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Existe um direito fundamental à moralidade administrativa ou existe um direito

4.1 A moralidade como um direito fundamental

4.1.1 Existe um direito fundamental à moralidade administrativa ou existe um direito

Defende-se, neste trabalho, a existência do direito fundamental à moralidade administrativa sem desconhecer ou negar o fato de que podem existir direitos de cunho semelhante, mas com um cerne mais ou menos abrangente, como é o caso do direito fundamental à boa administração, defendido na doutrina pátria por Juarez Freitas. Nas palavras do autor,

Trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, sustentabilidade, motivação proporcional, imparcialidade, respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de observar, a totalidade dos princípios constitucionais e correspondentes prioridades. Observando de maneira atenta, o direito fundamental à boa administração é lídimo plexo de direitos, regras e princípios, encartados numa síntese, ou seja, o somatório dos direitos subjetivos públicos.301

Trata-se, de fato, de um direito visivelmente mais amplo, pois prevê uma série de comportamentos do Estado, pertinentes ao cumprimento geral dos princípios jurídicos, tais como eficiência, proporcionalidade, transparência, motivação, imparcialidade, moralidade, participação social e responsabilização por suas condutas,302 diferentemente o direito fundamental à moralidade administrativa, que prevê, especificamente, a necessidade de atuação do Estado e da sociedade na realização da moralidade.

Wallace Paiva Martins encara a moralidade como um “verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou princípio dos princípios)”.303 Ainda de acordo com o autor, o elemento moral subjacente à ação administrativa precisa ser observado, pois se trata de um

301 FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 21. 302 Ibid.

valor social da máxima importância que se encontra em patamar de superioridade em comparação com os demais princípios. Mesmo que o ato seja formalmente válido, de nada adiantará se o agente que o praticou não for idôneo e ético em seus motivos e em seus objetivos para com a sua realização.304 Em suas palavras:

A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo. Exsurge a moralidade administrativa como precedente lógico de toda a conduta administrativa, vinculada ou discricionária derivando também às atividades legislativas e jurisdicionais, consistente no assentamento de que: o Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fins, tendo como elementos a honestidade, a boa-fé, e a lealdade e visando a uma boa administração. Assim, no atuar, o agente público deve medir atenção ao elemento moral de sua conduta e aos fins colimados, porque a moralidade afina-se conceito de interesse público não por vontade da norma constitucional, mas por constituir pressuposto intrínseco de validade do ato administrativo.305

A moralização da Administração Pública é um dos maiores anseios sociais, tanto que a Constituição, de maneira ampla, estabeleceu diversos mecanismos protetivos da moralidade, a exemplo da Ação de Improbidade. Isto reflete a própria realidade histórico-política da sociedade brasileira que reconhece a inadiável necessidade de combater a corrupção. Condutas desafinadas com a ética social, com a probidade, honestidade, com a boa-fé do cidadão – que deposita sua confiança no Estado esperando deste uma atuação pautada na justiça – não podem ser aceitas dentro da sociedade.

Por isto, a moralidade impõe, de um lado, o direito inabdicável do cidadão em exigir do Estado uma série de condutas moralizadas, éticas, justas. 306 Exige-se uma atuação conforme os principais valores constitucionais e o espírito coletivo, de modo que não se aceita uma atuação estatal que não siga tais ditames. De outro, surgem deveres aos cidadãos, que precisam desenvolver e aprimorar a ética coletiva, ou seja, precisam trabalhar em prol da comunidade para controlar a corrupção. Como bem explicita Juarez Freitas, a moralidade implica mesmo na própria moralização dos cidadãos, que precisam viver de modo virtuoso e honesto, precisam

304 Ibid.

305 Ibid., p. 31-32.

306 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo:

tratar o Estado e seus semelhantes como gostariam de ser tratados em âmbito coletivo e individual.307 Nas palavras do autor,

De certo modo, tal princípio determina que se trate a outrem do mesmo modo que se apreciaria ser tratado, isto é, de modo virtuoso e honesto.. O “outro”, aqui é a sociedade inteira, motivo pelo qual o princípio da moralidade exige que, fundamentada e intersubjetivamente, os atos, contratos e procedimentos administrativos venham a ser contemplados e controlados à base de orientação decisiva e substancial que prescreve o dever de a Administração Pública observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, os referenciais valorativos da Constituição, cumprindo vivificar, exemplarmente, o combate contra toda e qualquer lesão moral ou imaterial provocada por ações públicas não-universalizáveis, destituídas de probidade e de honradez. [...] O princípio da moralidade no campo administrativo não há de ser entendido como singelo conjunto de regras deontológicas extraídas da disciplina interna da Administração. Na realidade, prescreve exatamente mais: diz com os padrões éticos de uma determinada sociedade, de acordo com os quais não se admite a universalização de máximas de conduta que possam fazer perecer liames sociais aceitáveis (justificáveis axiologicamente). 308

É justamente por isto que se pode afirmar que, além de um superprincípio no qual se embasa todo ordenamento jurídico, a moralidade é mesmo um verdadeiro direito fundamental social. Por meio do ideal de moralidade, impõe-se ao Estado uma série de tarefas que envolvem, precipuamente, a missão de concretizar todos os elementos que compõem seu conteúdo essencial (Cf. item 3.2).

Como direito fundamental, a moralidade se encontra intrinsecamente ligada aos demais direitos constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a legalidade, o direito fundamental à boa administração. Isto não significa que este direito não possua autonomia, ou mesmo que estaria integrado ao âmbito de abrangência deste ou daquele direito, pois a moralidade é um verdadeiro baluarte da sociedade brasileira, valor fulcral que deve reger toda e qualquer atuação pública.

No mesmo sentido, Martins preleciona que a moralidade não pode ser confundida com a boa administração. Em suas palavras,

(...) a boa administração consiste no dever de a Administração buscar sempre a melhor forma de concretizar o interesse público ou, noutros termos, no dever de efetuar o ótimo balanceamento dos princípios incidentes, de tutelar os

307 Ibid. 308 Ibid.

interesses na medida perfeita exigida pelo sistema, enfim, no dever de buscar a justiça. Boa administração é, em síntese, o dever de concretizar otimamente o interesse público (...). O conceito não se confunde com a moralidade administrativa, com o dever de a Administração observar as regras éticas. Por isso, Hauriou foi muito feliz ao afirmar que enquanto o espírito da moralidade é uma diretiva imposta aos deveres no interesse do bem: a boa administração busca a perfeita realização do interesse público e pauta-se pela ideia de balanceamento ótimo dos princípios incidentes; a moralidade diz respeito a observância de regras éticas (itálicos no original).309

Não há como confundir o conteúdo do direito fundamental à moralidade administrativa, fincado na busca específica da probidade e honestidade na atuação pública e na consolidação de uma ética social coletivista, com o direito fundamental à boa administração, que alberga uma série de elementos mais abrangentes e gerais. Ambos os direitos estão correlacionados, mas não são idênticos, na medida em que o direito à moralidade tem como cerne único o combate à corrupção na nossa sociedade.

Ao efetivar a moralidade, efetiva-se de maneira reflexa uma administração eficiente e eficaz, uma vez que os desvios, apropriações, malbaratamentos dos recursos públicos levam uma prestação ineficiente e perdulária dos recursos públicos. Isto não significa, porém que inexiste um direito fundamental à moralidade em face da existência de um direito fundamental mais amplo à boa administração. Sobre o assunto, importante destacar o pensamento de Rocha,

“(...) no Estado Moderno, especialmente com o modelo intervencionista que passou a predominar no presente século, a exigência de moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado, cujas funções são desempenhadas pelos agentes. A moralidade administrativa tornou-se não apenas Direito, mas direito público

subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto” (itálicos

no original).310

Para melhor compreender este direito, é preciso, aliás, analisar o conteúdo do mesmo enquanto princípio jurídico-constitucional, uma vez que é a partir deste conteúdo que se extraí seu cerne enquanto direito fundamental. Assim, a seguir é realizada uma análise do princípio constitucional da moralidade administrativa, destacando os seus principais aspectos.

309 MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da moralidade administrativa. Op. cit., p. 329.

310 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del