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2. O Novo Jornalismo – aspectos históricos e teóricos

2.5. Alguns exemplos do Novo Jornalismo

A contribuição que o Novo Jornalismo teria dado à literatura, ainda d e acordo com Wolfe, portanto, seria uma inversão de papéis. Naquele momento, os escritores se voltavam para o jornalismo, quando antes era o contrário. “Da maneira como eu via, se um novo estilo literário pudesse ter origem no jornalismo, era razoável achar que o jornalismo podia aspirar a algo mais do que a simples imitação daqueles gigantes envelhecidos, os romancistas”, comenta Wolfe (2005, p. 39). Um exemplo dessa inversão de papéis é Truman Capote, romancista conhecido na época, cuja carreira não estava em sua melhor fase. Em 1965, ele publicou A Sangue Frio, em capítulos, na revista The New Yorker. O texto sairia em forma de livro no ano seguinte.

Trata-se da história de dois irmãos que assassinaram brutalmente uma família de produtores rurais no Kansas, Estados Unidos. Capote começa pela descrição da vida pacata da família Clutter – pai, mãe e um casal de filhos – na fazenda River

Valley, na pequena cidade de Holcomb. Os assassinos, Hickock (Dick) e Perry trazem horror a esse cenário tranquilo com seu Chevrolet negro. Os dois são o elemento estranho, um lado sombrio da América, destoante daquela vida sossegada. O clímax do livro é quando o autor conta como e por que o assassinato aconteceu. A narrativa traz um movimento de alternância em cortes bruscos entre a observação do sereno dia-a-dia dos Clutter e as ações de Dick e Perry. O texto é resultado da dedicação exclusiva de Capote à história ao longo de cinco anos, uma cobertura financiada pela revista, trabalho que incluiu a visita aos assassinos na prisão.

A apuração resistiu à rigorosa estrutura de checagem da revista. Ainda assim, há bastante discussão em torno da veracidade dos fatos – o quanto da narrativa é confiável, o quanto seria ficção. De acordo com Matinas Suzuki Jr., no posfácio da edição brasileira mais recente do livro, “vários personagens citados em A Sangue Frio questionaram a falta de precisão nas transcrições dos depoimentos e na descrição do envolvimento deles nos fatos.” (CAPOTE, 2003, p. 431). Ainda de acordo com o Suzuki, Capote rebateu essas críticas de maneira polêmica e irônica, em uma entrevista concedida a George Plimpton, no suplemento de livros do New York Times em 1966, ao dizer que não é possível escrever o perfil verdadeiro de alguém sem ofender essa pessoa: “A verdade é que ninguém gosta de se ver descrito como realmente é.” Com efeito, a credibilidade das reportagens no Novo Jornalismo é um ponto que gera inúmeras críticas a respeito do estilo. O problema residiria na necessidade de distanciamento do repórter em relação à notícia como uma forma de perseguir a objetividade. Assim, afirmar “eu estava lá” poderia comprometer a credibilidade da informação. Entretanto, vale lembrar que “o registro em terceira pessoa, supostamente mais neutro, pode ser perfeitamente manipulado para impor o sentido desejado aos fatos.” (COSSON, 2007, p. 138).

No estilo que surgiu nos anos 60, mais do que a rotina comum de apuração de fatos, o jornalista vivia o universo retratado, para dar mais realismo às reportagens. Essa seria a primeira característica do estilo. Entre as técnicas para humanizar os textos também estavam, como referenciado anteriormente: 1) o registro de diálogos inteiros; 2) a construção cena a cena; 3) o registro de hábitos e costumes e; 4) a

narração em terceira pessoa. A sensação, para o leitor, é a de assistir a um filme, por meio dos olhos dos personagens da matéria.

Era a descoberta de que é possível na não ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... (WOLFE, 2005, p.28).

Gay Talese, em entrevista à Folha de S. Paulo (2009), comentou a questão do tempo estendido de apuração: “meu jornalismo não era centrado nas notícias de última hora, e não tinha um limite de tempo, porque eu sempre insisti em levar todo o tempo necessário para pesquisar sobre as pessoas sobre quem escrevia (ou eu não escrevia sobre elas)”. A proposta de Talese seria romper com o establishment de valores e modos de vida. Mesmo quando não abordam diretamente as transformações na sociedade que chocavam os conservadores, as matérias desse estilo trazem uma atitude inovadora para os padrões da época. O Novo Jornalismo retratava tudo com vivacidade e calor. “À objetividade da captação linear, lógica, somava-se a subjetividade impregnada de impressões do repórter, imerso dos pés à cabeça no real.” (WOLFE, 2005, p. 28).

Em relação à questão estilística, na visão de Antônio Olinto (2008), jornalismo é “literatura sob pressão”. Ele fala em pressão do tempo e do espaço; reconhece que é necessário utilizar alguns cânones para que a notícia saia publicada diariamente no jornal. Com a função de transmitir a realidade a um grupo de pessoas, Olinto afirma que é necessário que o repórter adquira sua própria linguagem. E os “novos jornalistas” encontraram essa linguagem própria. Segundo Olinto (2008, p. 28), não existe, no jornalismo concebido em termos mais avançados, o estilo de um jornal. “Existe o estilo de um jornalista.”

Com o Novo Jornalismo, surgiria um novo tipo de reportagem, mais intensa, mais detalhada e mais exigente em termos de tempo do que qualquer coisa que já havia sido feita, mesmo por repórteres investigativos. Os jornalistas passavam dias e até semanas com as pessoas sobre as quais escreviam. “com mergulho e envolvimento total nos próprios acontecimentos e situações, os jornalistas tentando

viver, na pele, as circunstâncias e o clima inerente ao ambiente de seus personagens.” (LIMA, 2004, p. 122). O jornalista Joseph Mitchell, por exemplo, conhecera, nas ruas de Nova Iorque, Joe Gould, um sem-teto que dizia saber falar a língua das gaivotas e clamava estar envolvido em um grande projeto, a “História Oral da Humanidade”. Mitchell desconfiava que a História Oral de Joe Gould, que ele havia perseguido desde 1942, data da publicação do primeiro perfil de Gould na The New Yorker, não existia. O repórter revelou esse segredo em um segundo perfil do personagem na mesma revista, sete anos após a morte de Gould, em 1964. Esses longos períodos de convivência com os personagens retratados tinham como objetivo descrever as pessoas da maneira mais profunda e detalhista possível.

A ideia era dar a descrição objetiva completa, mais alguma coisa que os leitores sempre tiveram de procurar em romances e contos: especificamente, a vida subjetiva ou emocional dos personagens (WOLFE, 2005, p. 195).

Depois da fase de apuração, era o momento de escrever o texto. Essa forma de escrever também era diferenciada. Gay Talese, no prefácio de O Reino e o Poder, afirma que o Novo Jornalismo é verdade, ainda que possa ser lido como ficção. O que acontece é que o repórter tem que ter uma abordagem mais “imaginativa”. Segundo ele, o escritor pode aí se intrometer na narrativa, caso queira, ou assumir o papel de observador imparcial. Essa forma tinha algumas técnicas a serem usadas, procedimentos básicos na classificação de Tom Wolfe.