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Algumas Questões da Política Ambiental

CONCEITOS E APLICAÇÃO NA AMAZÔNIA 1.1 A Questão Ambiental e o Conceito de Sustentabilidade

4) Modelo do Conflito e da Negociação (palavra-chave: conflito);

2.3. Algumas Questões da Política Ambiental

A questão ambiental contém as importantes faces política e pública. Como define a Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88), no Artigo 225, o meio ambiente é patrimônio público, sendo a qualidade ambiental direito de todos, devendo o Poder Público e a coletividade zelar por ela. Cabe ao governo, portanto, a tarefa principal na política ambiental, enquanto mobilizador da coletividade. O direito ambiental inova no

campo jurídico ao introduzir sujeitos como os “interesses difusos” ou “coletivos” para representar a coletividade (FUKS, 1992; MACHADO, 2000).

A sustentabilidade ambiental não está contemplada no mercado: “Entregues a si mesmas, as empresas sempre se esforçarão por externalizar seus custos ecológicos e sociais” (I. SACHS, 1986b, p. 78). Ainda que instrumentos da Economia Ambiental fossem implementados, isso não bastaria, pois “valorar problemas ambientais retira atenção das políticas, valores e sistemas de conhecimento que levaram à crise, e os grupos de interesse que as promoveram” (tradução própria de REDCLIFT & SAGE, 1994, p. 7). Em virtude dessa ausência da esfera privada, autores da área advogam a forte presença do Estado na questão ambiental (ARROW et al, 1995; FERREIRA, 1998; PAEHLKE, 1989).

Define-se a política ambiental pública como o conjunto de regulamentações e ações governamentais que visam a sustentabilidade ambiental das atividades humanas, a conservação dos recursos naturais, a recuperação de ecossistemas degradados, a manutenção dos ciclos ecológicos e a garantia da qualidade ambiental para as gerações presentes e futuras.

A gestão ambiental concretiza a política ambiental. A gestão ambiental pública define-se como forma de condução de processos dinâmicos e interativos na interface do sistema natural com o social, a partir de padrões de modelos de desenvolvimento e conservação almejados. Ela envolve ações, recursos e mecanismos jurídicos e institucionais. A gestão ambiental deve ser compartilhada, mediante a participação política efetiva de todos os atores sociais envolvidos em cada questão (adaptado de IBAMA, 2001). A gestão ambiental trata da adequação das atividades produtivas e dos meios de vida humanos aos limites e condições ecológicas presentes, buscando-se a qualidade de vida atual e futura para o maior número possível de seres vivos. Portanto, materializa-se em planejamentos contínuos de evolução dos cenários atuais para cenários desejados de crescente sustentabilidade ambiental, ou ecológica, das sociedades.

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De modo geral, as políticas ambientais dos países são muito novas, datadas da década de 70 ou 80 (caso brasileiro). Dessa forma, apresentam deficiências características dos processos iniciais, e são marcadas por descontinuidades e respostas reflexas (KRAFT & VIG, 1997).

2.3.1. Conflitos Sócio-Ambientais: Propriedade Privada versus Bem Comum

Um dos temas mais recorrentes nos trabalhos em política ambiental é o conflito entre a propriedade privada e o bem comum. Boa parte da questão ambiental resulta da apropriação desigual de recursos naturais, do lançamento de resíduos em áreas públicas ou pobres e da distribuição desigual do consumo. Tem-se uma “geografia dos proveitos” e uma “geografia dos rejeitos” (GONÇALVES, 2004). Conflitos sócio- ambientais sempre existiram, mas hoje eles são mais graves. Surgem dilemas éticos de difícil solução, em que a degradação ambiental gera questionamentos a alguns pilares do capitalismo, como a liberdade individual e o direito de propriedade (FUKS, 1992; VARNER, 1994).

Dentro da temática dos conflitos sócio-ambientais aparece um novo campo crescente no ambientalismo, o da Justiça Ambiental (CASTELLS, 1999), que se refere à preocupação com a distribuição desigual dos danos e riscos ambientais. Essa desigualdade tem sido relacionada diretamente com as desigualdades de classe (RINGQUIST, 1997); em geral são os pobres, negros e outras minorias as mais expostas aos problemas ambientais, pois habitam em áreas desfavorecidas. Por exemplo, as indústrias de alumínio, energo-intensivas e residuosas, foram ostensivamente transferidas dos países ricos aos pobres nas últimas décadas. Nesse âmbito, também coloca-se em xeque a clássica assertiva de que a questão ambiental é alheia às questões de classe e de “direita-e-esquerda” em política (HERCULANO, 2002; PAEHLKE, 1989).

Políticas ambientais brasileiras têm imposto restrições ao uso da propriedade, principalmente através dos zoneamentos ecológico-econômicos e do estabelecimento de unidades de conservação. Com o mesmo fim, a CF/88 trouxe o conceito da função social da propriedade (IBAMA, 2001, p. 21, 22; MACHADO, 2000).

Tais questões são complicadas no cenário neoliberal, e podem até serem encaradas como utópicas – mas elas são reais, e têm sido trabalhadas em teoria.

A história geográfica do homem pode ser vista como a progressiva apropriação da superfície terrestre pelos grupos sociais - e esta apropriação tem sido, quase sempre, injusta, gerando conflitos sócio-ambientais. Áreas e recursos públicos (commons) são ostensivamente privatizados (tornando-se commodities – mercadorias), com apoio do Estado e prejuízo para a coletividade. A coisa pública é desonestamente apropriada tornando-se negócio das elites, especialmente nos países de tradição colonial (MORAES, 1997; SHIVA, 1991). Um exemplo contemporâneo é a especulação imobiliária ilegal em áreas protegidas, a qual costuma vir acompanhada de alteração arbitrária da legislação ambiental local, mediante alianças de empresários com políticos (GRAF, 2000). Como resultado dos conflitos privado-públicos, têm surgido movimentos anti-ambientais crescentes, em que grupos privados exercem lobbies junto aos legisladores procurando escapar da regulamentação ambiental nas suas propriedades (VIG & KRAFT, 1997).

Enquanto boa parte da legislação ambiental inclui restrições ao uso das propriedades privadas, existe uma teoria que incentiva a privatização dos espaços e recursos naturais – é a chamada “Tragédia dos [Recursos] Comuns” (Tragedy of the Commons) de Garret Hardin, de inspiração neo-malthusiana e darwinista social. Ela afirma que propriedades públicas, coletivas ou comunitárias tendem a ser mal cuidadas, pois cada pessoa fatalmente irá tirar o maior proveito possível da área e seus recursos, e como conseqüência a capacidade de suporte será ultrapassada e surgirão problemas (ou “tragédias”) ambientais (HARDIN, 1968). Dessa forma, advoga o caminho da privatização e do autoritarismo estatal com políticas fortemente coercitivas para evitar o caos. Trata-se da retomada da figura do Estado como o Leviathan de Thomas Hobbes, na crença de que os homens são “naturalmente” individualistas e competitivos entre si (“o homem é o lobo do homem”).

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Numerosos autores, porém, se contrapõem a essa teoria e à privatização de recursos enquanto política ambiental. Se o meio ambiente é definido constitucionalmente como patrimônio público, a privatização do mesmo é uma incoerência teórica e jurídica (MOREIRA, 2000).

Os mesmos autores demonstram, nos seus estudos de caso, como a gestão comunitária ou pública de territórios ou recursos tem gerado melhores experiências de gestão ambiental; é o caso das Reservas Extrativistas, de comunidades ribeirinhas, caiçaras e quilombolas. Nos estudos históricos isso é ainda mais evidente – populações comunitárias atravessaram séculos de sustentabilidade ecológica e igualdade social, o que pode ser encontrado ainda hoje em comunidades ancestrais de todos os continentes (BERKES & FOLKE, 1998; WORLD BANK, 2002, p. 168).48 A competição pelos recursos só aparece

na história quando há absorção das populações tradicionais e de seus modos de vida pelo capitalismo de mercado (DIEGUES, 1994; GONÇALVES, 1989).

A experiência demonstra que, quando grupos de interesse se tornam sujeitos da gestão ambiental em seu próprio espaço, estes são mais capacitados para gerar soluções criativas e eficazes (SACHS, 1986a), as quais os planejadores externos não seriam capazes de formular. Hoje, percebe-se considerável tendência ao cuidado coletivo dos espaços (BOFF, 1999b), e isso é um ponto a ser potencializado pelas políticas ambientais. Mas essa tendência é reconhecidamente incipiente, embora antiga historicamente em sociedades pré- capitalistas, e, nas condições atuais, depende muito da Educação Ambiental para ser desenvolvida – ou resgatada.

Paralelamente, demonstra-se que proprietários privados têm provocado maior degradação ambiental, e que as áreas mais degradadas normalmente não resultam das ações de seus moradores, mas sim de terceiros ou de proprietários ausentes. Isso é nítido na exploração madeireira de florestas nativas. A terra é facilmente re-vendida após a exploração.

48 Berkes & Folke (1998, p. 8) apresentam cinco características dos casos exitosos de gestão ambiental comunitária: 1)