude, separadamente, o sistema científico19 e o objetivo20. Neste ponto, sendo o conhecimento científico incompleto e provisório, o sistema científico seria sempre aberto. Essas possíveis alterações no sistema científico levam à necessidade de alterações que podem ser feitas pelo legislador, pelo direito consuetudinário e pelos princípios gerais do direito, também no sistema objetivo que, portanto, também deve ser aberto.

Os ensinamentos de José Eduardo Faria21, ao tratar o direito como uma atividade crítica e especulativa, também apontam na mesma direção (a possibilidade de um sistema positivo aberto), embora sejam um pouco mais liberais: sustentam a abertura decorrente de um maior poder criativo a ser conferido ao julgador.

Mas, um sistema aberto deve ser considerado um sistema móvel? Embora muitas vezes essas expressões possam ser utilizadas como

17 Sistema jurídico que tem como base o estudo de casos. O “common law” é adotado pela Grã Bretanha e por grande parte dos paises de língua inglesa.

18 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do

direito. 2ª ed. Lisboa: Fundação Carlouste Gulbekian, 1996, p. 103. 19 Assim entendido como o conhecimento e aplicação do direito. 20 O direito vigente.

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sinônimas, Canaris22 novamente prefere distinguí-las. Para ele, o sistema deve ser considerado móvel quando não houver nele hierarquia e previsões normativas rígidas; ou seja, quando o juiz puder decidir segundo uma discricionariedade orientada entre a prevalência de um elemento sobre o outro, de acordo com o caso concreto.

Por vezes, o sistema móvel é também não codificado. É o que ocorre, por exemplo, no sistema inglês, classificado por Bobbio23 como “tipicamente flexível”, isto é, neste sistema

o legislador ordinário pode legislar em qualquer matéria e em qualquer direção. Numa constituição tipicamente flexível como a inglesa, diz-se que o parlamento pode fazer tudo, menos transformar homem em mulher (que, como ação impossível, é por si só excluída das esferas reguláveis)”.

Entretanto, o sistema não precisa ser integralmente móvel ou integralmente imóvel. Ele pode ser imóvel em sua essência, com alguns pontos de mobilidade e vice-versa. É esta primeira situação, ainda segundo Canaris, que ocorre no sistema alemão. Para exemplificar, cita como ponto de mobilidade no sistema, o “princípio do tudo-ou-nada”, que permite que o juiz fixe a indenização no caso concreto e também a utilização, pelo legislador germânico, das cláusulas gerais24.

Nessa direção, pode-se afirmar, conforme será demonstrado a seguir, que o legislador brasileiro tem, também, optado por esta forma “mista” de sistematização, que compreende uma mistura do sistema móvel, com o sistema imóvel e com as cláusulas gerais. Foi esta opção que prevaleceu na edição do Código de Defesa do Consumidor, e, em um segundo momento, do Código Civil de 2002, influenciando de forma decisiva o direito contratual,

22 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento...cit, p. 126. 23 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 55.

(20)

com o aumento do “poder criativo do juiz”25 e da sua independência. Nessa mesma linha, o sistema jurídico brasileiro seria, embora codificado, aberto, por admitir mudanças em seu conteúdo.

2.3 O sistema adotado pelo Novo Código Civil – O sistema móvel e a adoção das Cláusulas Gerais, dos Conceitos Indeterminados e dos Princípios Gerais do Direito

Há algum tempo a doutrina tem apontado a impossibilidade de o Direito alcançar a sua função maior – qual seja, a pacificação e justiça social – por meio de normas rígidas e imutáveis.

José Eduardo Faria, em seu já citado artigo “Ordem legal X Mudança social: a crise do Judiciário e a formação do Magistrado”26, escreveu, em 1989, que a massificação da sociedade, a desigualdade social e o aumento de poder das camadas mais pobres estavam a exigir uma mudança no ordenamento jurídico, que conferisse um maior poder ao julgador, de modo que ele pudesse tomar decisões justas e eficazes.

A discussão é, contudo, mais antiga. Tanto assim que nas Diretrizes Fundamentais do AnteProjeto do Código Civil datado de maio de 1972 e apresentado pelo Professor Alfredo Buzaid, consta:

O que se tem em vista é, em suma, uma estrutura normativa concreta, isto é, destituída de qualquer apego a meros valores formais abstratos. Esse objetivo de concretude impõe soluções que deixam larga margem de ação ao juiz e à doutrina, com freqüente apelo a valores como os da boa-fé, equidade, probidade, finalidade social do direito, equivalência de prestações, etc., o que talvez não seja do agrado dos partidários de uma concepção mecânica ou naturalística do Direito, o qual, todavia, é incompatível com leis rígidas do tipo físico-matemático. A exigência de concreção surge exatamente da contigência insuperável dessa adequação criadora dos modelos jurídicos aos fatos sociais ‘in fieri’”.

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Esta questão também ganhou relevo em outros âmbitos do direito, como por exemplo, o processo civil, conforme ensinamentos de Teresa Arruda Alvim Wambier 27.

Na França, já em 1930, Georges Ripert28, em sua premiada obra “A Regra Moral nas Obrigações Civis”, advogava a necessidade de flexibilização da lei com o objetivo de propiciar o desenvolvimento do direito e julgamentos mais justos.

De qualquer forma, em se tratando de Código Civil – a grande codificação responsável pela regulamentação da maior parte das relações sociais - logicamente a discussão assume maior relevância e repercussão.

Ademais, a massificação da sociedade, mencionada por José Eduardo Faria, o seu rápido progresso e a dificuldade inegável do legislador para atender às constantes demandas de atualização do ordenamento jurídico, deram maior peso à teoria da impossibilidade de se editar um código da importância do Código Civil, com descrições precisas de todas as situações e suas conseqüências, de modo a formar um sistema imóvel.

Essas dificuldades colocaram em questão, inclusive, a viabilidade da edição de um Código Civil, como bem observou Carin Prediger29 em artigo intitulado “A noção de sistema no direito privado e o Código Civil como eixo central”. Segundo a autora, apesar da oposição de alguns doutrinadores à codificação do direito civil, o legislador optou por essa modalidade, orientando o Código Civil no sentido de um código central, que regula as relações jurídicas mais estáveis, formando uma “lei privada básica”.

Essa opção tornou-se flagrante em razão da técnica moderna escolhida pelo legislador e que, como dito, objetiva conferir maior mobilidade

27 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São Paulo Revista dos Tribunais, 2006, p. 162.

28 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Osório de Oliveira (Trad.) São Paulo: Saraiva. 1937, p. 405.

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ao sistema, que Jorge Tosta30 denominou de “judicialização do direito privado”.

Os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery31 assinalam que a técnica utilizada pelo legislador consistiu basicamente na utilização dos conceitos legais indeterminados e das cláusulas gerais que, juntamente com os princípios gerais, tornam o sistema mais flexível, móvel. Mas, o que seriam estes conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais?

a) os princípios gerais do direito

De acordo com Nelson Nery Junior32, os princípios gerais do direito são regras de conduta não positivadas que auxiliam o juiz na interpretação da norma ou do ato, bem como no preenchimento de lacunas. Canaris33 aponta algumas características dos princípios que, ao nosso ver, se coadunam com o conceito ora expresso. Para ele, os princípios são valores fundamentais de determinado ordenamento que podem ser contraditórios entre si e devem se complementar mutuamente. Ademais, precisam de subprincípios e valorações para se concretizarem.

Para ilustrar estas eventuais contradições e complementações existentes entre os princípios, Canaris cita um caso que tem plena relação com o trabalho ora desenvolvido. Para ele, as várias limitações do princípio

30 TOSTA, Jorge. Os poderes do juiz no novo código civil [Tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 9.

31 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código civil anotado e legislação

processual extravagante, nota 5 ao artigo 1º do Código Civil, 2003, p.140.

32 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no código civil - Apontamentos gerais. In FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo código civil. São Paulo: LTr, 2003., p. 406.

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da autonomia negocial34 resultam das considerações de princípios contrários, como por exemplo , as limitações da liberdade de celebração, da liberdade de estipulação e do dever de contratar em razão da necessidade da observância de função social do contrato .

Bobbio35 também se refere a este caso em seu estudo sobre as “antinomias aparentes” existentes no ordenamento, menciona ndo as antinomias de princípios e exemplificando os valores da segurança e liberdade como valores antinômicos. Ronald Dworkin36 vai além. Ao tratar dos princípios (e da possibilidade de entendê-los como direito e de enumerá-los) afirma que estes são controversos, que seu peso é de importância fundamental, que eles são incontáveis e se transformam com tanta rapidez que o início de nossa lista estaria obsoleto antes que chegássemos à metade dela.

Aliás, também para Bobbio37, o princípio geral, para ser assim considerado, não pode ser positivado. Isto porque a sua própria definição (uma regra geral que objetiva facilitar a interpretação da norma e a solução de lacunas) é incompatível com a sua positivação. A partir do momento em que o princípio geral é positivado, ele passa a ser uma norma jurídica como todas as outras e a lacuna deixa de existir.

34 Impõe-se aqui, ressaltar um eventual questionamento que poderia surgir: como foi mencionado, segundo os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, os princípios gerais não podem ser positivados. Ao serem positivados, deixam de ser considerados princípios. E, o “princípio” da autonomia negocial foi, de fato, positivado pelo artigo 421 do Código Civil de 2002 (Art. 421: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato). Portanto, não poderia ser considerado um princípio, segundo estes doutrinadores. Embora reconhecendo a existência de divergência sobre o tema, entendemos que este exemplo, em razão da sua relevância e pertinência com o tema deste trabalho, deveria ser mencionado. Devemos dizer, no entanto, que ao nosso ver o posicionamento de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, neste ponto, apresenta uma falha. Afirmam os doutrinadores que os princípios, quando positivados, tornam-se cláusulas gerais. Nesta linha de raciocínio, as cláusulas gerais deveriam auxiliar o aplicador do direito no preenchimento das lacunas, por exemplo. Entretanto, por serem essas cláusulas carecidas de valoração, tal não ocorre. Aliás, para preenchimento das cláusulas o julgador, por vezes, como será adiante tratado, recorre ao princípio geral (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 12 ao artigo 1º do Código Civil, p.141.).

35 BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 90.

36 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 70.

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Essa posição, contudo, não é uníssona. Eros Grau38 salienta a existência de princípios jurídicos explícitos e implícitos e afirma que os princípios implícitos, por sua vez, podem ser classificados em princípios gerais de direito (isto é, de um determinado direito), que têm origem no direito pressuposto ou são resultado de uma análise de um ou mais preceitos constitucionais (coletados no direito posto). O direito posto é um produto sociológico e, portanto, resultado do direito pressuposto. Comparando-se essa classificação com aquela adotada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, é de se concluir que os princípios gerais a que esses autores fazem referência são os princípios gerais de direito mencionados por Eros Grau.

Maria Helena Diniz39 também reconhece a possibilidade da existência de princípios contidos nas normas, como por exemplo o artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil40, embora afirme que a maioria dos princípios está implícito no ordenamento.

José Augusto Delgado41 não apenas defende a possibilidade de princípios explícitos, como também afirma categoricamente que o artigo 421 do Código Civil traz em seu conteúdo o princípio geral da função social do contrato. Humberto Theodoro Junior42, Luciano Rodrigues Machado43, Pedro Luiz Nigri Kurbhi44 apontam no mesmo sentido, ao

38 Esse mesmo doutrinador, Eros Grau, salienta que os princípios são dotados de valores que regulam a aplicação das demais normas. Enquanto as normas podem ter mais de uma interpretação, os princípios devem ter sempre a mesma (GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 134.).

39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 72.

40 “Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”.

41 DELGADO, José Augusto. O contrato no código civil e a sua função social. Revista Jurídica, São Paulo, n. 322, 2004.

42 DELGADO, José Augusto. O contrato... cit., p. IX.

43 Em um segundo momento, este autor chama os princípios de cláusulas gerais. (MACHADO, Luciano Rodrigues. A função social e a legitimação para a causa. I n

MAZZEI, Rodrigo (Coord). Questões Processuais no novo Código Civil. Vitória: Instituto Capixaba de Ensinos, 2006, p. 324.).

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afirmar que a evolução da teoria contratual fez com que a mesma fosse acrescida de novos princípios: o da função social do contrato , da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico45 para o primeiro; da função social do contrato e da boa-fé objetiva para o segundo; e da equidade, boa-fé objetiva, lealdade contratual e manutenção dos contratos firmados para o último.

Aliás, os próprios Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery46 salientam que o que chamam de cláusulas gerais é o que uma parte da doutrina prefere denominar de princípios explícitos. Para eles, assim como para Bobbio, esta classificação não faz sentido na medida em que, no momento em que o princípio torna-se explícito, ele assume a condição de norma, e deixa de ser regra de interpretação.

Mas o que seriam as cláusulas gerais?

b) As cláusulas gerais

Nelson Nery Junior47 explica que as cláusulas gerais são formulações genéricas e abstratas, contidas em lei, cujo conteúdo deverá ser preenchido pelo juiz no caso concreto. As cláusulas gerais são, ademais, normas de ordem pública48.

Vale notar que apesar do conteúdo abstrato das cláusulas gerais, elas não podem ser confundidas com as lacunas.

45 Humberto Theodoro Junior define este princípio como sendo a proteção do contratante contra a lesão e a onerosidade excessiva (THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 11). Ao nosso ver, este princípio poderia ser classificado como um sub-princípio da boa-fé objetiva.

46 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código...cit., p. 141. 47 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos...cit., p. 408.

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Como foi dito, as lacunas existem em caso de falta de regulamentação49. As cláusulas gerais, por sua vez, são normas expressas no ordenamento que, por vontade do legislador, possuem um conteúdo indeterminado. Aliás, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, as cláusulas gerais representam a positivação dos princípios gerais.

Tampouco há como se afirmar que o julgador deverá se utilizar dos padrões estabelecidos pelo artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil para supressão das lacunas (analogia, costumes e princípios gerais do direito), a fim de preencher o conteúdo dessas cláusulas gerais. Este é, também, o entendimento de Jorge Tosta50.

Canaris51 salienta que o juiz, freqüentemente, fará uso dos princípios gerais para preencher o sentido de tais cláusulas. Este posicionamento, no entanto, é no mínimo curioso ao se considerar a classificação adotada pelos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: sendo a cláusula geral a concretização de um princípio geral, como o juiz pode se utilizar do segundo para decidir sobre a primeira? Na realidade, o que o juiz poderá fazer é, em uma interpretação sistemática, dar uma aplicação conjugada à cláusula geral e ao princípio, assim como ele pode fazer com a utilização de dois princípios.

Ao nosso ver, as cláusulas gerais conferem liberdade ao julgador para preencher o seu conteúdo. Se quiser fazer uso de algum dos elementos

49 Segundo Bobbio, as lacunas podem ser classificadas em: a) impróprias ou ideológicas, quando a situação é regulamentada por lei que, no entanto, não pode ser considerada a mais justa. Admitindo-se a interpretação “contra legem”, não há, nestes casos, como se falar em lacunas propriamente ditas, b) próprias, quando o sistema não oferece um meio de solução para os problemas que lhe são apresentados, cabendo esta solução ao intérprete, c) objetivas, quando decorrentes do desenvolvimento de uma sociedade e do surgimento de novas relações, e; d) subjetivas, quando decorrentes de ato atribuível ao próprio legislador, que podem ser, d1) involuntárias, decorrentes do descuido do legislador ou, d2) voluntárias, quando o legislador distribui apenas diretrizes, em razão da complexidade de determinada relação. Estas últimas, o próprio Bobbio afirma que “não são verdadeiras lacunas. Aqui, de fato, a integração do vazio, deixado de propósito, é confiado ao poder criativo do órgão hierarquicamente inferior” (BOBBIO, Norberto. Teoria... cit., p. 138-145). As cláusulas gerais, ao nosso ver, se consagram como essas lacunas subjetivas voluntárias, que não são verdadeiras lacunas.

50 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 79.

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previstos pela Lei de Introdução, poderá fazê-lo. Entretanto, não há nada que o obrigue a agir neste sentido52. As possibilidades conferidas ao juiz para preenchimento do conteúdo das cláusulas gerais serão mais detalhadamente tratadas no item 4.1.1.1, ao analisarmos as sentenças determinativas.

c) os conceitos legais indeterminados

Os conceitos indeterminados, ainda segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery53, distinguem-se das cláusulas gerais, à medida que , uma vez identificado pelo juiz o conteúdo do conceito indeterminado, a lei já prevê a solução para aquele caso – hipótese na qual os conceitos indeterminados se transmudam em conceitos

52 Em artigo, denominado “As sentenças determinativas e o juiz”, Graziela Marisa Gonçalves salienta que: “Diante das situações que se afastam da tipificação legal e que exigem a interferência do Judiciário para que se alcance o equilíbrio nas relações, o juiz não se eximirá de decidir por lacuna ou por obscuridade da lei, já que deverá recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito (art. 126 do CPC) e às regras de experiência comum (art. 335 do CPC), que só serão utilizadas se não houver disposição expressa sobre o assunto.

Estes dispositivos vão ao encontro do estatuído nos artigos 4º e 5º da LICC, culminando este último com o fim último visado pela sentença: atender aos fins sociais e às exigências do bem comum. Como já exposto anteriormente, o julgador observará o caso concreto, mas também deverá levar em consideração a repercussão que sua decisão terá na sociedade, pois a sentença é a exteriorização do Poder que representa- o Judiciário. Daí a necessidade de buscar a justiça. Na dúvida quanto à melhor aplicação da lei, o juiz empregará a decisão que dignifique a pessoa humana, como manda a Carta Maior (art. 1º, III).

O Código Civil de 2002, por sua vez, possui uma estrutura que o mantém atual, facilitando a integração do julgador com as mudanças e complexidades sociais. Seu sistema propicia a interpretação e a aplicação da lei de forma a torná-la mais próxima dos conflitos, alcançando as soluções de forma mais justa.

Deve-se, portanto, solucionar as questões litigiosas a partir da análise conjunta do direito positivo, que é um sistema fechado, com as cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que formam o sistema aberto” (GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças determinativas e o juiz. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In

NERY, Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.100). Ousamos fazer duas observações em relação ao texto exposto. Em primeiro lugar, ratificamos a diferenciação entre lacunas e cláusulas gerais, também no tocante à forma de solução dessas duas figuras. Além disso, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados integram o sistema positivado, formando um sistema semi-aberto (ou semi-móvel, conforme classificação de Canaris antes citada). Não nos parece correto afirmar que o sistema positivo é um sistema fechado e as cláusulas gerais e conceitos indeterminados formam um sistema aberto. Aliás, Eros Roberto Grau, vai além, afirmando que mesmo os “princípios gerais de direito”, que estão implícitos no ordenamento, sendo fundados no direito pressuposto, fazem parte do direito positivo. (GRAU, Eros. Ensaio... cit., p. 142.).

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determinados pela função. Esta distinção é igualmente aceita por Judith Martins -Costa54.

A previsão expressa da solução a ser dada ao caso concreto não acontece, no entanto, com relação às cláusulas gerais que conferem amplos poderes ao juiz. Aliás, é exatamente por isso que elas são passíveis de críticas. De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, as cláusulas gerais por

conferirem certo grau de incerteza, dada a possibilidade de o juiz criar a norma pela determinação de conceitos, preenchendo o seu conteúdo com valores. Pode servir de pretexto para o recrudescimento de idéias, como instrum ento de dominação por regimes totalitários ou pela economia capitalista extremada”55.

d) Algumas divergências doutrinárias sobre as distinções existentes entre cláusulas gerais e conceitos indeterminados. Considerações gerais sobre a existência de discricionariedade judicial.

Tal como ocorre com os princípios a doutrina também diverge no que se refere a classificação e definição dos conceitos indeterminados e cláusulas gerais, apesar do consenso entre grande parte dos doutrinadores quanto ao fato de que a utilização desses métodos confere uma maior mobilidade ao sistema e um maior poder ao aplicador do direito (ainda que, conforme se demonstrará, não haja concordância quanto à existência de discricionariedade judicial ou aos poderes criativos do juiz).

Tercio Sampaio Ferraz Jr.56 classifica os conceitos indeterminados em a) normativos, que exigem uma valoração de comportamento, como “mulher honesta”, “dignidade”, e; b) discricionários, que são os conceitos indeterminados não relacionados ao comportamento , como, por exemplo, repouso noturno e ruído excessivo.

54 COSTA. Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 327-328.

55 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos... cit., p. 410.

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Para o doutrinador português Antonio Menezes Cordeiro57, o conceito deve ser considerado como indeterminado sempre que for polissêmico, vago, ambíguo, poroso ou vazio. Ou seja, sempre que não permitir a comunicação vaga quanto ao seu conteúdo. Esse doutrinador não faz a distinção tecida por Rosa Nery e Nelson Nery Junior no sentido de que para ser considerado conceito indeterminado, a norma deve prever a conseqüência jurídica resultante após o preenchimento do conceito. Para ele, basta a indeterminação quanto ao seu conteúdo. Complementarmente, sobre a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, salienta o doutrinador que tais conceitos se tornam juridicamente atuantes mediante sua complementação com valorações feitas pelo próprio juiz, caracterizando assim uma decisão discricionária, orientada por vetores como a finalidade que levou o ordenamento a prever a indeterminação. Desrespeitada essa finalidade, está caracterizado o vício de desvio de poder.

Com relação às cláusulas gerais, define o doutrinador: “são proposições jurídicas que em relação ao seu contexto normativo, compreendem conceitos muito gerais e muito indeterminados, se relacionam com previsões muito gerais ou sejam muito abastractas (...)”58.

Jorge Tosta59 também defende que as denominadas cláusulas gerais seriam uma espécie do gênero conceitos jurídicos indeterminados. Entretanto, este doutrinador discorda do posicionamento de Menezes Cordeiro, acima transcrito, de que tal conteúdo seria preenchível pelo juiz no exercício de sua função discricionária. Segundo sustenta, o preenchimento dos conceitos indeterminados são assim classificados: a) conceitos de vaguesa comum, preenchíveis com as máximas de experiência, e; b) conceitos de vaguesa social60, preenchíveis com base em parâmetros das morais e bons costumes, consiste em uma atividade interpretativa-integrativa

57 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997, p. 1180 -1184.

58 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé... cit., p. 1180 -1184. 59 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 57-58, 88.

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a ser feita pelo juiz com base nos princípios gerais do direito. Ou seja: cabe ao juiz, em um primeiro momento, definir o conceito no caso concreto e, posteriormente, subsumí-lo à hipótese legal.

Neste contexto, a discricionariedade judicial estaria restrita aos casos em que: a) o juiz deve agir de acordo com os seus critérios de conveniência e oportunidade, como por exemplo nas hipóteses do artigo 21 do Código Civil, que prevê que o “juiz adotará providências” para fazer cessar eventual violação à vida privada ou o artigo 29 também do Código Civil que deixa a critério do juiz o momento adequado para converter os bens móveis em imóveis ou em títulos garantidos pela União, ou; b) nas hipóteses em que lhe é autorizado julgar com eqüidade, como no artigo 413 do Código Civil. Estas normas, o autor denominou de normas abertas em sentido lato , em contraposição às normas de tipo aberto em sentido vago acima citadas.

E Eros Grau61 vai mais além, negando a existência de conceitos jurídicos indeterminados62. De acordo com esse estudioso, os conceitos são abstratos e sobrevivem como abstração. São idéias universais, não passiveis de indeterminação. Os conceitos tidos como indeterminados seriam, portanto, noções, e não conceitos. E mais: o doutrinador chama a atenção para o fato de que isto não é mera questão terminológica63. Segundo seu entendimento , a aplicação dos conceitos indeterminados ocorreria mediante a formulação de juízos de oportunidade64, de onde

61 GRAU, Eros. Ensaio... cit., p. 224.

62 Esta denominação é criticada pelos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que afirmam preferir a expressão conceitos legais indeterminados, na medida em que a indeterminação se relaciona à norma e não à sua forma (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código... cit., nota 13, p. 141).

63 Nas próprias palavras: “Esse entendimento será por certo contestado- o que, aliás, já ocorreu, no curso de debate em um congresso- sob o argumento de que estou apenas substituindo nomes (“conceitos jurídicos indeterminado” por “noção”). A mim me encanta a tranqüilidade e segurança dos gênios-para-si mesmos, donos de respostas para tudo, que disparam em qualquer situação ou circunstância, sem perda de tempo na prática de exercícios aos quais os antigos se dedicavam, a leitura e a reflexão” (GRAU, Eros. Ensaio... cit., p.228.).

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decorreria a discricionariedade judicial, por ele negada. As noções, por outro lado, seriam aplicadas mediante a formulação de juízos de legalidade. Nesta linha de raciocínio, Eros Grau65 afirma que a discricionariedade judicial propriamente dita não pode ser confundida com a interpretação do direito, que exige “um agente capaz de raciocinar e, portanto, não idiota” ou com o fato de a decisão, em determinada instância, não poder mais ser anulada ou reformada por outro órgão (como ocorre com as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal). A discricionariedade judicial consistiria, portanto, no fato de o julgador não estar vinculado a qualquer “standard” estabelecido por outra autoridade, o que jamais ocorre, tendo em vista que, no mínimo, o julgador estará vinculado aos princípios gerais de direito.

Ronald Dworkin66 também faz esta diferenciação entre a “capacidade de julgar” e a discricionariedade judicial propriamente dita. Para ele, a “capacidade de julgar” deve ser entendida como “discricionariedade judicial em sentido fraco”. Também deve ser entendida como “discricionariedade judicial em sentido fraco”, a discricionariedade assim qualificada pela impossibilidade de revisão da decisão. A discricionariedade propriamente dita somente existiria nos casos em que o juiz não está vinculado a nenhum padrão.

Neste ponto, Dworkin discorda de Eros Grau, ao afirmar67 que

o poder discricionário de um funcionário não significa que ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom senso e eqüidade, mas apenas que sua decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que temos em mente quando colocamos a questão do poder discricionário”.

Na verdade, não nos parece que os princípios gerais mencionados por Eros Grau sejam controlados pela autoridade a que Dworkin faz menção.

65 GRAU, Eros. Ensaio... cit, p. 200.

(32)

Esta posição é veementemente contestada por Celso Antonio Bandeira de Mello68, para quem:

a imprecisão, fluidez, indeterminação, a que se tem aludido, residem no próprio conceito, e não na palavra que os rotula (...). Não há palavra alguma (existente ou inventável) que possa conferir precisão às mesmas noções que estão abrigadas sob as vozes “urgente”, “interesse público”, “pobreza”, “velhice”, “relevante”, “gravidade”, “calvice” e quaisquer outras do gênero”.

Seguindo esta linha de raciocínio, o jurista conclui (embora esteja tratando da discricionariedade administrativa que será a seguir mencionada), que o preenchimento dos conceitos indeterminados faz, de fato, com que o aplicador do direito exerça atividade discricionária.

Observe-se que nenhum dos doutrinadores acima defende que o juiz estaria restrito aos limites da lei, o que, aliás, seria totalmente descabido diante da atual concepção do direito. A divergência supra mencionada, seja no tocante à definição da discricionariedade judicial, seja no tocante à classificação dos conceitos indeterminados, cláusulas gerais e princípios gerais do direito, ao nosso ver, refere-se mais a uma questão terminológica do que de conteúdo.

Entretanto, também no tocante à extensão dos poderes conferidos ao juiz, a doutrina e jurisprudência divergem. Novamente reportando-nos aos ensinamentos de Jorge Tosta69, nas hipóteses em que ao juiz são dadas várias opções, apenas uma é a correta no caso concreto. Ou seja, ainda no exercício do poder discricionário, o intérprete não teria liberdade. E mais, ele chega a afirmar que este é um ponto que diferenciaria a discricionariedade judicial da administrativa, na qual o intérprete sempre teria a opção de escolha entre uma ou outra situação.

A este argumento, contrapõe-se aquele sustentado por Celso Antonio Bandeira de Mello70 (parece-nos que com razão) tratando, da

68 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade judicial e controle

administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 21. 69 TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 91.

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discricionariedade administrativa71. Sustenta o autor, existirem hipóteses nas quais é impossível que se encontre apenas uma decisão correta. Os aplicadores do direito são seres humanos racionais. Nesta qualidade, cada um é capaz de formar a sua própria idéia sobre determinada questão, sendo inviável um consenso entre todos, em se tratando de exercício de função discricionária. Tercio Sampaio Ferraz Jr.72 também defende a impossibilidade de se encontrar uma única solução como sendo a correta.

Exemplo disso é a possibilidade de alteração de entendimentos jurisprudenciais muitas vezes já pacificados. Ou seja, em determinado momento, tinha-se como consenso que a melhor solução (ou a solução “correta”) era uma e, em seguida, a melhor solução passou a ser outra. Não se trata de hipótese rara na jurisprudência dos Tribunais e, muitas vezes, a alteração de entendimento não vem acompanhada de uma alteração nos costumes locais (que poderia justificá-la). A título de exemplo, podemos citar as decisões que defendiam a possibilidade de o Tribunal conhecer de ofício de cláusulas nulas, entendimento este modificado, conforme recente jurisprudência

71 Embora Jorge Tosta tenha sustentado que este seu posicionamento não teria aplicabilidade com relação à discricionariedade administrativa, mas apenas no tocante à discricionariedade judicial, a argumentação tecida por Bandeira de Mello e acima exposta contrapõe-se à tese à levantada por Jorge Tosta (TOSTA, Jorge. Os poderes... cit., p. 71).

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que será a seguir referida73. Ou ainda em caso mais extremo, relativo à responsabilidade de fiador em contrato de fiança: o Superior Tribunal de Justiça, em um primeiro momento, entendeu pela responsabilidade do fiador ainda após o decurso do prazo do contrato de locação, quando presente cláusula no sentido de prorrogação da obrigação até a efetiva entrega de chaves74. Em seguida, este entendimento foi alterado, sob o argumento de

73 As recentes decisões apontam no sentido da impossibilidade de reconhecimento de ofício de cláusulas nulas. Neste sentido: 1) EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. REVISÃO DE OFÍCIO DO CONTRATO, PARA ANULAR AS CLÁUSULAS ABUSIVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DA 2ª SEÇÃO.

- Não é lícito ao STJ rever de ofício o contrato, para anular cláusulas consideradas abusivas com base no Art. 51, IV, do CDC (STJ, 2ª seção, Embargos de divergência 702.524/RS, Min. Rel. Nancy Andrighi; Relator para acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, j. 08.03.2006). As decisões mais antigas eram no sentido da possibilidade de revisão de ofício:

1) “Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Código de Defesa do Consumidor. A nulidade da cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada há de ser reconhecida, não só no plano do direito material, mas também no processual. Ineficaz será a proteção deferida com o reconhecimento de seus direitos, se a defesa em juízo pode ser sensivelmente prejudicada.

Hipótese em que o ajuizamento do processo no foro de eleição praticamente inviabiliza a defesa. Possibilidade de declaração, de ofício, da nulidade da cláusula em que se preestabeleceu o foro, bem como de que se decline da competência, ainda sem prévia provocação. (STJ, 2ª Seção, Conflito de competência 20969/MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 11/11/1998 - grifamos)”.

2) RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊ NCIA. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 458 E 535 DO CÓD. DE PROC. CIVIL NÃO CARACTERIZADA. CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. CABIMENTO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. ADMISSIBILIDADE. MULTA CONTRATUAL. VALIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA PELA TAXA REFERENCIAL. POSSIBILIDADE. MULTA POR EMBARGOS PROCRASTINATÓRIOS. SÚMULA 98/STJ.

I – Inexiste julgamento extra petita no reconhecimento da nulidade de cláusulas contratuais com base no Código de Defesa do Consumidor, mormente quando havia pedido de refazimento das contas da dívida.

II – Inocorre a alegada violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, eis que os temas foram devidamente analisados, não tendo o condão de macular a decisão, a ponto de anulá-la, o fato de não ter o tribunal encontrado a solução buscada pelo recorrente. A negativa de prestação jurisdicional nos embargos declaratórios só se configura quando, na apreciação do recurso, o tribunal de origem insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida e não foi, o que não corresponde à hipótese dos autos.

Recurso especial parcialmente provido (STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 369069/RS, Min. Rel. Castro Filho, j. 25/11/2003).

74 Fiança. Renunciabilidade do direito a exoneração, respondendo o fiador pelas obrigações pactuadas até a desocupação do imóvel locado, é válida a cláusula mediante a qual renuncia ele ao direito de exonerar-se da fiança, ainda que a locação se tenha prorrogado por prazo indeterminado.

(35)

que a fiança, como obrigação de favor, deveria ter interpretação restritiva75. Mais recentemente, alguns julgados retomaram o posicionamento inicial, no sentido da responsabilização do fiador em havendo previsão contratual expressa76.

Ronald Dworkin77 também reconhece a impossibilidade de se estabelecer uma decisão como sendo a mais correta. Segundo o doutrinador norte-americano, ao julgar, o juiz precisa emitir juízos sobre filosofia política e moral que são inevitavelmente diferentes daqueles proferidos por outros juízes.

75 CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO DE CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. RESPONSABILIDADE DO GARANTE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 214/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Na fiança firmada em contrato de locação, o garante não responde pelas obrigações futuras que não anuiu, advindas após a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, sendo irrelevante cláusula contratual prevendo que estará obrigado até a entrega das chaves. Súmula 214/STJ. Precedentes.

2. O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente e no sentido mais favorável ao fiador. Destarte, a existência de cláusula genérica, na qual locatário e fiador outorgam mutuamente poderes para receberem citações, intimações e notificações judiciais e extrajudiciais, um em nome do outro, não supre a necessidade de anuência expressa do fiador quanto à eventual prorrogação de contrato de locação.

3. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, 5ª TURMA, Recurso Especial 712560/SP, Min.Rel. Arnaldo Esteves Lima, 18/08/2005- DJ 03.10.2005, p. 325).

76 CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. EXONERAÇÃO DA FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. MORATÓRIA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. COMPENSAÇÃO DE VALORES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL TIDO POR VIOLADO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 566.633/CE, firmou o entendimento de que, havendo, como no caso vertente, cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação destes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado.

2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ).

(...)

Recurso Especial improvido.

(STJ, 5ª TURMA, Recurso Especial 827047/SP; Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 06/03/2007, DJ 19.03.2007 p. 389).

(36)

Em que pese a dificuldade de se estabelecer a correta decisão em alguns casos, é inegável a necessidade de se tentar obter uma uniformização da jurisprudência, inclusive com o objetivo de garantir aplicabilidade ao princípio da igualdade. Ou seja, embora não se possa garantir que a jurisprudência pacificada seja a correta (mesmo porque, como já dito, ela está sujeita a modificações), deve-se primar por uma tentativa de uniformização dos entendimentos nos Tribunais.

Passível, portanto, de crítica é a súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza Recurso Extraordinário pela letra “a” do artigo 101, III da CF”. De qualquer forma, vale salientar que, embora não tenha sido revogada, após o advento da Constituição de 1988 e em razão da atual redação do seu artigo 105, III, “a” esta súmula deixou de ser aplicada por parte da jurisprudência78. Tal entendimento não se estendeu, contudo, à súmula 34379, que trata da ação rescisória e apresenta situação análoga à da súmula 400. Vale mencionar, no entanto, que é entendimento pacífico a não aplicação desta súmula 343 em caso de violação à Constituição Federal. Complementarmente, merece menção o fato de que embora de forma incipiente, percebe-se um movimento de parte da jurisprudência para tentar relativizar o conteúdo da referida súmula. Em

78 Conforme entendimento de Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa: “A súmula 400 perdeu quase todo o seu prestígio e raramente é invocada no STJ para não conhecimento do Recurso Especial. Outrora, no STF, ela e as Súmulas 282 e 356, combinadas, constituíam obstáculos dificilmente ultrapassáveis para o conhecimento do recurso extraordinário (sem contar que, antes, em geral, o recorrente precisava vencer o óbice da argüição de relevância). “O enunciado n; 400 da Súmula do STF é incompatível com a teologia do sistema recursal introduzido pela Constituição de 1988 (STJ- 4ª TURMA, REsp 5.936-PR, rel. Ministro Sálvio Figueiredo, j. 4.6.91, deram provimento, v.u, DJU 7.10.91, p. 13.971). (...). (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor, 2006, nota 3 ao art. 255 do RISTJ, p.1932.).

(37)

julgamento de Agravo de Regimental 460.43980, ocorrido em 17 de agosto de 2006, o Ministro Carlos Veloso, em bem fundamentado e elaborado voto vencido, sustentou a inaplicabilidade da referida súmula em casos de violação reflexa à Constituição Federal.

e) considerações sobre a discricionariedade administrativa

Neste contexto convém mencionar que a teoria da discricionariedade judicial teve origem na teoria da discricionariedade administrativa criada para justificar a liberdade conferida por lei ao administrador em determinados casos pré-estabelecidos.

A discricionariedade administrativa consiste no poder81 conferido a determinados agentes da administração para, no caso concreto: a) preencher determinado conceito indeterminado; b) decidir se determinado ato deve ou não deve ser praticado no caso concreto, o momento em que ele deve ser praticado e a forma pela qual ele deve ser praticado, e; c) decidir entre duas ou mais alternativas.

A discricionariedade judicial, a seu turno, consiste no poder conferido aos magistrados para agir nos termos acima, ressalvadas as

80 CORREÇÃO MONETÁRIA DE CONTAS DO FGTS. AÇÃO RESCISÓRIA: APLICAÇÃO DA SÚMULA 343. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO: ÂMBITO DE DEVOLUÇÃO. 1. Ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485), para rescindir decisão que condenara a autora a recompor perdas do FGTS com os denominados "expurgos inflacionários", liminarmente indeferida, por impossibilidade jurídica do pedido, com fundamento na Súmula 343 ("Não cabe ação rescisória, por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais"). 2. RE fundado na contrariedade aos artigos 5º, II, XXXV e XXXVI; 7º, III; e 22, VI, da Constituição, nenhum dos quais tem a ver com o problema da aplicabilidade, ou não, da Súmula 343, em matéria constitucional. 3. No julgamento do recurso extraordinário, ao menos no juízo preliminar de seu conhecimento, é incontroverso que o Supremo Tribunal há de circunscrever-se às questões constitucionais expressamente aventadas na sua interposição. 4. No tocante ao RE interposto na ação rescisória, particularmente, contra decisão que indefere a inicial, é da jurisprudência do Supremo Tribunal que o recorrente há de voltar-se contra as razões desse indeferimento; e não, às questões de mérito enfrentadas na decisão rescindenda (STF, Pleno, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 460.439/DF, Min. Rel. Carlos Veloso, j. 17/08/2006).

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discussões já mencionadas e que têm igual aplicação no âmbito da discricionariedade administrativa no tocante ao preenchimento do conceito legal indeterminado.

Ademais disto, em ambas as teorias o intérprete deve buscar, quando possível, a conduta excelente objetivada pela norma82, de modo a cumprir a sua função de boa administração.

É ai que se encontra, ao nosso ver, a principal distinção entre ambas as discricionariedades. O administrador deve sempre buscar a melhor conduta possível, sob pena de invalidade do ato, passível de controle

jurisdicional. Ou seja, se o administrador - perante duas opções objetivas

na qual uma é, objetivamente definida como melhor do que a outra-, optar pela pior, o seu ato será passível de controle pela via jurisdicional. Em se tratando apenas de uma questão de conveniência e oportunidade, o Judiciário não poderá intervir, sob pena de violação ao princípio da tripartição de poderes.

Em se tratando de ato de discricionariedade judicial, por sua vez, a mesma será controlável pela possibilidade de revisão das decisões (por meio de recursos) e pelo princípio da motivação das decisões judiciais. Eventualmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei, a decisão poderá ser atacada também por ação rescisória. Entretanto, a revisão será sempre feita pelo próprio Poder Judiciário83.

Uma outra diferença interessante e que merece ser apontada consiste no fato de que o órgão da administração pode agir, no exercício de função discricionária em nome próprio, como parte interessada, o que não acontece com o Judiciário que sempre exerce a função de terceiro imparcial.

82 Deve-se deixar consignado que em alguns casos há real impossibilidade de se decidir qual será a solução ideal. Nestes casos a discricionariedade realmente adquire um aspecto mais amplo e o Judiciário não poderá intervir na opção feita pela administração, conforme entendimentos de Celso Antonio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade... cit, p.40).

Referências

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