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4.4 A necessidade de proteção da moralidade administrativa no ordenamento pátrio: a

4.4.4 Alguns aspectos da persecução penal da corrupção

O Direito Penal tem como objetivo tutelar as práticas sociais consideradas relevantes, através do próprio consenso social que expressa, por meio do direito, quais condutas são ou não adequadas à convivência em sociedade e à atividade do Estado. Embora em sua acepção clássica tal disciplina jurídica tenha se reservado à preservação de bens jurídicos relacionados à vida e à liberdade, hoje o Direito Penal tem a missão de proteger uma série de bens de caráter imaterial da sociedade, assumindo notável protagonismo, principalmente nos últimos anos, quanto ao combate à corrupção.

A corrupção, dentro do âmbito penal, é tratada no Título XI do respectivo Código Penal, que prescreve os crimes contra a Administração Pública. Uma série de condutas atentatórias do

481 BRASIL. Medida provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015. Altera a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de

2013, para dispor sobre acordos de leniência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Mpv/mpv703.htm>. Acesso em: 12/12/2015.

desenvolvimento da atividade administrativa, com caracteres de corrupção, estão previstas no diploma penal, objetivando proteger a moralidade administrativa.

Dentre os crimes contra a Administração que estão relacionados a corrupção, estão o peculato (art. 312), a inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A), a modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B), o emprego irregular de verbas públicas ou rendas públicas (art. 315), a concussão (art. 316), corrupção passiva (art. 317), facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318), prevaricação (art. 319), condescendência criminosa (art. 320), advocacia administrativa (art. 321), violação de sigilo funcional (art. 325), violação de sigilo de proposta de concorrência (art. 326), tráfico de influência (art. 332), corrupção ativa (art. 333), impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335), corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B), tráfico de influência em transação comercial internacional (art. 337-C), exploração de prestígio (art. 357) e violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358).482

Todos os tipos legais apontados possuem relação com a moralidade administrativa, na medida em que objetivam proteger, de alguma maneira, a ética pública, impondo aos agentes uma atuação pautada nos procedimentos legais adequados e na probidade. Na verdade, a regulação penal é fruto do próprio anseio social, na medida em que os cidadãos reconhecem a necessidade de comportamentos éticos, probos, moralizados no exercício da função Pública. 483 Tal proteção se refere, essencialmente, a um interesse público primário da sociedade, punindo os indivíduos que atentarem contra todos por meio de ações corruptas, contaminadas pela imoralidade administrativa. 484

Nos últimos anos, o sistema de combate à corrupção tem sofrido significativas mudanças. Uma delas é o aumento das ações penais em face de crimes de corrupção na última década. Para se ter uma ideia, nos anos de 2012 e 2013 as ações penais ultrapassaram as ações de improbidade administrativa, demonstrando a expansão da esfera criminal punitiva em face da esfera civil. Neste sentido, confira-se o quadro que segue: 485

482 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Op. cit., p. 43.

483 BELLO, Enzo. Perspectivas para o Direito Penal e para um Ministério Público Republicano. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 261-262.

484 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 173.

QUADRO 5: Ações Penais relacionadas aos crimes contra a Administração Pública

Tribunal Julgados em 2012

Julgados em 2013

Julgados Ainda pendentes de julgamento STJ 276 319 595 374 TRF1 401 405 806 1003 TRF2 1168 925 2093 756 TRF3 3024 1075 4099 614 TRF4 3764 1605 5369 1154 TRF5 1471 731 2202 740 TJAC 105 87 192 45 TJAL 107 52 159 69 TJAM 40 45 85 342 TJAP 382 122 504 11 TJBA 184 158 342 1654 TJCE 466 760 1226 660 TJDFT 225 217 442 124 TJES 163 58 221 253 TJGO 543 668 1211 732 TJMA 190 180 370 251 TJMG 4350 3286 7636 8988 TJMS 360 200 560 249 TJMT 379 332 711 718 TJPA 144 116 260 402 TJPB 32 175 207 190 TJPE 437 644 1081 1038 TJPI 3 5 8 40 TJPR 421 357 778 1280 TJRJ 995 2619 3614 376 TJRN 152 187 339 159 TJRO 78 44 122 15 TJRR 147 90 237 137 TJRS 5 41 46 9 TJSC 1276 992 2268 1336 TJSE 158 193 351 22 TJSP 2154 1715 3869 3218 TJTO 49 87 136 187 TJMRS 154 91 245 4 TJMSP 237 75 312 3 TJMMG 100 60 160 16 TOTAL 24.140 18.716 42.856 27.169 Fonte: CNJ, 2015. Nota: Dados trabalhados pela autora.

Comparando-se os dados do quadro 5 com os dados do quadro 4, percebe-se que as ações penais de combate à corrupção superaram as ações de improbidade nos anos de 2012 e 2013. Isto se deve ao fenômeno da criminalização dos atos atentatórios à moralidade

administrativa, reflexo da necessidade social de punir de maneira mais severa os atos de corrupção praticados pelos agentes públicos.

Mas a impunidade destes ainda é uma realidade recorrente no controle criminal da corrupção, uma vez que a taxa de condenações nesta seara ainda é pequena. Neste sentido, a pesquisa realizada por Alencar Gico Jr., citada anteriormente, revela também que as chances de um servidor público corrupto ser processado criminalmente são de 34,01%, enquanto a possibilidade deste mesmo servidor ser condenado criminalmente é de 3,17%.486

Em um levantamento realizado em 2013 pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), dos 548 mil encarcerados no Brasil, apenas 722 estavam presos por cometerem delitos de corrupção, que são crimes mais prejudiciais à sociedade do que os delitos contra o patrimônio privado como roubo e furto, responsáveis por 49% dos presos no Brasil. Do total dos 722 indivíduos encarcerados, 0,5% foram efetivamente condenados por crimes contra a Administração Pública, sendo apenas 0,12% punidos pelo crime de corrupção ativa, enquanto praticamente nenhum indivíduo (0,01%) foi punido por corrupção passiva:487

Fonte: CONGRESSO EM FOCO, 2013.

486 ALENCAR, Carlo Higino Ribeiro de; GICO JR., Ivo. Op. cit., p. 89.

487 CONGRESSO EM FOCO. Por quais crimes as pessoas estão presas aqui no Brasil. Op. cit. 49%

25% 12%

6%-1%

8%

GRÁFICO 6: Classificação dos presos a partir dos tipos

legais

Fonte: CONGRESSO EM FOCO, 2013.

Deve-se levar em conta outros dados que não foram incorporados nas pesquisas supramencionadas, tais como os provenientes da operação Lava Jato até este ano. De acordo com o Ministério Público Federal, houveram 62 prisões preventivas e 63 prisões temporárias, provenientes de 37 acusações criminais em desfavor de 179 pessoas acusadas pelos crimes de corrupção, contra o sistema financeiro internacional, tráfico internacional de drogas, formação de organização criminosa, dentre outros. 488 Destes 179 acusados, 19 já foram sentenciados e condenados a penas superiores a oitos anos de reclusão, enquanto 7 indivíduos foram condenados com penas entre quatro e oito anos, o que deve ser considerado como um verdadeiro avanço em termos de concretização do controle jurídico criminal da corrupção.489

Mesmo diante deste notório avanço jurídico, é preciso reconhecer que a legislação penal protetiva da moralidade administrativa ainda precisa evoluir bastante. Persiste um existe um alto grau de impunidade, decorrente do próprio sistema persecutório e da forma com o qual os tribunais pátrios têm julgados os casos de corrupção. O sistema jurídico, assim, precisa assumir um maior protagonismo desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade e respeito à

488 MPF. A Lava Jato em números. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-

instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1>. Acesso em: 12/12/2015.

489 CARVALHO, Cleide. Na Lava-Jato, 19 condenados podem ter prisões antecipadas. O Globo. Disponível em:

<http://oglobo.globo.com/brasil/na-lava-jato-19-condenados-podem-ter-prisoes-antecipadas-18705623>. Acesso em: 19/02/2016. 50% 2% 3% 24% 21%

GRÁFICO 7: Crimes contra a administração pública

Peculato Concussão e excesso de exação

Corrupção passiva Corrupção ativa

moralidade administrativa dentro do próprio espaço social, na medida em que a corrupção ainda é pouco punida no Brasil. Neste sentido, interessante o posicionamento de Petrelluzzi e Rizek Júnior:

O Direito Penal precisa se atualizar nesta área, com a edição de um novo estatuto que tipifique as condutas criminais que caracterizam a corrupção, dando-hes tratamento diferenciado, inclusive no que toca a normas processuais e de execução da pena. Exemplificativamente, assim como é importante, quando se trata da criminalidade violenta, contar com instrumentos eficazes de investigação e de medidas assecuratórias como é o caso da prisão provisória ou da prisão preventiva, no âmbito dos crimes que caracterizam a corrupção, outras medidas, como a indisponibilidade e o sequestro de bens, a nomeação de administrador de bens ou mesmo o afastamento preventivo das funções públicas, devem poder ser tomadas de forma mais ágil e eficaz, ainda dentro da fase de inquérito policial e durante o curso do processo criminal.

De lembrar, também, que seria importante, a par das disposições sobre réus colaboradores, já previstas na Lei n. 12.850/2013, estabelecer-se uma disciplina especial para os acusados que queiram colaborar com a justiça, na hipótese de crimes contra a corrupção, como já se fez na lei de lavagem de dinheiro e na de organizações criminosas.

De todo modo, a legislação penal brasileira é razoavelmente dotada de amplitude para a repressão desse tipo de conduta. Faltem, talvez, alguma profundidade nas medidas assecuratórias e certo incremento nas sanções para que se possa utilizar o Direito Penal de forma mais eficaz no combate à corrupção.490

Portanto, é preciso reconhecer os avanços obtidos nos últimos anos, em termos de combate à corrupção, como é o caso da Operação Lava Jato, que inaugurou um novo momento para o direito punitivo brasileiro. Mas também é preciso reconhecer os desafios que ainda se impõem, tal como exposto pelos autores acima mencionados. O ordenamento jurídico está dotado com uma série de normas de caráter penal que visam reprimir a corrupção e proteger à moralidade, mas é preciso dar operacionalidade a estas normas para evitar a impunidade, agilizando medidas assecuratórias e as próprias punições.