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O combate à corrupção como objetivo central dos Estados na contemporaneidade

Os Estados contemporâneos, convencidos de que o combate à corrupção é essencial ao desenvolvimento econômico-social de todo o mundo,509 se unem em nível internacional para combater à corrupção. Estas ações foram influenciadas, em boa parte, pelas reformas estruturais da década de 1990, que passam a reconhecer na corrupção um verdadeiro entrave à efetivação da boa governança.

Para dar efetividade aos novos objetivos dos Estados, criam-se inúmeras organizações internacionais com o objetivo de atuar exclusivamente no combate à corrupção. Organizações como ONU passam a empreender esforços conjuntos no combate à corrupção ao lado dos países e das novas instituições.

Por isto, as Nações Unidas têm buscando a cooperação dos Estados pelo mundo, com o objetivo de resolver os problemas relativos à corrupção, que se tornaram prioridade para a organização. Neste sentido, foi criado o “Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e Crime”, um órgão dentro das Nações Unidas que atua em várias frentes, para além do combate à corrupção, e foi editada a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, através da resolução 58/4 de 31/10/2003.510

As Nações Unidas compreendem a complexidade da corrupção enquanto fenômeno político, social e econômico que afeta todos os países do mundo. Para o organismo, a corrupção vem causando enorme prejuízo às instituições democráticas, pois ela impede o desenvolvimento econômico dos países e gera instabilidade política. Além disso, admite que a corrupção distorce os procedimentos eleitorais, destrói as bases do Estado de Direito e deslegitima a burocracia estatal. Não é por outra razão que há um enorme desestímulo aos investimentos externos nos países dominados pela corrupção, pois as empresas deixam de criar e investir em países por causa dos “custos” que a corrupção causa.511

Por estes vários motivos, o combate à corrupção se tornou uma efetiva prioridade dos organismos internacionais no final do Século XX, entrando, definitivamente, na pauta das preocupações globais. De acordo com Baigun e Rivas, o combate internacional da corrupção

509 VIEIRA, Judivan J. Perspectiva do Direito Internacional sobre a Corrupção – Livro IV. Brasília:

Thesauros, 2014. p. 39.

510 Ibid., p. 34.

511 UNODC. UNODC e Corrupção. Disponível em: <http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/index.html>.

se tornou ainda mais necessário com o crescimento da economia de mercado, com o aumento das relações comerciais entre os países e das comunicações globais, sintomas do processo de globalização. Especificamente por causa deste processo, novas formas de corrupção surgem e se expandem mais rapidamente, o que também motivou os países a se organizarem para combater esta chaga de forma mais organizada e efetiva.512 Foi justamente nesse período que surgiram diversas organizações internacionais voltadas exclusivamente para o combate da corrupção e para o seu acompanhamento nos países.

5.1.1 O compromisso assumido pelo Brasil na órbita internacional: a ratificação das Convenções Anticorrupção

Como visto, os Estados, comprometidos com o desenvolvimento social, passam a atuar ao lado das organizações internacionais na promoção de instrumentos jurídicos efetivos no combate à corrupção. Assim, editam-se as primeiras convenções sobre o combate à corrupção, que passa a ser planejado em nível regional e global, como é possível ver no quadro abaixo:

QUADRO 6: Convenções dos Sistemas Regional e Global de combate à corrupção

Sistema Organismo Convenção Ano de

edição Global OCDE Convenção sobre o combate da corrupção de

Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais

1997

Global ONU Convenção das Nações Unidas contra a corrupção 2003 Interamericano OEA Convenção Interamericana contra a corrupção 1996

Europeu COE Convenção relativa à luta contra a corrupção envolvendo funcionários dos Estados membros da União Europeia;

Convenção Penal sobre a corrupção; Protocolo adicional à Convenção Penal; Convenção Civil sobre a corrupção

1997

1999 2003 1999 Africano OUA Convenção da União Africana sobre a Prevenção e

luta contra a corrupção

2003

Árabe LEA Convenção Árabe contra a corrupção 2010

Fonte: Adaptado de Sarmento, 2015 Nota: Dados trabalhados pela autora.

Destas Convenções, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana Contra a Corrupção, a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Todas elas foram devidamente incorporadas ao ordenamento jurídico através dos Decretos 4.410/2002, 3.678/2000 e 5.687/2006, fazendo, assim, parte do quadro normativo pátrio de combate à corrupção.513

A Convenção Interamericana Contra a Corrupção (CICC) surgiu do esforço conjunto dos países americanos na luta contra à corrupção. Foi protagonizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), assinada em Caracas, na Venezuela, em 1996, sendo ratificada por 34 dos 35 países que compõem o território das Américas. Trata-se de um tratado internacional regional que convida aos países americanos a criminalizar o suborno e realizar a cooperação de uns com os outros a fim de reprimir os atos de corrupção e conseguir recuperar os valores ilícitos que saíram dos cofres públicos desses países.514

Diante da necessidade real de uma Convenção para regular o combate à corrupção em meio às transações comerciais, no final de 1997 o Conselho da Organização para a Cooperação Econômica e para o Desenvolvimento (OCDE) decidiu implementar a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, diploma ratificado por 41 países em todo o mundo.515 Esta Convenção surgiu

513 Com relação à incorporação destas Convenções, existe enorme controvérsia doutrinária acerca de qual seria a

forma de internacionalização das mesmas no ordenamento. Para a doutrina dominante, isso se daria através de um processo específico, distinguindo-se assim as normas provenientes do direito interno das normas de direito internacional, o que expressa a teoria dualista moderada. Ou seja, primeiro, há a negociação entre os Estados e organismos internacionais. Depois de concluída, ocorre a assinatura do tratado pelo Presidente da República. Em terceiro, ocorre a aprovação mediante decreto legislativo pelo Congresso Nacional. Em quarto, o tratado deverá ser ratificado pelo Presidente, e em seguida promulgado por meio de decreto presidencial. ARAUJO, Nadia; ANDREIUOLO, Inês da Matta. A internalização dos Tratados no Brasil e os Direitos Humanos. In ARAÚJO, Nádia; BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu (Orgs.). Os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 73. Do lado oposto, tem-se a teoria monista, que parte do pressuposto de que o direito é um todo unívoco formado pelo direito interno e pelo direito internacional, sendo que a validade do primeiro estaria vinculada ao âmbito internacional. No monismo extremado ou radical, o tratado possui prevalência sobre as demais normas jurídicas dos Estados, enquanto em sua acepção moderada, o tratado recebe o mesmo tratamento jurídico dado às leis ordinárias. BINENBOJM, Gustavo. Monismo e dualismo no Brasil: uma dicotomia afinal irrelevante. Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, RJ, v. 3, n. 9, p. 180-195, 2000. p. 182. Mas como escapa ao objeto deste trabalho analisar estas questões, da mais alta complexidade, parte-se da análise das três convenções a partir do posicionamento dominante, ou seja, de que depois de ratificados, tais tratados se transformam em normas do direito interno, ainda que possam surtir efeitos na órbita internacional.

514 ESPACH, Ralph H.; TULCHIN, Joseph S. Combating corruption in Latin America. Washington: Woodrow

Wilson Center Press, 2000. p. 3. BERGSTEN, Fred C. “Foreword”. In: ELLIOTT, Kimberly Ann. Corruption

and the Global Economy. Washington: Institute for International Economics, 1997. p. vii.

515 PIETH apud ELLIOTT, Kimberly Ann. Op. cit., p. 120. OCDE. OECD Convention on Combating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transactions: Ratification Status as of 8 April 2014.

Disponível em: <http://www.oecd.org/daf/anti-bribery/WGBRatificationStatus_May2014.pdf>. Acesso em: 14/05/2014.

para dar continuidade ao trabalho iniciado pela OEA e realizar um amplo combate à corrupção em nível mundial, uma vez que os regramentos da Convenção Interamericana se aplicavam somente ao território americano.

Por fim, no ano de 2003 representações de mais de 120 nações se reuniram em Mérida, no México, para deliberar sobre a corrupção e estabelecer instrumentos normativos que ampliassem a efetividade do combate. Por isso, as Nações Unidas editaram o mais importante diploma normativo acerca do combate internacional da corrupção: a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o primeiro diploma universal neste sentido, assinado até hoje por 140 países e contando com o apoio de inúmeras organizações internacionais públicas e privadas.516

Como os três tratados foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, serão analisados a seguir, uma vez que fazem parte do sistema protetivo da moralidade administrativa, contribuindo para o aperfeiçoamento do combate à corrupção no Brasil.