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Ciência e Tecnologia para a Sustentabilidade

CONCEITOS E APLICAÇÃO NA AMAZÔNIA 1.1 A Questão Ambiental e o Conceito de Sustentabilidade

6) Democracia nos processos de decisão (LAFFERTY & MEADOWCROFT, 199;

1.2. Ciência e Tecnologia para a Sustentabilidade

Como foi apresentado, o papel e a estrutura cognitiva da ciência são passíveis de questionamento, de forma que há caminhos diferentes para o seu desenvolvimento na área ambiental. Daniel Alves (2003) estabelece dois sentidos cognitivos opostos para a ciência: “conhecer para controlar” X “conhecer para equilibrar e dar autonomia”. Humberto Maturana (2001) também escreve sobre isso:

“Em nossa cultura ocidental, estamos imersos na idéia de que temos que controlar a natureza, porque cremos que o conhecimento permite o controle. Mas isto, de fato, não ocorre. Se o conhecimento leva a alguma parte, é ao entendimento, à compreensão, e isto leva a uma ação harmônica e ajustada com os outros e com o meio” (p. 55).

A ciência para a sustentabilidade afina-se com os conceitos da complexidade e procura inserir as questões éticas no seu cotidiano. Com isto, provavelmente, a ciência mudará de tamanho: ainda hoje ela é um centro de grande poder, amanhã talvez não mais o seja, será mais cautelosa, preventiva, realista e, quiçá, mais ecológica.

A tecnologia também goza de exagerado tamanho em nosso pensamento (tecnocêntrico) e em nossos centros de poder (tecnocráticos). A maior parte da crítica ao tecnocentrismo na literatura eclodiu na década de 70, com autores tais como Habermas, Marcuse, Theodore Roszak, Langdon Winner, Jacques Ellul e Barry Commoner (este último ressaltando os aspectos ambientais). Problematiza-se o próprio cerne da tecnologia, normalmente atrelada à maximização dos lucros, e não à minimização dos impactos ambientais. Características comuns dos padrões tecnológicos dominantes são: alto consumo de recursos, alta geração de resíduos, adaptados a grandes escalas de produção, baixa intensidade de trabalho e criatividade humana.

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Como contraponto, a busca da sustentabilidade sócio-ambiental demanda tecnologias alternativas, segundo as denominações a seguir: tecnologias apropriadas (adaptadas às vocações locais e pequenas escalas), tecnologias limpas, brandas ou suaves (softs), tecnologias ambientalmente sustentáveis ou “amigáveis” (friendly) e eco- técnicas.

Para que a C&T incorpore as prioridades ambientais, ressalta-se a importância das políticas públicas; no caso, das políticas de C&T. A inserção da temática ambiental nestas políticas ainda é tímida. Segundo Chlöe Furnival (2001), o envolvimento dos cientistas com o tema ambiental é desencorajado pelas instituições que os empregam, como as universidades, ainda que de modo implícito. Nesse contexto, é pouco possível a aplicação das recomendações da Agenda 21 para que a ciência inclua a dimensão ambiental em seu desenvolvimento. A questão ambiental envolve ação política, e, dentro da visão da ciência neutra, é como se cientistas que atuassem estivessem “fugindo do trabalho”. Cientistas que atuam na questão ambiental o fazem mais nas horas vagas, normalmente por meio das ONGs e, ironicamente, é através delas que conseguem financiamento para suas pesquisas científicas de cunho ambiental. Faz- se necessário internalizar a questão ambiental nas políticas de C&T em todas as suas fases de pesquisa e desenvolvimento.

1.2.1. Um Paradigma Sócio-Técnico “Verde”

Economia e Tecnologia andam juntas, sendo esta última decisiva para o capitalismo. Como investigou Schumpeter, o capitalismo industrial é movido pelos ciclos das inovações tecnológicas. A mudança necessária é abrangente, para que se possa buscar um novo paradigma tecno-econômico (ou sócio-técnico) “verde” (FORAY & GRÜBLER, 1996; KEMP & SOETE, 1992). Esses autores enfatizam a necessidade de novas tecnologias para a questão ambiental, por exemplo para o diagnóstico e simulação de impactos ambientais. Sem dúvida, a questão ambiental é uma das mais intensivas em C&T. Mas é preciso ampliar o leque – não bastam tecnologias remediatistas, do tipo end-

of-pipe (“fim da chaminé”). Este caminho é paliativo e não de soluções. Através dele, os problemas ambientais apenas mudam de lugar ou de estado físico. E mantém-se o círculo vicioso de dependência de tecnologias intensivas em matéria, energia e resíduos em seu ciclo-de-vida.

A instalação de um paradigma sócio-técnico verde esbarra na inércia típica das trajetórias tecnológicas estabelecidas. Esta inércia é tecnológica e institucional, pois o desenvolvimento tecnológico está condicionado a diversos fatores, tais como padronização e lock-in. Como conseqüência, a reorientação das trajetórias demanda políticas que promovam inovações induzidas e radicais (FORAY & GRÜBLER, 1996; KEMP & SOETE, 1992).26 As novas tecnologias encontram-se, por definição, em posição

desfavorável, pois são mais caras, pouco conhecidas e, em geral, insuficientes em qualidade. M. Castells (1999) demonstra que as revoluções tecnológicas são induzidas pelas políticas públicas, elas não surgem espontaneamente, ainda que sua lucratividade seja provável. Outra dificuldade é que as inovações “verdes” possuem relativamente pouca demanda de mercado. Estabelecer mercados verdes necessita de fortes incentivos governamentais, pois a população, especialmente a menos favorecida, não está disposta a pagar mais caro por produtos ecológicos.

1.2.2. Tecnologias Apropriadas e Eco-Técnicas

Duas abordagens coerentes entre si e úteis para a interface ambiental da tecnologia são as das tecnologias apropriadas e das eco-técnicas (tal qual definidas pelo Ecodesenvolvimento).

O conceito da tecnologia apropriada surgiu com Mahatma Gandhi, em 1909, enquanto tecnologia adaptada às características específicas de cada comunidade (ORTEGA, 1987, apud LOPES, 1999, p. 26). Priorizam-se os recursos, conhecimentos, técnicas, necessidades e padrões culturais locais. Por sua vez, as eco-técnicas do

26 Existem dois tipos básicos de inovação: as que ocorrem “naturalmente” dentro da trajetória tecnológica estabelecida, chamadas de caminho-dependentes (path-dependent), e as inovações induzidas por políticas. As inovações também podem ser classificadas entre radicais e incrementais (estas últimas não promovem mudanças significativas no setor produtivo ou nos padrões de consumo) (FORAY & GRÜBLER, 1996).

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Ecodesenvolvimento parecem absorver o conceito de tecnologia apropriada e ampliá-lo com a inserção dos critérios ecológicos. Também no Ecodesenvolvimento a referência é a comunidade local (que pode ser de pequena escala até de um país), buscando-se a auto- sustentabilidade endógena (self-reliance). Resulta um arcabouço conceitual que pretende- se ecologicamente adequado, socialmente justo e participativo. As eco-técnicas possuem as seguintes características (adaptado de LOPES, 1999 e SACHS, 1986a):

Voltadas para o self-reliance a as necessidades básicas locais. Utilizam-se de diagnósticos e planejamentos participativos. São adaptadas a pequenas escalas de produção, ou a empreendimentos descentralizados, e às condicionantes sócio-culturais.

São planejadas segundo a minimização de impactos ambientais. Buscam a integração homem/natureza. Demandam estudos prévios sobre o ecossistema local. Além disso:

Adotam o Princípio da Precaução.

Priorizam recursos naturais e energéticos renováveis e/ou de baixo impacto. A taxa de extração de recursos deve ser condicionada às suas taxas de reposição. Prioridade absoluta para recursos locais.

São de baixa intensidade energética e material.

São não-residuosas e evitam desperdícios. Prevêem a gestão ambiental de resíduos e a responsabilização dos produtores por eles.

Promovem a reciclagem de resíduos e sub-produtos, priorizando atividades no próprio local de produção.

Promovem produtos de longa vida-útil e recicláveis.

São trabalho-intensivas27 e incluem trabalhos, benéficos para a auto-realização do ser

humano. “O homem não deve ser apêndice das máquinas”. Permitem a coexistência com modalidades artesanais.

São planejadas para condições de igualdade, participação social, auto-gestão e sistema coletivo de propriedade.

Apresentam simplicidade tecnológica e organizacional.

Fazem dialogar os saberes tecno-científicos com os tradicionais. São de baixa ou nenhuma insalubridade / periculosidade. São pouco intensivas em capital.

Buscam a diversificação da produção.

São flexíveis, sendo abertas a novas necessidades, a críticas sociais e mudanças institucionais, pois, como são adaptadas localmente, constituem-se de sucessivas experimentações e aprimoramentos.

27 Muitas tecnologias ambientalmente sustentáveis são trabalho-intensivas, como as de conservação e recuperação ambiental, reflorestamento, agro-ecologia, coleta seletiva e reciclagem de lixo.

No Brasil, as eco-técnicas e as tecnologias apropriadas enfrentam barreiras relacionadas às condicionantes históricas de dependência externa, onde há baixo desenvolvimento tecnológico endógeno.

1.3. A Ecologia como Porta-Voz do Paradigma Sistêmico: