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CONCEITOS E APLICAÇÃO NA AMAZÔNIA 1.1 A Questão Ambiental e o Conceito de Sustentabilidade

15) Promover ampla participação política na elaboração e implementação de todas as

1.5.1. Problematizando o Manejo Madeireiro

O manejo florestal madeireiro tem sido apresentado como uma tecnologia ambientalmente sustentável. No entanto, há considerável discordância a respeito, como será desenvolvido a seguir.

A Engenharia Florestal, fundada nas universidades alemãs no século XVIII, trouxe as bases do conservacionismo. Como ocorre em outros ramos da engenharia, o utilitarismo é marcante; o objetivo é otimizar o uso econômico dos recursos florestais. Segundo Vandana Shiva (1991), a Engenharia Florestal pratica uma ciência reducionista a serviço do capital. Seria preciso que ela se direcionasse para uma

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ciência “ecológica e orientada para o interesse público” (tradução própria de p. 114).

Wolfgang Sachs (2000) diz que a chegada dos engenheiros na floresta indiana substituiu a violência dos lenhadores e tratores pelos “exploradores bem-educados, munidos de pranchetas e tabelas, os peritos de fala mansa. (...) [Com seu discurso], seduzem os habitantes do vilarejo a tornarem-se pequenos madeireiros. (...) Pouco importou diante destas prioridades forasteiras o significado que a floresta tinha para os aldeões que nela viviam” (p. 126). A motivação central da Engenharia Florestal é a exploração de madeira, pouco constando, na formação acadêmica, a imensa gama de recursos florestais. Em sua expressão moderna, incorporando as exigências da legislação ambiental, a exploração se dá segundo o “manejo sustentável”. Alguns autores, como os supra-citados, posicionam-se contra o manejo madeireiro enquanto política de desenvolvimento

sustentável ou política ambiental,40 desde biólogos da conservação, ecólogos, até

gestores ambientais (ALBAGLI, 1998; JESUS, 2002; RÊGO, 2001). As técnicas do manejo diminuem os impactos da exploração convencional, sendo adequadas, portanto, para

substituir práticas predatórias e ilegais de empresas madeireiras,41 mas não são

adequadas para aplicação em larga escala nas florestas.

O manejo madeireiro vem sendo incentivado na Amazônia sob a argumentação de que somente a exploração de madeira pode garantir a conservação florestal, por ser este o único recurso rentável. Ora, não se podem desconsiderar outras fontes de renda potenciais e de crescimento certo no futuro próximo (FEARNSIDE, 2001; LEITE, 2004), como o extrativismo dos diversos produtos florestais, o eco-turismo, a remuneração pelos serviços ambientais, a bio-prospecção e repartição de benefícios pelos recursos genéticos e instrumentos financeiros como o ICMS ecológico e a isenção do ITR em áreas preservadas. Por outro lado, é preciso considerar as abundantes funções não-econômicas da floresta, mas sim ecológicas e sócio-culturais, às quais a exploração madeireira pode prejudicar.

40 Contraditoriamente, o manejo madeireiro vem sendo estimulado por algumas políticas públicas como o PNF (Programa Nacional de Florestas) e o Promanejo do IBAMA.

41 Estima-se que 80% da madeira oriunda da Amazônia seja ilegal, e que somente 3% seja extraída mediante planos de manejo aprovados pelo IBAMA (ALBAGLI, 1998).

Embora o conceito do manejo florestal envolva a totalidade e imensa variedade dos produtos florestais, hoje divididos em “madeireiros” e “não-madeireiros” (PFNMs), como frutas, sementes, óleos, resinas, cascas, cipós, palhas, plantas medicinais, aromáticas ou alimentícias, ele tem sido aplicado largamente para a madeira, quase como um sinônimo de manejo madeireiro (SOUZA, 2002, p. 74). O próprio termo não- madeireiros demonstra um preconceito intrínseco, da centralidade da madeira e respectivo menosprezo dos demais produtos, e reforça a idéia de que a floresta é um “estoque de madeira explorável”. Não há, na legislação brasileira a respeito (IN n. 04 de 04/03/2002 do MMA), quaisquer destaques aos PFNMs, pelo contrário: a classificação dos produtos é “madeira, palmito e outros”. Porém, ecólogos atestam que a exploração de PFNMs é certamente menos impactante do que a de madeira. Outro problema é que a madeira acaba sendo, na prática, um produto concorrente dos PFNMs (LEITE, 2004), o que fica evidente na exploração de árvores como a copaíba, o ipê roxo e o jatobá. Shiva (2000) assim define o manejo madeireiro: “Um eufemismo para oficializar a destruição gradual das florestas e do direito das populações locais aos seus produtos” (p. 307).

Para cada árvore derrubada, outras 30 são danificadas, e o rastro da exploração costuma abrir brecha para a ocupação das terras com a pecuária, a grilagem e o acesso a áreas protegidas (ALBAGLI, 1998). Além disso, como investigou André Luiz L. de Souza (2002), o manejo madeireiro não tem obedecido às exigências legais, pois as madeireiras se valem da ausência de fiscalização ambiental. Os inventários de flora e fauna e o levantamento de impactos ambientais (com respectivo plano de minimização), costumam ser mal feitos ou falsos, e mais de 70% dos planos de manejo vistoriados pelo IBAMA em 1997 estavam ilegais. O autor conclui:

“O que se tem verificado atualmente na Amazônia é um processo de

destruição das florestas sob a chancela oficial do manejo florestal, que tem sido usado de forma ardilosa pelos empresários da madeira e de forma hipócrita pelos órgãos oficiais de gestão dos recursos florestais” (p. 225).

A regulamentação do manejo traz muitos critérios sociais (como segurança no trabalho), mas poucos ambientais, segundo as próprias organizações certificadoras

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(DIAS, 2004). Além disso, as árvores maiores e mais velhas, de alta importância ecológica, não são “renováveis”,42 e são justamente as recomendadas para exploração, o

que gera a degradação ecológica e descaracterização da paisagem das florestas. Quanto ao ciclo de corte de 30 anos, argumenta-se que, neste período, a floresta estará regenerada, próxima ao seu estado original. Ora, esta assertiva não tem comprovação teórica nem empírica, e tem sido fartamente questionado, em pesquisas científicas e em demonstrações de fracasso do manejo madeireiro no México e na Ásia (AMÂNCIO, 2005; RÊGO, 2001; SCHULZE et al, 2005; SOUZA, 2002). Um estudo demonstrou que, no segundo ciclo de corte (após 30 anos), obtém-se apenas 4% do volume anteriormente extraído de ipê-roxo e 25%, no caso da maçaranduba (SCHULZE et al, 2005). O manejo madeireiro supõe a regeneração natural da floresta a partir das clareiras abertas, mas isto não ocorre a contento nas florestas tropicais, como foi visto anteriormente. Além disso, as clareiras promovem o crescimento de espécies pioneiras, e não de espécies de valor econômico (como se espera no manejo).

Pelos motivos expostos, a exploração madeireira, mesmo quando manejada, tem sido chamada de “desmatamento oculto” (ALENCAR et al, 2004).

Os problemas têm vários motivos, mas alguns residem na própria origem científica e tecnológica do manejo. Ele foi concebido para buscar a sustentabilidade econômica da madeira no longo prazo, e não a sustentabilidade ecológica – a qual ainda não está equacionada, nem na pesquisa e nem nas exigências legais. “A floresta é percebida como estoque de recursos. (...) A preocupação com a sustentabilidade é decorrente de um objetivo econômico e a preocupação em manter o ecossistema está subordinada a este objetivo” (SOUZA, 2002, p. 54). Estudos ecológicos preliminares (já que, praticamente, não se verificam investimentos nestes estudos) sugerem que seria necessário um maior ciclo de corte, um menor número de árvores exploradas por hectare, a manutenção de porções intactas de floresta no interior dos talhões explorados e o plantio de mudas das espécies retiradas

42 O conceito de renovabilidade dos recursos naturais é relativo (SOUZA, 2002), ao contrário do que normalmente se classifica. Por exemplo, a exploração do mogno pode causar sua extinção, já que sua regeneração em condições normais é extremamente improvável.

na pós-exploração (reflorestamento) – este plantio, na legislação atual, só é exigido para o mogno. Autores sugerem que algumas espécies correm o risco de extinção comercial no curto prazo assim como o mogno, devido à inadequação das normas conforme a ecologia das espécies. Normas mais restritivas como as do mogno seriam necessárias para diversas outras espécies de árvores (SCHULZE et al, 2005). Ora, se as normas já são inadequadas (frouxas), e elas sequer têm sido obedecidas (SOUZA, 2002), pode-se aferir acerca do enorme impacto ecológico que a adoção maciça do manejo madeireiro pode causar na Amazônia.

O “manejo florestal de uso múltiplo”, este sim, é adequado enquanto política ambiental, pois trata do uso dos recursos florestais como um todo. Sua definição é a seguinte: “administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema (...)” (IN n. 04/2002 do MMA), ou, de forma mais elaborada:

“O manejo florestal constitui o conjunto de atividades desenvolvidas antes, durante e após a exploração, com vistas a garantir a máxima eficiência da colheita com o mínimo de danos ecológicos à floresta remanescente, de forma que novas safras sejam extraídas, em ciclos regulares e infinitos de exploração” (SOUZA, 2002, p. 86).

O problema é que, normalmente, o “uso múltiplo” é apenas um discurso para obter financiamentos; na prática, o manejo acaba sendo direcionado à madeira. Um dos vícios embutidos nesse processo é o de que somente os engenheiros florestais podem assinar pelo planejamento e vistoria dos planos de manejo, o que configura um caso de corporativismo, perante o qual se questiona a ausência de biólogos e outros profissionais, em equipes multidisciplinares, que pudessem avaliar a sustentabilidade ecológica. Depara-se com os limites do reducionismo para as análises ambientais.

O movimento dos seringueiros nas décadas de 70 e 80, liderados por Chico Mendes no Acre, foi importante para estimular a elaboração de políticas ambientais e a consciência ambiental em geral. Iniciou-se com o movimento pacífico, porém intenso,

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dos empates, que consistiam no agrupamento de diversos seringueiros e suas famílias formando uma barreira humana junto às árvores, evitando a entrada das moto-serras e tratores para a sua derrubada. Na época, a borracha e outros produtos florestais ainda obtinham boa renda. Ao mesmo tempo ocorria o movimento Chipko, na Índia, bastante semelhante, segundo o qual as mulheres abraçavam as árvores e de lá não saiam (SHIVA, 1991).

Trinta anos depois, já é significativo o número de seringueiros interessados em explorar madeira.43 Os indianos foram os primeiros a serem visitados pelos

engenheiros florestais, ainda no século XIX – hoje são os seringueiros do Acre e as comunidades de toda a Amazônia, numa era em que todos, inclusive os infratores ambientais, se dizem “ambientalistas”.

Além dos problemas ecológicos, há problemas sócio-culturais no manejo. No Acre têm-se observado conflitos, desagregação social e piora da qualidade de vida quando se aplica do manejo madeireiro em assentamentos. Poucas famílias são incluídas nestes projetos, o que causa, de antemão, a desunião, pois, no curto prazo, as famílias beneficiadas ganham mais dinheiro. Mas o principal problema é que se abrem caminhos de comércio de madeira antes inexistentes no local (novas estradas na floresta, vinda de compradores, presença de lobistas e técnicos da área madeireira), estimulando a clandestinidade. Além disso, a renda não é tão boa quanto se propaga – a renda ainda se concentra nos outros elos da cadeia produtiva. Projetos de manejo não-madeireiros, como de óleo de copaíba, atendem muito mais famílias e rendem até três vezes mais do

43 Aqui transcreve-se um trecho da entrevista de Osmarino Amâncio, um morador da RESEX Chico Mendes contrário ao manejo madeireiro: “A política que o Ministério do Meio Ambiente está desenvolvendo, é uma política perigosa e que ta legalizando a depredação, o Projeto de Florestas Públicas é isso, sabe? O Projeto abre espaço para biopirataria muito pior do que a gente viveu antes. Eles fizeram várias conferências no Acre e na Amazônia para convencer a população a implementar o manejo de madeira dentro das Reservas, encontraram resistência até o último. Mas aí foi o tempo que a Marina vai pra lá e os credores, os Bancos Mundiais da vida, Comunidade Européia e várias agências financiadoras já eram simpáticos a essa idéia. (...) A Amazônia era tida como um vazio demográfico a ser ocupado pelo progresso e desenvolvimento de que eles falavam: pecuária, as BRs, as grandes hidrelétricas e os garimpos. O pessoal aceitou tudo isso e nunca saíram da pobreza, esse filme eu já vi. A madeira é a mesma coisa, é a única coisa que falta pra eles, pro capitalismo realmente chegar e causar o pior desastre. (...) [Para as Reservas Extrativistas] a conseqüência é drástica. Você causa o desastre ecológico e ambiental, você desvaloriza a colocação com a retirada das madeiras nobres e a proposta das Reservas Extrativistas ‘vai pros paus’, porque já acabou a floresta. Então vamos colonizar mesmo, porque já acabou o extrativismo, acabou tudo. O que vai acontecer com os engenheiros florestais que tão fazendo estas propostas? Daqui a 30 anos eles estão muito bem aposentados. E nós? E as nossas gerações futuras? Nós temos que primeiro conhecer o potencial da Amazônia. Ora! Nós nem conhecemos o potencial” (AMÂNCIO, 2005)!

que a madeira para cada produtor (LEITE, 2004). Um seringueiro do Acre, entrevistado, assim descreveu os problemas do manejo madeireiro:

“O pessoal do manejo vendeu a madeira, mas pagou um monte de taxa e tirou pouco dinheiro; os vizinhos que não entraram no manejo venderam madeira de qualquer jeito e recebendo até mais que quem estava no manejo. Aí todo mundo começou a vender de qualquer jeito. O resultado é que hoje é difícil achar madeira até para fazer casa, sem falar na caça, onde só ficou tatu, que gosta de balseiro” (LEITE, 2004, p. 91).